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Cidades

“O desafio aqui é de salvar um hospital”, diz presidente da ABCG

Nesta segunda-feira equipe de transição começa a discutir devolução da Santa Casa; nova gestão terá Executivo na direção e acompanhamento de um Conselho de Administração

Carlos Martins | 14/04/2013 08:34
Teslenco: novo modelo de gestão terá um Executivo no comando da Santa Casa (Foto: Vanderlei Aparecido)
Teslenco: novo modelo de gestão terá um Executivo no comando da Santa Casa (Foto: Vanderlei Aparecido)

Nesta segunda-feira (15) a equipe de transição que irá tratar sobre a devolução do comando da Santa Casa à Associação Beneficente Campo Grande (ABCG) realiza a primeira reunião. Conforme decisão da Justiça, a ABCG, mantenedora do hospital, assume o comando a partir de 17 de maio. Até lá, representantes da entidade e do governo do Estado e Município, que administram a Santa Casa por meio de uma Junta Interventora desde 2005, levantam informações e discutirão um novo modelo de gestão. O presidente da ABCG, Wilson Levi Teslenco, já antecipou que um executivo, na função de superintendente, terá a missão de dirigir o maior hospital de Mato Grosso do Sul, sob os olhos de um Conselho de Administração a ser formado por representantes da sociedade.

A missão do executivo não será fácil na condução de um hospital cuja dívida pulou de R$ 57 milhões, em 2005, para os atuais R$ 160 milhões, segundo estimativas de Teslenco. “O desafio aqui não é só de fazer uma boa gestão, o desafio aqui é de salvar um hospital”, diz o presidente da ABCG, a respeito da tarefa que espera o profissional a ser escolhido. Em entrevista ao Campo Grande News, Teslenco fala sobre a expectativa da retomada do hospital, do que motivou a intervenção, do que fazer em relação à divida e do novo modelo de gestão que deverá ser adotado para que esta instituição supere as dificuldades e continue atendendo à população.

Arquiteto e urbanista por formação, filantropo por convicção, Teslenco tem 46 anos e dedica boa parte do seu tempo a questões humanitárias, e isso há muito tempo. Convidado pelo então presidente da ABCG, Arthur D´Ávila Filho, devido ao trabalho humanitário que ele fazia em outra instituição, Teslenco entrou para a ABCG em 2002 e assumiu a presidência da associação em 2010. “ABCG surgiu em 1918 criada por um grupo de figuras ilustres, além de pessoas simples, que correram um livro de ouro para comprar o terreno para construir o hospital. Temos hoje 150 sócios e acho que o membro de mais idade é o doutor Wilson Barbosa Martins [95 anos, ex-governador]. Tem um grupo de pessoas que está lá há muito tempo, mas também tem muita gente nova entrando”, diz ele.

A seguir, acompanhe a entrevista:

"Tem gente que joga bola, nossa diversão é a filantropia" (Foto: Vanderlei Aparecido)
"Tem gente que joga bola, nossa diversão é a filantropia" (Foto: Vanderlei Aparecido)

Campo Grande News - Qual é a expectativa da ABCG com a retomada da Santa Casa?

Wilson Levi Teslenco - Muitas vezes nós temos que responder para algumas figuras da sociedade que aparecem e olham com desdém, com desconfiança: Por que alguém vai se interessar por um hospital que deve R$ 160 milhões? A viúva está quase morta, o que adianta casar com ela. Fazem a pergunta: qual é o interesse? E muitas vezes essa pergunta vem carregada de uma desconfiança, de que vocês têm algum interesse pessoal nisso. Eu respondo qual é a vantagem. A vantagem é que no caso de um acidente em Campo Grande ou em uma emergência, você, eu e todos os outros cidadãos possamos ser acolhidos com a Santa Casa em condições de salvar a sua, a minha, a nossa vida. A Santa Casa é o hospital de resolução de Campo Grande. Hoje, dependendo da necessidade, você não tem que correr para o hospital, tem que correr para o aeroporto, buscar recurso em outro lugar. Então, o que nós esperamos com isso: primeiro, salvar aquele patrimônio, salvar o projeto que vem desde 1918, projeto construído pela sociedade, para fazer com que aquilo não se perca. Segundo, é garantir que as pessoas tenham qualidade nesse atendimento, que serviços que foram suspensos sejam reativados e criar excelência nisso aí, então isso é a motivação.

