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Aluguel caro infla e até cria "mercado de barracos" em favela há 10 anos

Flávia Lima | 25/07/2015 10:07
Carmen Amorim chegou à favela há dois meses e ainda tenta se acostumar com a nova realidade. (Foto: Fernando Antunes)
Carmen Amorim chegou à favela há dois meses e ainda tenta se acostumar com a nova realidade. (Foto: Fernando Antunes)
Luciano de Amorim com a família pagaram R$ 2 mil pelo barraco que moram. (Foto:Fernando Antunes)
Luciano de Amorim com a família pagaram R$ 2 mil pelo barraco que moram. (Foto:Fernando Antunes)

Centro de polêmica por ter sido cogitada pela prefeitura para abrigar moradores da favela Cidade de Deus este ano, a favela do Jardim Noroeste, que atualmente abriga cerca de 60 famílias, parece estar longe de desaparecer e deixar no passado, a situação precária e a falta de infraestrutura enfrentadas pelas famílias que residem na região, fugindo do aluguel.

Formada há quase dez anos por famílias que não conseguiram bancar a moradia alugada que acabavam tendo como fonte de renda o lixão do local, a área continua expandindo e recebe, quase toda semana, uma nova família em busca de uma opção mais econômica de moradia.

Em tese, não é preciso pedir permissão a ninguém para montar um barraco na favela. Muitas pessoas chegam com ajuda de amigos ou familiares que já residem na área algum tempo. Apesar disso, algumas pessoas chegaram a desembolsar até R$ 2 mil para comprar um barraco.

Foi o caso da família do catador de recicláveis, Luciano de Amorim. Há três anos morando na favela com a mulher, a dona de casa Leandra Aparecida, 20 e as filhas Ana Vitória, 1 e Rafaela, 3, ele conta que pagou os R$ 2 mil a um amigo que na época estava indo embora do local e colocou à venda o barraco de três peças.

“Foi caro, mas pelo menos a gente não tem que se preocupar com o aluguel”, diz. A família desembolsava R$ 300,00 por mês em uma casa do mesmo tamanho, próxima a favela. Com o marido sozinho sustentando a casa com uma renda de um salário mínimo, Leandra diz que sonha com um imóvel próprio, por isso pretende esse semestre ir até a EMHA (Empresa Municipal de Habitação) realizar inscrição para tentar ser beneficiada com uma casa. “Não fiz isso antes porque era menor de idade, mas quero tirar minhas filhas daqui”, afirma.

Mãe de Luciano, Carmen Amorim, 52, que também trabalha no lixão, chegou à favela há dois meses, também fugindo de um aluguel de R$ 450,00. Para construir o barraco ela gastou R$ 200,00, fora a mão de obra que pagou para um amigo realizar a obra.

Pela primeira vez morando em uma local praticamente sem infraestrutura, ela conta que desde 2000 é inscrita na EMHA e ainda tem esperança de voltar a morar em um imóvel de alvenaria. “Foi difícil de acostumar nas primeiras semanas, mas a gente tem que sobreviver. Não dá tempo de pensar nos problemas”, destaca.

No barraco de quatro cômodos, ela organizou, como pode, as roupas e utensílios que trouxe da antiga casa. Mesmo sem espaço, ela faz questão de manter o mínimo de limpeza e ainda encontra tempo para garimpar no lixão, objetos que possam servir de decoração. “Minha árvore de Natal do ano passado saiu toda daqui do lixo”, conta.

Com problemas de saúde, Carmen não consegue ir todos os dias separar recicláveis no lixão, por isso tenta sobreviver com os R$ 120,00 que consegue a cada 15 dias com a venda do cobre, alumínio, plásticos e ferro que retira do lixão. “Tenho muita dor nas costas e não consigo carregar peso, por isso não arrecado muito”, revela.

Mesmo com as dificuldades financeiras, ela abre mão de fazer “melhorias” no barraco, para dar conforto aos gatos que adota no lixão e ao vira-latas de dez anos, vítima de um espancamento que o deixou sem o movimento das patas traseiras.

“Eu ia fazer um banheiro, mas preferi usar o espaço para ele ficar dentro de casa. Estou juntando madeira para fazer uma cerca e evitar que ele fuja. Mesmo com as deficiências, ele é bravo”, diz.

A recente mudança radical de vida tirou o conforto, mas garantiu a economia do aluguel, que investe, aos poucos, no barraco. “Quando chove molhava aqui dentro por causa das goteiras, agora consegui uma pessoa para arrumar. A gente vai se ajeitando”, afirma.

Transição - Para quem chegou agora na favela, a ideia de que a situação é temporária, ajuda a enfrentar o desafio de tirar os filhos de um local mais seguro e confortável para uma dificuldade extrema. Esse é o pensamento do servente de pedreiro Jonatan Ramos, que abriu mão de uma casa no bairro Tiradentes, onde morava com a mulher Ivonete e os filhos Evelin, 3, e Cauã, 6, para se livrar do aluguel de R$ 350,00.

Ele acredita que as crianças vão estranhar a nova realidade, mas como devem passar o dia todo na creche para os pais trabalharem, ele espera que elas logo façam amizades e se acostumem a nova realidade. Inscrito há um ano na EMHA, ele afirma que não se deixa desanimar. "Não pode ter pensamento negativo. Temos que pensar que vamos conseguir sair daqui logo", diz.

A mudança deve acontecer no final de semana, já que o barraco, que construiu sozinho e custou, até o momento, R$ 250,00, ainda está sendo finalizado. Com uma renda de R$ 700,00, ele não pretende utilizar o lixão como reforço no orçamento. “Minha mulher vai trabalhar para me ajudar e logo voltaremos a ter uma vida melhor”, ressalta esperançoso.

Esperança também tem a pequena Joyce Nogueira de Campos, 10, que mora na favela do Noroeste há três anos e já viu duas irmãs nascerem no local. Observando as dezenas de casas que vem sendo construídas próximas a favela, ela sonha em voltar a ter um quarto, mesmo que dividido com os outros quatro irmãos. Ela lembra que na antiga casa, mesmo com as dificuldades, tinha um quarto que dividia com a irmã mais velha e gostava de arrumar e enfeitar com os brinquedos ganhos. "Espero que meus pais consigam ter uma casa de novo um dia", finaliza.

Local não conta com qualquer tipo de infraestrutura. (Foto:Fernando Antunes)
Local não conta com qualquer tipo de infraestrutura. (Foto:Fernando Antunes)
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