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Capital

Na linha de frente, bombeiros são testemunhas do flagelo das drogas

Aline dos Santos | 04/04/2012 19:30

Atrás das ligações para o 193, pedidos de socorro, oportunidades de desabafo e a esperança de solução para um sofrimento sem fim

No dia a dia, o capitão Marçola e a soldado Viviane testemunham vidas despedaçadas pelas drogas. (Foto: Marlon Ganassin).
No dia a dia, o capitão Marçola e a soldado Viviane testemunham vidas despedaçadas pelas drogas. (Foto: Marlon Ganassin).

Móveis destruídos, portas quebradas e famílias despedaçadas entre o amor e a raiva. Este é o cenário mais comum encontrado pelos bombeiros quando atendem a chamado para conter um dependente químico. Na linha de frente, são testemunhas do flagelo das drogas.

A estatística da corporação – que aponta 1.083 atendimentos psiquiátricos no último ano em Campo Grande - não faz distinção dos casos em que os pacientes sofrem de problemas mentais ou são vítimas da dependência. No entanto, o dia a dia mostra que ao menos metade das ocorrências foi motivada pelas drogas.

“Pelo que presenciei, está meio a meio”, afirma o capitão Leandro Moura Marçola. Neste ano, já são 308 chamados.

Atrás das ligações para o 193, estão pedidos de socorro, oportunidades de desabafo e a esperança de solução para um sofrimento sem fim. “Quando chega a casa, a família está num canto, o usuário no outro canto. Eles já não conversam mais”, relata o capitão.

Em 90% das vezes, a pessoa é levada para atendimento médico na base do diálogo. Nas demais, é preciso fazer a chamada contenção e levar o usuário de forma coercitiva. Das conversas, brotam os dramas do que um dia foi um lar.

“O emocional dos familiares fica muito abalado, a pessoa, às vezes, só quer conversar”, relata a soldado Viviane Caetano da Silva. Outros atendimentos são tão constantes que o usuário já é até conhecido pelo nome.

“Dois episódios me marcaram. A primeira vez, o chamado foi para atender uma adolescente de 13 anos. Era um caso de emergência clínica. Ela estava com febre e forte dores pelo corpo. Na casa, a mãe contou que a adolescente era usuária de drogas e passava vários dias na rua. Um tempo depois, a adolescente já estava com um filho e o chamado foi porque estava agressiva, exigindo dinheiro”, conta Viviane.

Dentro da viatura, a soldado questionou o motivo que levou a garota a usar droga. “Ela disse que começou quando os pais se separaram, que se sentiu muito sozinha. Tão sozinha que se envolveu com as drogas. Ela disse que gostaria de sair, mas está muito difícil porque o seu companheiro também é usuário”, recorda a bombeiro.

Localizado na avenida Costa e Silva, o quartel também é procurado por dependentes que viraram moradores de rua. “Lembro que era um dia muito frio e uma usuária, que também portadora de HIV, veio pedir ajuda”, relata.

Os pedidos de socorro tanto vêm das ruas e casas simples, quanto de moradias de alto padrão. “Era uma casa perto da Orla Morena, um jovem na faixa dos 18 anos. Ele tinha destruído a casa toda, estourado as portas. Conversamos com ele, que desabafou e foi com a gente, acompanhado pela mãe”, conta o capitão.

O usuário é levado pelo Corpo de Bombeiros para atendimento médico. Em geral, no Caps 3 (Centro de Atendimento Psicossocial), no bairro Aero Rancho, onde podem permanecer por até 72 horas.

“Alguns vem a nós, outros são encaminhados e a outra parcela se esconde”, afirma capelão Reis.(Foto Marlon Ganassin)
“Alguns vem a nós, outros são encaminhados e a outra parcela se esconde”, afirma capelão Reis.(Foto Marlon Ganassin)

Dever de casa – Na linha de frente dos atendimentos, o Corpo de Bombeiros também faz a lição de casa, oferecendo oportunidade de tratamento para os militares.

Comandado pelo capelão Edilson dos Reis, o Centro de Apoio Biopsicossocial conta com uma psicóloga e uma assistente social. “Alguns [militares] vem a nós, outros são encaminhados e a outra parcela se esconde. Não aceita que o tratamento é preciso”, explica o capelão.

As ações para se livrar da dependência incluem desintoxicação, tratamento em comunidade terapêutica e orientação para frequentar os Alcoólicos Anônimos e Narcóticos Anônimos. Conforme Reis, o percentual de recuperação chega a 90%.

“O militar é institucionalizado. A profissão permite galgar postos. E aqui não tem o julgamento moral”, salienta Reis. No retorno, o militar primeiro vai para funções administrativas e depois retorna as atividades operacionais.

Em janeiro deste ano, o Corpo de Bombeiros expulsou um soldado flagrado, em 2009, fumando crack dentro de um quartel, em Paranaíba. “Foram três anos. Oferecemos todo tipo de tratamento para ele e para a família”, comenta o capelão sobre o caso.

Vivendo uma realidade de tragédias, mortes e situações extremas, os militares, pela natureza do trabalho, buscam válvulas de escape para o estresse. “Vão para a igreja, família ou o boteco”, afirma Reis.

Há 24 anos na corporação, ele conta que os bombeiros recebem treinamento, mas tendem a querer ser super-herói. “Ver morte, sofrimento, sangue, desespero, a dor do outro. Isso não é normal”.

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