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Capital

No frio, o dobro de moradores de rua procura cama quentinha em abrigo

Cetremi oferece comida, banho e dormitórios para quem não tem teto

Anahi Zurutuza | 18/07/2016 20:47
Moradores de rua e migrantes são recebidos no Cetremi a qualquer hora (Foto: Marina Pachedo)
Moradores de rua e migrantes são recebidos no Cetremi a qualquer hora (Foto: Marina Pachedo)
No local, há dormitórios e são oferecidas cinco refeições por dia, kit para higiene pessoal (Foto: Marina Pacheco)
No local, há dormitórios e são oferecidas cinco refeições por dia, kit para higiene pessoal (Foto: Marina Pacheco)

Arroz, feijão, frango ensopado e polenta. Pela comida quentinha esperavam ao menos 80 pessoas na sala de TV e na fila do refeitório do Centro de Triagem e Ecaminhamento do Migrante, quando a reportagem chegou ao local. O Cetremi é o único lugar em Campo Grande, mantido pelo Poder Público, que quem não tem um teto pode procurar para dormir, tomar banho e fazer refeições de graça.

Os moradores de rua, migrantes e estrangeiros – ilegais no Brasil ou não – são as pessoas acolhidas no abrigo, que funciona 24 horas e oferece cinco refeições por dia, além de um kit para higiene pessoal e camas, com lençóis e cobertores.

O movimento dobra em dias frios. Entre a noite de domingo (17) e a madrugada desta segunda-feira (18), a equipe de abordagem social da SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social) levou 88 pessoas das ruas da Capital para o Cetremi. “Já teve dia que a gente teve 140 pessoas aqui”, afirma a coordenadora do centro, Cleide Rodrigues Costa.

O lugar tem muito entra e sai, muita gente, muitos cheiros, muitas vozes. E o que não faltam no abrigo são histórias. De quem já passou muito frio na rua e de quem conseguiu escapar.

“Eu tava rodando o mundo e vim parar aqui”, conta Ester*, a moradora de rua, de 39 anos, que dorme no Cetremi há três meses. Ela já trabalhou como diarista e veio de Campinas (SP) para a Capital, mas a ex-usuária de pasta-base de cocaína vivia na rua e não sabe nem dizer há quanto tempo. “Foi uma senhora que me ajudou”, relata.

Só agora Ester conseguiu fazer a segunda via dos documentos que precisa para encontrar um emprego. Ela passa os dias no Centro Pop, espaço que também acolhe moradores de rua na Capital, e volta para o Cetremi à noite. “Vou ficar até arrumar um trabalho e ter como de pagar um aluguel”.

Ester relata ainda que apesar do frio dos últimos dias, muitos colegas da rua preferem perambular a dormir na cama quentinha do Cetremi. “Aqui tem regras. Tem hora para comer, para tomar o chá, para dormir. Tem gente que não gosta”.

Elizangelo procura emprego na Capital (Foto: Marina Pacheco)
Elizangelo procura emprego na Capital (Foto: Marina Pacheco)

Desespero – Foi o desespero fez Elizangelo dos Santos Silva, 38, sair do Rio Grande do Norte atrás de trabalho, passar por cidades do interior de Mato Grosso do Sul, de São Paulo, por Florianópolis (SC) e em Goiânia (GO), vender até o celular para comprar a passagem de ônibus que o trouxe de volta ao Estado, mas agora na intenção de fixar raízes na Capital.

Foi este mesmo desespero que fez Elizangelo se atirar na frente da equipe do Campo Grande News para dar uma entrevista. “Se virem que quero trabalhar, podem me arrumar um emprego”.

Por pouco Elizangelo não teve de dormir na rua. Ele chegou à Capital na madrugada de segunda-feira, quando a temperatura chegou aos 5,3ºC, com sensação térmica de 4ºC, segundo o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia). Mas, na rodoviária ele encontrou uma assistente social que indicou o endereço do Cetremi para ele. “Se não fosse isso, eu ia estar dormir debaixo de um banco”.

Ele tem experiência como operador de empilhadeira e eletricista. Em Florianópolis, tinha um bom emprego, mas abandonou a função depois que se apaixonou por uma mulher e veio morar em Aparecida do Taboado – a 481 km de Campo Grande. Sem dinheiro e sem trabalho, Elizangelo foi até Goiânia, mas nada conseguiu. Agora, quer encontrar um posto na Capital. “Eu tenho coragem, mas às vezes o que me falta é a sorte”.

Francisco é cozinheiro e acredita que fazer uma boa comida é uma forma de dar carinho a quem precisa (Foto: Marina Pacheco)
Francisco é cozinheiro e acredita que fazer uma boa comida é uma forma de dar carinho a quem precisa (Foto: Marina Pacheco)
Coordenadora do abriga acaba sendo ‘a mãe de todos’ (Foto: Marina Pacheco)
Coordenadora do abriga acaba sendo ‘a mãe de todos’ (Foto: Marina Pacheco)

O conselheiro – Quem coloca a mão na massa para alimentar as pessoas que procuram o Cetremi também tem história para contar e muita paciência para ouvir. Francisco Antônio da Silva de Souza, 43, cozinha diariamente quatro das cinco refeições servidas no local. Mas, além de cozinheiro, ele “faz hora extra” como conselheiro.

Ele afirma que o que falta para as pessoas que são atendidas no abrigo é mais que banho, comida e cama. “Falta carinho”.

‘Mãe de 100’ – Cleide Costa, a coordenadora do Cetremi, é considerada pelos homens e mulheres acolhidos como a “mãe de todos”. Ela passa pelos corredores cumprimentando os mais antigos pelo nome.

Há quatro anos no abrigo, já ouviu muita história e também já apartou muita briga do pessoal, principalmente dos que chegam sob efeito de bebidas e drogas. “Pela regra, não pode entra embriagado ou drogado aqui, mas o que a gente pode fazer? A gente tem de acolher”.

No Cetremi, além da acolhida, são dados outros tipos de assistência como encaminhamento para tratamentos de saúde e para o mercado de trabalho, além da localização de familiares e o custeio das passagens para quem quer voltar para o lugar de origem.

No período do inverno, por dia, pelo menos 100 pessoas passam as noites no local, segundo a SAS. O abrigo fica na rua Jornalista Marcos Fernando Rodrigues, próximo ao Parque dos Poderes, e atende pelo 3314-3026.

O Centro POP (Centro de Referência Especializado em Assistência Social Para População em Situação de Rua) funciona de forma parecida, mas os usuários não podem pernoitar no local.

Além disso, a equipe do Seas (Serviço Especializado em Abordagem Social), sempre que encontra pessoas dormindo nas ruas, oferece roupas e cobertores para os que recusam o acolhimento. “Neste período de frio, o trabalho é intensificado”, informou a nota da secretaria.

*O nome usado é fictício porque a entrevistada pediu para ter a identidade preservada.

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