Campo Grande News - Ajudar a quem precisa é o que motiva o filantropo.

Wilson Teslenco - Eu estou envolvido com filantropia há muitos anos com outras experiências. Tem gente que joga bola, tem gente que coleciona alguma coisa, tem gente que não faz nada. A cachaça nossa, a nossa diversão, a nossa alegria, é a filantropia. Eu não mexo com saúde e ninguém nesse grupo tem relação comercial com a área de saúde. A expectativa, e talvez seja a segunda parte dessa resposta: Por que vocês querem entrar se o Poder Público foi lá e não deu conta? Eu tenho uma crença pessoal da incompetência do Poder Público e eu tenho uma convicção muito grande da capacidade do empreendedorismo gerir qualquer coisa. Por quê? Porque eu toco esse escritório e tenho uma série de clientes satisfeitos e sou obrigado a fazer muita coisa com poucos recursos.

Campo Grande News – Com a volta da ABCG, que modelo será implantado na administração da Santa Casa?

Wilson Teslenco – Primeiro, o foco na gestão profissional. A ideia é menos poder na gestão direta do hospital, para a diretoria da ABCG, com mais poder para o superintendente, para o executivo que vai gerir o hospital. Esse é o primeiro foco. Segundo, a gestão e participação da ABCG na gestão, ao invés de se basear na figura do presidente, vai se basear na figura do colegiado. Um grupo maior de pessoas vai participar da informação, do processo decisório. O terceiro ponto, é que ao invés dessa participação da ABCG ser exclusiva da associação, será aberta ao novo modelo que estamos implementando: teremos um Conselho de Administração que terá parte dele eleito pela ABCG e parte dele com pessoas indicadas por determinadas instituições da sociedade, conselhos profissionais, outras instituições filantrópicas que terão assento, mandato dentro do Conselho de Administração. Antes, não havia isso. Havia um Conselho Consultivo que poderia, eventualmente, ser chamado. Hoje não, o que nós estamos preparando para ser votado na mudança de estatuto é o conselho, que tem a participação efetiva, com mandato, de outras pessoas que vão sair da sociedade e vão acompanhar. Isso é uma via de mão dupla. As informações vêm e vão. Os problemas que a ABCG enfrenta com o hospital, deixam de ser uma questão interna e passam a ser uma questão externa. A sociedade tende a conhecer melhor os desafios da Santa Casa, e quando acontecem erros, coisas mais graves, ela será a primeira a saber. Porque está ali dentro, participa do dia a dia. Então, dentro do nosso propósito de ter uma gestão baseada na transparência, a primeira grande mudança é essa. De que haverá uma participação muito maior de outras pessoas dentro do Conselho de Administração do hospital, que é quem vai decidir dentro do formato colegiado.

Campo Grande News - Como será a gestão profissionalizada da Santa Casa?

Wilson Teslenco - A ideia é fazer uma seleção profissional por meio de uma empresa e já estamos conversando para contratar esse executivo. Também estamos conversando com grandes instituições de fora para tentar ver algumas sugestões de pessoas que entrem no processo de seleção. Há uma intenção, num primeiro momento, de que esse superintendente venha de fora até para ter bastante liberdade de ação. Essa é a expectativa que nós temos. Uma pessoa com histórico, inclusive disposta a um desafio como esse, porque o desafio aqui não é só de fazer uma boa gestão, o desafio aqui é de salvar um hospital. Na estrutura anterior tinha a figura de um superintendente, mas que era, na verdade, um gerente que não tinha amplos poderes de forma que havia uma interferência bastante grande da diretoria da ABCG na gestão diária do hospital. O que nós acreditamos é que há uma margem para ganho de eficiência, eficiência em compras e na aplicação dos recursos humanos, ganho de eficiência nos processos como um todo.

