ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  25    CAMPO GRANDE 24º

Artigos

Velhos amigos cantam antigas canções

Por Andrea Brunetto (*) | 23/05/2012 15:12

Velhos amigos que se encontram trinta anos depois, e que cantam não as novas canções, mas as velhas, as mesmas que cantaram outrora, à época de gravação do LP Prata da Casa. Isso foi o show de ontem, 22 de maio de 2012, no Glauce Rocha. Esse LP foi o mais falado e homenageado da noite. Ao meu lado alguém dizia “eu tive um” ou “eu estive no outro show quando foi gravado o LP e tinha 10 anos”. Quando velhos amigos se encontram “relembram loucuras de outros verões e fazem de conta que o tempo não ronda os seus corações”. Com essa música, de Almir Sater e Paulo Simões, eles, os autores, e todos os outros amigos, encerraram o show. Começo pelo fim, porque creio que o fim das coisas diz seu começo: foi isso o show, resgate da memória, através de um projeto da UFMS, que permitiu a todos nós reencontrar esses artistas, todos juntos, e creio que tambem nós, os espectadores, éramos velhos amigos. A observar que o tempo passou bem para os músicos sul-mato-grossenses, para os poetas-músicos de nossa região, esses artistas da “fronteira em que o Brasil foi Paraguai”.

Um show para gravação de CD e DVD é um pouco desestimulante: muita parafernália, assistentes de palco trabalhando, cada músico só cantou uma música, entra e sai de artistas, atrasos, câmeras, luzes, apresentador que falava demais de si mesmo. Enfim, mesmo com tudo isso, compartilhamos com os velhos amigos o percurso de 30 anos que cada um fez.

Quase no início estava lá o grupo ACABA, quarenta anos dos canta-dores do Pantanal, com a música Pássaro branco: “ainda criança aprendi o caminho dos pântanos, aprendi a voar. Sua asa desenhou meu retrato para ficar nessa terra.” Quando o ACABA acabou de cantar, vieram outros e sempre a referência era essa terra, a paixão pelo Pantanal, pelos sonhos guaranis, por esse planalto central de cerrados e pantanais, pelos Kadiwéus, remanescentes da grande nação guaicuru. Geraldo Espíndola cantou Kikiô, esse índio que nasceu no centro, entre montanhas e mar.

E falando dos Espíndolas, eles comparecem em peso ao show: Celito, Geraldo, Alzira, Tetê e Jerry. O que dizer mais? Eles já sofreram o tombamento, transformados em patrimônio da humanidade do Mar de Xaraés do cerrado central.

Temos o nosso mar, o Mar de Xaraés, longínquo. Deve ser por isso que quando um sul-mato-grossense vê o mar, tem uma nostalgia milenar. A paixão pela terra, pelas origens, que domina os homens, dominou todas as vozes, todas as letras. O homenageado foi José Boaventura, que esteve no Prata da Casa anterior e agora já se foi. Os Hermanos irmãos o homenagearam. Ele foi a presença-ausência da noite, que o tempo levou, mas a obra e a saudade deixou.

Quando Geraldo Roca cantou sua Mochileira, com a mesma voz linda e possante de sempre, pudemos constatar que ele continua com a mesma presença de palco de outrora. A conversa das velhas amigas – eu e minhas três amigas – no jantar pós show foi norteado pela pergunta: quem foi essa mochileira a quem um homem assim fica pedindo “fica comigo essa noite, me fala de outros lugares, etc”?

Como escrevi acima, assisti a apresentação com três amigas e fomos conversando durante o show (baixinho) sobre o passado. Uma delas assistiu o show anterior. Não tinha a idade que disse que tinha, mas não entramos em celeuma de idade de mulher; a outra sabe de histórias de bastidores e teve um rápido affair com um dos pratas – engoli em seco com uma rápida e “pequena” inveja. Não conto mais nada sobre isso – e a outra, uma corumbaense, amante da música, que tem um trabalho no qual coloca as mãos na lama e na fauna pantaneira, ficou um pouco dispicionada com a organização do show. Dispicionada é um neologismo de uma velha corumbaense que ela lembrou para falar de sua decepção. A dispicionada foi eu: não estive a trinta anos atrás, não tive o LP-bolacha Prata da Casa, não tive affair com prata nenhum e não trabalho no Pantanal. A mais dispicionada e desprivilegiada das quatro e tenho a responsabilidade de escrever esse singelo texto como uma forma de agradecimento a Marta Ferreira e Angela Kempfer, do Campograndenews, que arranjaram uma maneira que eu fosse ao show mesmo com o teatro lotado. Meu obrigada para elas. Aliás, também não tinha ingresso.

Para encerrar, não quero resvalar na visão que havia mais entusiasmo e alegria no show original. Isso seria a saudade nostálgica ao estilo “em busca do tempo perdido”. Vi o show como uma festa, um brinde alegre a memória, a alegria do tempo vivido, a comemoração de obras construídas no percurso de trinta anos. E isso tanto do lado de cá quanto de lá do palco. Tim Tim.

(*) Andrea Brunetto é psicanalista e diretora do Ágora Instituto Lacaniano

Nos siga no Google Notícias