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Capital

Capital não tem espaço acessível e totalmente sem barreiras a deficientes

Flávia Lima | 23/06/2015 09:24
Acessibilidade ainda é deficiente em todo o Estado. (Foto:Marcelo Calazans)
Acessibilidade ainda é deficiente em todo o Estado. (Foto:Marcelo Calazans)
Cursos são oferecidos para auxiliar na inclusão dso deficientes visuais. (Foto:Divulgação)
Cursos são oferecidos para auxiliar na inclusão dso deficientes visuais. (Foto:Divulgação)

Com 68.440 deficientes visuais, segundo dados do IBGE levantados em 2010, Mato Grosso do Sul ainda não dispõe de um local totalmente acessível para os portadores de deficiências. A informação é da vice-presidente do Ismac (Instituto Sul Matogrossense para Cegos) “Florivaldo Vargas”, Telma Nantes de Matos.

Ela explica que na maior parte dos espaços públicos e até mesmo particulares, é comum encontrar piso tátil, mas nem sempre há rampas para cadeirantes. A situação inversa, segundo ela, também ocorre. “Às vezes o local é adequado para um cadeirante, mas para um cego não oferece apoio”, ressalta.

Para Telma, as deficiências de acessibilidade dificultam no exercício da cidadania. “Muita gente acha que o preconceito é nossa maior dificuldade, mas na verdade o problema é você ser tolhido do seu direito de ir e vir”, ressalta.

Em Campo Grande, ela destaca que já houve muitos avanços desde 1999 quando as primeiras leis determinando a adequação dos espaços e prédios surgiram, porém ainda há medidas básicas que já poderiam ter sido resolvidas e que dificultam a vida de quem busca levar uma rotina como a de qualquer outra pessoa.

Como exemplo ela cita os semáforos com sinal sonoro, existentes apenas no cruzamento da Rua 25 de Dezembro com a Avenida Afonso Pena, onde está localizado o prédio do Ismac. “Isso é um recurso que deveria ter em todos os quadriláteros, até para garantir a segurança da pessoa cega”, destaca. Segundo a Agetran (Agência Municipal de Trânsito), há pedidos para instalação dos equipamentos na região da rodoviária e aeroporto, mas ainda estão em análise devido aos custos de aquisição e implantação.

Telma reconhece as dificuldades, principalmente financeiras, para realizar as adaptações arquitetônicas, mas segundo ela, se há uma legislação que garante uma melhor mobilidade a essa população, deve ser respeitada. “Não há outro caminho. A acessibilidade é uma construção contínua”, diz.

E para contribuir com essa conscientização, Telma ressalta que o próprio Ismac procura dar o exemplo, desenvolvendo uma série de atividades que buscam facilitar o dia a dia dos portadores de deficiência visual. Entre os trabalhos, estão a tradução de cardápios de restaurantes e de contas de luz e água para o método Braille, código que permite ao cego ler e escrever a partir de um conjunto de 64 símbolos em relevo.

O trabalho, que é uma parceria com as concessionárias de luz e água, já é feito há pelo menos dois anos e vem facilitando a vida de cerca de 60 pessoas, mas como não há muita divulgação, o público em geral desconhece o serviço. Para ter acesso a essa facilidade, basta entrar em contato com o Ismac, que oferece o trabalho sem custos para o solicitante.

A mesma situação ocorre com a tradução de cardápios, que segundo Telma só não abrange mais estabelecimentos devido a falta de conhecimento dos comerciantes. “Cobramos um preço simbólico do empresário, apenas para cobrir os custos da nossa gráfica”, ressalta.

Além dessas atividades, o Instituto mantém uma biblioteca com acervo de obras gravados de 60 autores sul-mato-grossenses e 1,5 mil títulos traduzidos em Braille, sem contar os 200 áudio-livros gravados por voluntários.
Todo esse acervo está a disposição da população, independente se a pessoa recebe assistência do Ismac.

Independência – Não é apenas a acessibilidade que é deficiente. O preconceito de grande parte da população ainda é um grande empecilho para os deficientes visuais. Por isso, a palavra assistência vem ganhando, há tempos, nova conotação no Ismac.

De acordo com Telma Nantes, a proposta do local é oferecer um auxílio que garanta a independência dos cegos. “Aqui não é um centro de amparo. Oferecemos um serviço especializado para que a pessoa se torne um cidadão útil à sociedade e tenha consciência que pode realizar sues projetos e trabalhar como qualquer outra pessoa”, destaca.

Ela explica que mesmo com quase meio século de serviços oferecidos a população, ainda existem pessoas que não enxergam o potencial dos deficientes.

Para desmistificar esse pensamento o Ismac vem reforçando a divulgação das 20 atividades que garantem a adaptação do cego à vida cotidiana. Através de parcerias com o poder público, eventos próprios e doações, tanto o deficiente visual quanto sua família dispõe de assistência que abrange desde atendimento psicológico até trabalhos com terapeutas ocupacionais que garantem o desenvolvimento e a adaptação de crianças ao ambiente escolar, a chamada intervenção precoce.