Campo Grande News - A missão do conselho será fazer o acompanhamento.

Wilson Teslenco - O conselho vai acompanhar as metas, os resultados, o desempenho do superintendente e daquele grupo, mas ele não vai fazer a gestão diária do hospital. A gestão do conselho é a gestão estratégica do hospital. Eu sou arquiteto pós-graduado em Administração, não sou gestor hospitalar, não sou médico e não vou fazer ingerência nessa área. Onde é minha ingerência? Ah, eu sei contar, sei gerir pessoas, então nossa ingerência é estrategicamente monitorar como acontece e outra coisa que é importantíssima nesse processo é a transparência. Nós pretendemos nos primeiros 30 dias, se possível, termos as contas do hospital, mesmo que, com uma aparência tosca, se necessário, elas estarão lá, o balanço, cada pagamento, processos de compra, estarão disponíveis no site da Santa Casa. As pessoas poderão fiscalizar.

Campo Grande News - Quando será votado o novo estatuto?

Wilson Teslenco - Pretendemos votar imediatamente após o retorno, no dia 17 de maio. Até porque existem alguns aspectos do estatuto que a comunidade entenderá se nós estivermos de fato lá com essas instituições que vão compor. É mais fácil convidar uma instituição para compor o conselho você estando efetivamente à frente da instituição.

Campo Grande News - O Poder Público, por meio da prefeitura e do Governo do Estado, terá representação no conselho?

Wilson Teslenco - Acho importante e isso foi, inclusive, fruto de negociação. Tanto que nós deixamos em aberto a questão da definição dos componentes. Dos conselhos profissionais viriam dois conselheiros e mais três que viriam da sociedade organizada com a possibilidade de serem representantes do Poder Público. O que não podemos perder de vista é que o Poder Público tem uma participação efetiva na gestão do hospital, principalmente na macro gestão porque o hospital está inserido na rede, ele tem uma participação efetiva na aplicação dos recursos porque ele repassa e fiscaliza a aplicação. Então, dissociar o Poder Público da gestão da Santa Casa é algo praticamente impossível. O que talvez a gente pense neste modelo de participação seja que o Poder Público tenha um acento no conselho como observador, não como alguém que vota, mas que está lá, acompanha, fala, discute o que acontece ali dentro. Até porque fica uma questão delicada, há um conflito de interesse. Se o conselho tiver que votar por penalizar o Estado, o que esse conselheiro irá votar?

"Hoje temos uma visão de que é imprescindível uma gestão profissional" (Foto: Vanderlei Aparecido)
"Hoje temos uma visão de que é imprescindível uma gestão profissional" (Foto: Vanderlei Aparecido)

Campo Grande News - A Justiça determinou a criação de uma equipe de transição para preparar a devolução da Santa Casa. Como será feito isso?

Wilson Teslenco – Na sexta-feira fizemos uma reunião preparatória elencando já alguns pontos para colocarmos em discussão na primeira reunião oficial da equipe de transição que será realizada nesta segunda-feira a partir das 8h na Santa Casa. Participarão da transição nove membros da ABCG e mais os indicados pelo governo do Estado e Município. A participação mais efetiva será nossa, que estamos entrando. Nós que precisamos nos organizar para ter as informações. Vamos assumir no dia 17 de maio e provavelmente algumas coisas vão continuar em transição no primeiro mês até que a gente tenha o domínio de todo o processo das informações, até que assumamos integralmente.

Campo Grande News – Como serão estas reuniões?

