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Capital

“Não estava nem sujo”, diz homem que sofreu racismo em restaurante

Aline dos Santos | 22/07/2013 10:57
Daniel não conseguiu comprar garrafinha de água e foi orientado a ir a local que vende "baratinho" (Foto: Marcos Ermínio)
Daniel não conseguiu comprar garrafinha de água e foi orientado a ir a local que vende "baratinho" (Foto: Marcos Ermínio)

“Não estava nem sujo”. A ressalva é logo feita, no início da entrevista ao Campo Grande News, pelo gesseiro Daniel dos Santos Araújo, 45 anos, que no sábado foi impedido de comprar água em um restaurante de luxo na rua Antônio Maria Coelho, em Campo Grande. Negro, ele foi orientado pelo garçom a procurar um posto de combustível a 150 metros, que vendia água “baratinho”.

Horas depois, um homem branco, sobrinho da vítima, comprou a garrafinha no mesmo restaurante por R$ 3,30. O trabalhador conta que pagou R$ 5,00 no posto, mas o valor incluiu a água e um refrigerante de 600 ml. 

A situação, que em termos para punição foi enquadrada no artigo 8 da Lei 7.716, que define crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor, representou a gota d’água para Daniel Araújo, que decidiu, pela primeira vez, denunciar à Polícia o preconceito pela cor da pele.

No sábado, dia 20 de julho, o gesseiro estava trabalhando em um local próximo ao restaurante Indez. Por volta das 11h, com sede, decidiu comprar água e, por questão de comodidade, rumou para o ponto de comércio mais próximo. Na entrada do restaurante, para se certificar, perguntou a um dos dois casais que estavam na calçada se ali vendia água. Com a resposta positiva, se dirigiu ao garçom, de cor morena clara.

“Pedi a água, mesmo sem perguntar o preço, o garçom já falou que era R$ 3,50. Depois, ele disse que não vendiam água no restaurante e sugeriu que eu fosse a um posto no cruzamento da Espírito Santo com a Mato Grosso. O garçom disse que lá era baratinho e pertinho”, relata.

Daniel, então, caminhou mais 150 metros e foi ao posto. No caixa, comentou com a atendente que não tinha conseguido comprar água no restaurante. “Ela disse: ‘moço, isso é discriminação’”, afirma. No retorno, ao passar em frente do restaurante, ele relata que o mesmo garçom estava em frente da porta e com os braços cruzados.

Chateado com a situação, Daniel ligou para o 190, onde recebeu a sugestão de pedir que uma pessoa branca tentasse comprar a mesma garrafa de água. A missão foi cumprida por um sobrinho (branco) da vítima de discriminação, que comprou a água por R$ 3,30 e sem problemas.

“Ele pediu a nota fiscal, mas o garçom disse que a máquina estava estragada. Ele deu um papel com o nome do restaurante e o valor de R$ 3,30”. Daniel relata que a negativa de venda para ele foi testemunhada por um homem mais velho que estava atrás do balcão. “Deduzi que era o dono”, diz.

Por vezes, na entrevista, Daniel repetiu que não estava sujo e trajava roupas normais. “Se fosse um cara que chegasse de carrão, mesmo sendo negro, e tivesse a baixado a janela, ele [garçom] ia sair e me dar água”.

A denúncia de racismo foi feita na Depac Centro(Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário). Pai de um casal de filhos, o trabalhador deveria ter chegado em casa, no Paulo Coelho Machado, às 13h. No sábado, por decidir não se calar, acabou chegando seis horas depois.

O Boletim de Ocorrência foi por discriminação em “impedir acesso ou recusar atendimento em restaurantes, bares, confeitarias ou locais semelhantes aberto ao público”. De acordo com a lei, a punição vai de um a três anos de prisão.

Titular da 1ª Delegacia de Polícia Civil, Wellington Oliveira lembra que em casos de flagrante, racismo é crime inafiançável. De acordo com ele, o caso será investigados e as pessoas serão chamadas a prestarem depoimento.

A reportagem ligou para o restaurante Indez. Uma funcionária disse que o local não funciona de segunda-feira e só à tarde será possível falar com o proprietário.

Conforme dados disponíveis no site da Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública), entre 2009 e hoje, foi registrada somente uma denúncia por crime de racismo, ocorrida em janeiro de 2011. E o caso ainda foi registrado no interior do Estado.

Oficialmente, Campo Grande não contabiliza um caso de racismo nos últimos quatro anos, conforme o setor de estatística da Secretaria de Justiça e Segurança Pública.

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