É o caso do pequeno Lucas Siqueira, 6, que é assistido pelos profissionais do Ismac desde quando nasceu, de parto prematuro, aos seis meses de idade. A mãe, Rubenita Siqueira explica que devido ao nascimento precoce, Lucas ficou 74 dias na UTI neonatal e recebeu muito oxigênio, o que causou uma cegueira irreversível.

Mesmo com o diagnóstico do médico de que o filho iria andar apenas aos três anos, ela apostou no trabalho do Ismac e viu Lucas dar os primeiros passos com 1 ano e dez meses. Mesmo recebendo assistência apenas uma vez por semana, ela considera o desenvolvimento do filho tão normal quanto o de qualquer outro colega de classe.

“A deficiência faz a pessoa desenvolver os demais sentidos e a memória do Lucas é ótima”, diz o terapeuta ocupacional Alexandre de Oliveira, que trabalha com o menino há um ano. A mãe comprova revelando que na sala de aula ele é a única criança que ouve uma história apenas uma vez e narra em detalhes, o que acabou de ouvir da professora.

Além da ajuda no processo cognitivo, Lucas também é estimulado a ser independente. “Aqui a gente aprende a auxiliar a criança no seu dia a dia, mas sem superproteção porque na vida real nem sempre vai oferecer facilidades”, diz Rubenita. A prova da independência conquistada por Lucas foi a viagem que fez à casa da tia, repleta de escadas.

“Só tomamos mais cuidado, mas não fizemos nenhuma intervenção e ele se virou muito bem”, ressalta orgulhosa.
Quem também está descobrindo um novo mundo de possibilidades depois que começou com os atendimentos no Ismac é a massoterapeuta Joelma Gonçalves da Silva, que em 2010 perdeu totalmente a visão após um acidente de moto e parcialmente a do olho direito.

Ao ouvir do médico que receberia um atestado de invalidez, ela entrou em uma depressão profunda, que só desapareceu chegou descobriu o Instituto através de uma amiga psicóloga. Mesmo sendo obrigada a abandonar o emprego como gerente em um restaurante, devido a agilidade que não possuí mais, Joelma não reclama das mudanças. “Descobri uma nova perspectiva. Hoje me dedico a me aperfeiçoar na nova profissão e resgatei minha auto-estima”, diz .

Lucas recebe assistência no Ismac desde os seis meses. (Foto:Divulgação)
Lucas recebe assistência no Ismac desde os seis meses. (Foto:Divulgação)
A vice-presidente do Ismac,Telma Nantes diz que falta de recursos prejudica ampliação de trabalhos. (Foto:Marcelo Calazans)
A vice-presidente do Ismac,Telma Nantes diz que falta de recursos prejudica ampliação de trabalhos. (Foto:Marcelo Calazans)

Gastos - Para a vice-presidente do Ismac, são esses exemplos que incentivam os profissionais que atuam no local, apesar das adversidades, especialmente as financeiras. Atualmente o Instituto, que existe desde 1957, tem um gasto mensal de R$ 50 mil com infraestrutura, valor angariado através das parcerias com a prefeitura, doações e eventos.

“Geralmente não fechamos essa conta, por isso procuramos divulgar nossos serviços que, além de ajudar na inclusão dos cegos, contribui com nossas contas”, destaca.

No momento, a batalha é para ampliar os serviços de gravação de livros e reforma e ampliação da biblioteca, que existe há 45 anos, mas nunca passou por uma revitalização profunda.

As reformas acontecem a passos lentos, no entanto o Ismac consegue manter o atendimento mensal de 523 pessoas e mesmo com a incerteza das verbas, faz projetos grandiosos. “Nosso sonho é oferecer um trabalho de áudio-descrição em filmes, eventos e peças teatrais. A acessibilidade vai além das funções de rotina, ela passa também pela oportunidade de cultura e lazer”, diz.

Mesmo com as dificuldades, o Ismac tem uma gama de atividades nas áreas de artes e esportes. Tanto que o grupo de futebol de cinco conquistou o 3º lugar no campeonato do Centro Norte e se prepara para receber, em setembro, 1,5 mil equipes de todo o país, em um evento nacional, no estádio das Moreninhas.

“Vivemos em um mundo de inclusão, não podemos nos deixar abalar pelas dificuldades. O preconceito faz mal apenas a quem. O portador de deficiência não pode se deixar abater”, conclui.

Na gráfica do Instituto são impressos cardápios e material para leitura em Braille. (Foto:Divulgação)
Na gráfica do Instituto são impressos cardápios e material para leitura em Braille. (Foto:Divulgação)
Voluntários trabalham na gravação de áudio-livro. (Foto:Divulgação)
Voluntários trabalham na gravação de áudio-livro. (Foto:Divulgação)
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