Wilson Teslenco - Provavelmente uma reunião por semana. Do nosso lado, estamos tentando estabelecer uma agenda para ter reuniões diárias. Reúne o grupo em determinado horário e as comissões vão trabalhar durante o dia. São cinco comissões: Técnica, Jurídica, Finanças, Compras e Recursos Humanos. O grupo é grande e várias pessoas vão poder atuar e levantar mais informações e avaliar mais coisas. Esse trabalho nestes 30 dias que antecedem a retomada não é conclusivo. Posteriormente implantaremos uma auditoria que terá o papel de checar processos e acompanhar como as coisas estão andando.

Campo Grande News – A partir da intervenção, o que mudou dentro da ABCG?

Wilson Teslenco - Nestes últimos anos de intervenção houve uma mudança em relação à visão dos fundadores. Eles pensavam e tinham o seguinte conceito: a associação é nossa, o hospital é nosso, nós que administramos. Isso funcionou bem durante um tempo em que as questões relativas à administração eram questões mais simples. As coisas aconteciam de forma mais devagar e se conseguia dar conta pra tudo.

Campo Grande News – Como foi que o dirigente começou a mudar o entendimento?

Wilson Teslenco - Foi um processo de renovação do entendimento que a gestão de um hospital daquele porte é muito complexa. Hoje temos uma visão de que é imprescindível uma gestão profissional, de que a gestão que a associação faz é macro, estratégica e política. Política na medida em que associação faz a relação com o Poder Público e a sociedade.

"Foi uma crise anunciada", sobre fatos que levaram à intervenção da Santa Casa (Foto: Vanderlei Aparecido)
"Foi uma crise anunciada", sobre fatos que levaram à intervenção da Santa Casa (Foto: Vanderlei Aparecido)

Campo Grande News - Em relação à dívida o senhor diz que ela é estimada em R$ 160 milhões, mas tem alguma auditoria em andamento para levantar o tamanho real dessa dívida?

Wilson Teslenco - A questão do tamanho da dívida, mais do que uma questão de auditoria é a conclusão do processo. Existe uma quantidade bastante grande de ações judiciais, ações trabalhistas, ações cíveis por erro médico, de fornecedores. Estas ações estão tramitando. Como será a conclusão, o acordo final, eu não sei exatamente. Há um valor que foi negociado, parcelado e que está sendo pago. Tenho valor mais recente que vai ser pago, não vai ser judicializado, tenho ações que estão concluindo, ações que estão paradas: isso está 100 por cento, essa pode subir, essa pode descer um pouquinho. Não dá para ter certeza como vai ficar, por isso é que se fala, que estimamos a divida em R$ 160 milhões.

Campo Grande News - Qual o déficit mensal da Santa Casa?

Wilson Teslenco - Todo mês tem um déficit de R$ 3 milhões. E isso é porque vai se rolando, pagando uma coisa mais urgente e deixando outra para trás, O único jeito de resolver isso é ou reduzir despesa ou aumentar receita e,às vezes, faz as duas coisas. Esperamos que o SUS se adéque, volte à realidade. Estamos vivendo um período de estresse entre quem presta o serviço, quem paga, quem usa. Estas relações estão sendo tencionadas, mas vão se acomodar. Quem recebe o serviço vai entender qual é a extensão deste serviço, talvez no futuro a amplitude desse serviço seja revista, os valores vão ter que ser ajustados porque senão você mata o fornecedor do serviço.

Campo Grande News - Como foi que se chegou à situação que motivou a intervenção da Santa Casa?

