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Capital

Mulher foge da violência doméstica e sonho de vida nova cai com racismo

Renan Nucci | 17/07/2014 16:36
Vigilante com experiência, Vandelicia diz que foi humilhada em sua passagem pelo sul do país. (Foto: Marcos Ermínio)
Vigilante com experiência, Vandelicia diz que foi humilhada em sua passagem pelo sul do país. (Foto: Marcos Ermínio)
Separada, mulher busca um futuro melhor para suas duas filhas. (Foto: Marcos Ermínio)
Separada, mulher busca um futuro melhor para suas duas filhas. (Foto: Marcos Ermínio)

Em meio a uma separação conturbada e vítima de violência doméstica, a vigilante Vandelicia Alves Ferreira, 37 anos, largou tudo em Campo Grande e foi embora para Chapecó (SC) junto com as filhas de seis e 13 anos, para tentar realizar o sonho de começar uma vida nova. Ela só não esperava ser alvo de racismo junto com a família. O sofrimento foi tanto que a mulher se viu obrigada a refazer as malas e voltar para a casa.

Vandelicia relata que estava em processo de separação e que o ex-marido não aceitava o fim do relacionamento. Inconformado, ele a ameaçava constantemente. Temendo pela sua vida e também pela segurança das filhas, a vigilante embarcou para Santa Catarina no dia 5 de fevereiro de 2014, acreditando que estava dando mais um passo rumo a um futuro melhor.

Um amigo dela vivia em Chapecó e fez o convite afirmando que a cidade era um pólo promissor, repleto de oportunidades de trabalho. A mulher viajou com uma entrevista de emprego em uma rede de supermercados já agendada, porém, chegando ao local teve a primeira decepção.

Mesmo tendo currículo e vasta experiência na área de vigilância, foi rejeitada, segundo ela, por causa da cor da pele. “Estava tudo bem encaminhado, mas quando cheguei lá, pude notar o olhar de espanto deles ao verem minha cara. Simplesmente me recusaram sem explicações. Eu não aceitei e fui atrás de respostas, quando disseram que algumas pessoas da cidade poderiam não gostar de ver um negro trabalhando de vigilante logo na entrada de um supermercado”, relatou ela, dizendo que tentou acionar a polícia, mas sem sucesso. “Sempre era ignorada, mesmo que indiretamente”.

Diante da negativa, ela conseguiu trabalho como doméstica na casa de uma família, onde era constantemente desrespeitada, e em alguns casos, rebaixada. Infeliz, tentou outras opções e conseguiu trabalho como vigilante em uma loja. “Sofri. Este emprego só deu certo porque eu trabalhava dentro de uma sala, fazendo o monitoramento. Ninguém ia precisar me ver. Parecia que estava começando a dar certo”, disse.

Mais decepções - Enquanto Vandelicia começava a se acertar no trabalho, por outro lado, as filhas dela enfrentavam sérios problemas de racismo em uma escola pública onde estavam matriculadas. As duas meninas eram alvos constantes de piadas de mau gosto, motivos de chacota e em casos extremos eram até agredidas. Por este motivo não conseguiam apresentar bom rendimento escolar.

“A mais velha ainda conseguia se segurar e entendia que o que faziam com elas era errado. Já a menor não. Ela sempre apanhava dos coleguinhas e chorava com frequência. A gente contava para o corpo de diretores, mas as respostas eram sempre as mesmas. Diziam que a presença das minhas meninas na escola era novidade para os demais alunos, mas que o caso estava sendo avaliado. Na prática, nada era resolvido”.

A vigilante viu que sua família teria muita dificuldade para se adaptar a Chapecó e, revoltada com a situação e o descaso por parte das autoridades, decidiu voltar para Campo Grande. No momento, trabalha como doméstica. Apesar de tudo, ainda tem problemas para resolver em Santa Catarina. “A escola não libera a transferência das minhas filhas. A mais velha está correndo risco de perder o ano letivo. A única coisa que me deram foi um boletim do primeiro semestre, e só”, reclamou.

Amparo - Quando retornou ao Mato Grosso do Sul, Vandelicia buscou amparo no CMNEGRAS-MS (Coletivo Estadual de Mulheres Negras), entidade que a encaminhou para atendimento psicológico, jurídico e social. A presidente do Coletivo, Ana José Alves, afirma que, embora haja inúmeras campanhas, o racismo ainda está longe de ser extinto.

"Está debaixo dos nosso olhos e muitas vezes não conseguimos vê-lo. Infelizmente, casos como o de Vandelicia ainda acontecem", avaliou.

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