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Capital

Com baixa temperatura, busca pelo Cetremi aumenta 40% maioria é de usuários de drogas

Paula Maciulevicius | 29/06/2011 16:38

Serviço de abordagem recolhe 24 horas e pede ajuda da população, para que desabrigados não fiquem sujeitos a hipotermia

Monitor do serviço de abordagem do Cetremi oferece abrigo a homem deitado na rua, com o frio que fazia na madrugada. (Foto: Pedro Peralta)
Monitor do serviço de abordagem do Cetremi oferece abrigo a homem deitado na rua, com o frio que fazia na madrugada. (Foto: Pedro Peralta)

Com a chegada da estação fria, em Campo Grande o serviço de abordagem do Cetremi (Centro de Triagem e Apoio ao Migrante) não para os trabalhos 24 horas por dia. A rotina segue das 6h às 6h da manhã seguinte, rondas e acolhimento são intensificadas, para tirar quem vive nas ruas e evitar mortes. Nos 3 dias mais frios do ano, registrados nesta semana, o Centro já ocupa a capacidade máxima, de 100 pessoas.

Na noite passada, o Campo Grande News acompanhou o serviço de abordagem que passou pelas ruas do Centro, avenida Ernesto Geisel e bairros mais afastados. O roteiro é definido pelo conhecimento de quem trabalha toda noite, para não deixar pessoas passarem frio.

Por trabalhar diariamente, a abordagem é em locais prováveis de abrigo improvisado, como pontes do córrego na avenida Ernesto Geisel, próximo a Manuel da Costa Lima. Onde a Kombi para e os monitores descem oferecendo ajuda.

“Eu fiz alguma coisa errada?” pergunta um dos desabrigados, de longe. A resposta dos monitores é em tom amigável “não, nós viemos ajudar você. Vai fazer muito frio essa noite”, alerta um deles.

No mesmo lugar, uma mulher de sotaque carioca, voz fina e roupas surradas, que quase não escondem o corpo magro do frio. A jovem aparenta bem menos do que os 31 anos que possui. Mãe de quatro filhos, mora embaixo da ponte há cinco meses, desde que o marido morreu assassinado.

Ela atende a voz que oferece ajuda, mas responde que só sai dali com os outros. São cerca de 10 que moram e vivem como uma família. “Um cuida do outro. Eu vou, mas espera eles chegarem”, diz.

Ao ver que se tratava do Cetremi, ela pediu mais que um lugar para dormir, “quero me tratar. Poxa, ajuda a gente”. Usuária de pasta-base, ela passa dia e noite debaixo da ponte. Diz que tinha uma vida normal, como a maioria dos companheiros, que por problemas familiares, tomou o caminho das drogas.

Consciente da baixa temperatura, ela sente que com o cair da noite, o corpo vai gelar. “Só a gente sabe o frio que anda passando”, ressalta.

Na mesma região, é encontrado um outro jovem, vindo de Minas Gerais, que compartilha do mesmo problema com a pasta-base.

Sem documentação, ele entra na Kombi e responde que o RG está “penhorado” na boca-de-fumo. A dívida é pequena perto de quem troca o único bem que possui por droga, R$ 10.

“Sinto, como eu sinto. Cubro ali, amanhece e eu vou para o sinal, só tenho essa blusa aqui” fala sobre o frio que sente pela madrugada.

Debaixo de ponte, usuária aceita ir ao Cetremi, mas pede para levar os amigos, pessoas consideradas família. (Foto: Pedro Peralta)
Debaixo de ponte, usuária aceita ir ao Cetremi, mas pede para levar os amigos, pessoas consideradas família. (Foto: Pedro Peralta)

No Cetremi, o coordenador Danilo Vilhalba explica que a baixa temperatura aumenta em 40% a busca pelo abrigo. A maioria, são homens, apenas um pequeno percentual de mulheres, detalha. “Eles tem necessidades carentes, trabalho, falta do seio familiar. Aqui eles tem alimento, higiene, segurança e fôlego para retomar”, conta.

Pelas ruas da região central, uma figura já conhecida na cidade, o “Corumbá”. Com 54 anos, ele fala que nem lembra mais desde quando está nas ruas. Perguntado sobre o nome, ele responde “para alguns sou anjo, outros bruxo”.

O vento já começando a bater mais forte, ele não aceita ir para o Centro, e se aconchega no degrau de entrada de uma loja.

“Tem a evolução no corpo, que já não sente mais frio, não sente nada”, acredita.

A secretária de Ações Sociais e Cidadania, Maria Antonieta Trad esteve junto com o trabalho de abordagem. Ela explica como um pequeno gesto pode ajudar. “A pessoa não quer olhar, fecha o vidro. Mas ela pode simplesmente telefonar para recolher quem está desabrigado. Está salvando uma vida que pode sofrer hipotermia com o tempo”, resume.

O Cetremi realiza o trabalho 24 horas e pede para que a população ajude, ligando para o 3341-2505.

No começo da semana, um morador da Vila Nhanhá foi encontrado morto, depois de passar a madrugada caído em uma calçada. A causa pode ter sido hipotermia, quando a temperatura corporal cai.

Guilherme Augusto Rosa Xilaves, 41 anos, estava desacordado na rua dos Carneiros. De acordo com a irmã da vítima, Ivania Camargo dos Santos, 55 anos, Guilherme sofria de problemas psiquiátricos e epilepsia. Ela acredita que o irmão pode ter tido uma crise epilética e morrido de frio.

Segundo o monitor do Cetremi e responsável pela abordagem, José Airton Ribeiro, 53 anos, mais conhecido como Tatu, o Centro não consegue estar em todos os lugares e no caso do morador, a vítima foi encontrada perto de casa, ou seja, não se tratava de um desabrigado.

“Tem que fazer tudo na boa vontade. Ele pode não ir comigo hoje, mas vai amanhã. É um trabalho de convencimento muito grande. Eu acredito na recuperação”, finaliza.

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