Wilson Teslenco - Foi uma crise anunciada. Em 2004 eu fazia parte da assembleia, não estava na gestão e nem na diretoria. Mas eu acompanhei. Foi uma crise que vinha de há muito tempo. O Poder Público, que comprava o serviço da Santa Casa, não pagava pelo serviço que era prestado integralmente. Era uma coisa muito comum pela prefeitura que já havia municipalizado a saúde em 1996. Você apresentava a conta todo o mês, fazia relatório e prestava conta: deu R$ 2 milhões, a prefeitura dizia, olha, está tudo certo com as contas, mas só posso pagar esse mês R$ 1,5 milhão. O resto, pago quando puder. E isso está escrito, documentado. Todo mês isso acontecia e aí virava uma bola. O Ministério Público entrava, ia lá e pressionava. Tem um caso que o gestor de saúde municipal reconhece que ele tinha uma dívida de R$ 4 milhões e alguma coisa e faz uma proposta de negociação: pra você receber tem que me dar um desconto. Aí, os R$ 4 milhões viraram R$ 3,2 milhões. Eu digo: então me dá esse dinheiro que preciso pagar as contas. E a prefeitura diz: só que tem uma coisa, o pagamento será em 40 parcelas. Assim, o dinheiro evapora e isso era prática corrente. Some-se a isso outra situação. Ao final de 2004 iria ocorrer uma coisa chamada contratualização. O que é isso? Antes, você relacionava o que tinha de serviço, a prefeitura conferia e se estivesse tudo certo pagava. Eu só sabia o que ia entrar de dinheiro quando apurasse o serviço que tinha feito. O que o Ministério da Saúde propôs para ter segurança em relação às finanças: o município vai contratualizar um valor. Vai calcular uma média dos serviços que ele utiliza e vai fazer uma contratualização disso. Ele vai comprar, negociar um pacote e você vai saber o valor que você pode receber. Se passar um pouquinho a mais, abate no mês que passou um pouquinho a menos e vai monitorando. No final do exercício avalia se tem uma diferença considerável e ajusta. O que o município passou a fazer prevendo no final do ano uma contratualização? Passou a fazer o seguinte: tudo o que fosse apresentado em cada mês, ele passou a glosar: isso aqui não, temos que ver...E aí a receita do hospital foi encolhendo, porque a contratualização seria feita na média e o que o município queria é que a média caísse para que no final do ano ele economizasse uns trocados com a contratualização. E aí foi retendo, represando uma série de serviços, AIHs [Autorização de Internação Hospitalar], alegando que tem uma vírgula errada, que o número tem irregularidade, que tem que corrigir. E foi segurando. O normal seria, glosou nesse mês paga no mês seguinte, corrigiu, pagou no mês seguinte. Só que não foi o que aconteceu, foram colocando na gaveta. Quando chegou dezembro de 2004 o hospital estava estrangulado pelas práticas anteriores, que vinham criando uma divida, e pela prática do último ano, que foi baixar os valores das receitas do hospital para contratualizar por uma média mais baixa.

Campo Grande News - Qual era o valor que o hospital tinha que receber?

Wilson Teslenco - Imediatamente após a requisição do hospital, 15 dias após o município foi lá e liberou R$ 6 milhões que estavam represados. Pagou tudo, colocou tudo em ordem e nos estávamos agonizando, clamando que esse dinheiro fosse pago.

Campo Grande News – O número de serviços foi reduzido a partir da intervenção?

Wilson Teslenco - Os recursos que o hospital recebia anteriormente, antes da requisição e os recursos que passou a receber posteriormente, aumentaram muito. Temos esses dados. Por outro lado, o volume de atendimento encolheu. Reduziu o número de leitos, oferta de serviços, quantidade de internações. Você tinha 750 leitos, baixou para 600 e agora tem 535. Tinha 33 mil internações em 2004, veio para 27 mil e durante a intervenção caiu para 22 mil internações/ano. Então houve uma redução do volume de serviços, houve um incremento de recursos e, mesmo assim, a dívida cresceu exponencialmente.

Campo Grande News - A maior parte do recurso repassado é federal.

Wilson Teslenco - Isso , o grosso do recurso é federal , do SUS, e há uma pequena participação do Estado e município com recursos do tesouro deles e você tem uma parcela importante que são os convênios particulares.

Campo Grande News - Como foi o processo de intervenção?

Wilson Teslenco – Foram três anos de requisição, de 2005 a 2007, por meio de decreto municipal e a intervenção veio a partir de 2008 até agora. A intervenção veio porque não havia mais condições e talvez nem mais interesse do município em decretar outra vez a requisição e o MP agiu, penso eu, também na expectativa de que se não deu pra salvar ainda vamos ver se a gente salva pra entregar numa condição melhor

Campo Grande News - Qual a diferença da requisição e a intervenção?

Wilson Teslenco - A requisição é a modalidade que Poder Público solicita determinado patrimônio jurídico ou de pessoa física para atender uma finalidade social em geral as condições para isso são de calamidade pública. Sempre é onerosa porque quando a situação estiver normalizada vai pagar pela sua requisição. Quando o STJ caracterizou que a requisição não poderia se estender ao CNPJ da ABCG, as contas que a associação mantinha, optaram pela intervenção. Aí se mudou a modalidade porque dessa forma seria possível. A intervenção ocorreu num primeiro momento sobre a ABCG e a Junta Interventora passou a representar a diretoria. É importante destacar que nesse tempo a Junta Interventora nunca convocou uma assembleia, mesmo ela tendo poderes para isso. Nos primeiros dois anos da intervenção ela nunca fez, nunca prestou esclarecimento em assembleia aos sócios da ABCG. Ao final de dois anos aquela decisão de intervenção foi reformada. Os poderes de representar a diretoria foram retirados, então, e a partir de 2010 ficou para a interventora a obrigação de administrar custeando todas as despesas para o bom funcionamento do hospital, coisa que não foi feita, já que desde então há déficits mensais.

"A dívida tem que ser tratada como questão de saúde pública" (Foto: Vanderlei Aparecido)
"A dívida tem que ser tratada como questão de saúde pública" (Foto: Vanderlei Aparecido)

Campo Grande News - A imprensa nacional vem dando destaque a crise que as santas casas de todo o Brasil vêm enfrentado. Estima-se que a divida supere os R$ 11 bilhões. O dinheiro repassado pelo SUS cobre em torno de 65 por cento dos gastos. Como sair dessa situação?

Wilson Teslenco - O problema é que o valor que o SUS [Sistema Único de Saúde] paga não cobre o valor daquela despesa. O SUS compra pacote de serviços, compra um parto,por exemplo, e por definição ou por uma questão de estratégia para valorizar os partos normais ele paga o mesmo valor por um parto que não seja normal, cesárea. Pra que? Para que todo o sistema trabalhe para levar ao parto normal que é mais seguro, tem toda uma política em torno disso. Ele comprou o pacote, paga X por esse pacote. Se o hospital não consegue fazer por aquele pacote, significa prejuízo. Em geral aquele valor que o SUS paga está cobrindo, 60, 50, às vezes 40 por cento do que custou efetivamente o serviço. O que o SUS paga por uma cesárea não dá nem para começar. E como funciona então? Existem outros procedimentos que dão menos prejuízo e eventualmente existe pacote que não dá prejuízo nenhum, no geral, dá prejuízo. Essa é a situação.

Campo Grande News - O senhor sugeriu dividir a responsabilidade da dívida pela ABCG, Estado e Município.

Wilson Teslenco - Em relação à questão de como pagar a primeira coisa que temos que ter em conta é o seguinte: se fosse só a Santa Casa de Campo Grande com problema poderíamos pensar que somos incompetentes, que todo mundo está bem e só nós que somos ruins. Não é esse o caso, pois há uma epidemia de dívida nos hospitais filantrópicos nacionais. Então não é um problema exclusivo. A chance de encontrar uma solução é muito maior. Este é um aspecto que temos que ter. O juiz quando deu a intervenção obrigou que fossem alocados recursos no volume necessário para a operação do hospital. Isso não foi feito e vai ser discutido sobre os recursos que foram aplicados no hospital e estão lá os balanços que mostram que nunca foram suficientes para cobrir as despesas do hospital. Isso aí vai ser discutido em algum momento que a gente espera que não seja em longo prazo e isso vai ter que ser resolvido. Por outro lado, você tem outra situação que a Santa Casa é o elo mais importante para a rede de saúde do Estado. Ela não pode fechar nem parar. A responsabilidade está clara dos poderes públicos municipal e estadual no crescimento dessa dívida que é uma divida paralisante. Então o que nós acreditamos é no bom senso dos dois poderes em tratar a questão da divida não como uma questão da dívida como negociação, mas como uma questão de saúde pública.

Campo Grande News - O Poder Público conhece bem essa realidade.

Wilson Teslenco - É importante dizer que tanto o secretário municipal como a secretária estadual de Saúde já manifestaram a consciência dessa situação. Não é uma coisa que vai ter que ser provado para eles. O governador [André Puccinelli] sabe disso, o Bernal [prefeito Alcides Bernal] sabe disso, o Ivandro [Fonseca, secretário Municipal de Saúde] sabe disso, a doutora Beatriz [Dobash, secretária Estadual de Saúde] sabe disso, todos eles sabem da situação e já se manifestaram. Não tem como tapar o sol com a peneira e isso tem que ser enfrentado. A ABCG frente à Santa Casa se propõe a gerar um fluxo de caixa positivo, uma receita, para poder participar disso, ganhar eficiência para poder pagar parte da dívida, mas ela não pode ser responsabilizada totalmente por isso. Há uma expectativa em relação a esses R$ 11 bilhões de dívida dos filantrópicos para que se construa uma solução nacional para isso, porque o País não pode prescindir de ter os hospitais filantrópicos dentro do sistema. Só corrigir a tabela do SUS não resolve. Do mesmo jeito que o Poder Público em algum momento para salvar o Sistema Financeiro Nacional injetou dinheiro, porque se quebra um banco pode arrastar todo o sistema, e gostando ou não tem que salvar, com a saúde terá que ser a mesma coisa.

Campo Grande News - Até porque essa divida, ou a maior parte dela, foi gerada pelo déficit que, por sua vez, foi causado pelos valores insuficientes pagos pelo SUS.

Wilson Teslenco - Eu tenho dito que o Poder Público Federal, Estadual e Municipal financiaram o déficit de investimento em saúde com o endividamento dos filantrópicos. O cara faz o serviço, o dinheiro é insuficiente, ele é obrigado a se endividar para continuar fazendo aquilo que o Poder Público tem que fazer.

Campo Grande News – Essa crise toda afetou a imagem da Santa Casa. Como fazer esse resgate?

Wilson Teslenco - A Santa Casa hoje é uma terra não pacificada. Duas coisas que desapareceram de lá: as doações e o voluntariado. Acho que isso vai retornar com a pacificação jurídica, da pacificação da relação da Santa Casa com a sociedade. As pessoas vão ter segurança para investir, para participar do hospital, quer sejam empresas ou voluntários. Nós pretendemos dar uma atenção muito grande no trabalho voluntariado. Há muitos nichos e oportunidades ali dentro, na manutenção do hospital, tem pessoas que podem contribuir, consertando uma tomada, consertando uma torneira, pintando uma sala. As pessoas podem contribuir com isso, podem ser treinadas para voluntariamente trabalhar na cozinha do hospital, treinadas para cuidar do enxoval, roupa de cama, jaleco, coisas que vão se deteriorando, que precisam ser consertadas. Nós olhamos para a sociedade e sabemos que tem muita gente que teria um prazer enorme de servir, mas ele precisa de uma oportunidade, ser capacitado para isso, ser orientado, ser convocado para isso, saber que está investindo seu tempo em uma coisa séria.

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