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Capital

Rapaz morto por policial vai ser sepultado no dia em que faria 30 anos

Familiares conversaram com o Campo Grande News ainda perplexos com a situação e temendo que o culpado não fique preso por ser policial

Paula Maciulevicius | 28/10/2012 15:23
Corpo foi liberado da Santa Casa depois da doação de córneas e válvula do coração. (Foto: Paula Maciulevicius)
Corpo foi liberado da Santa Casa depois da doação de córneas e válvula do coração. (Foto: Paula Maciulevicius)

“Amanhã seria o aniversário dele. Dia 29 do 10 de 82. Ele ia fazer 30 anos”. “Ainda não imagino como vou contar para as crianças. Vou falar que ele estava dormindo, doeu o coração e ele foi encontrar o vovô e que a gente só vai ver ele por foto agora e que ele lá do céu vai cuidar a gente”.

As frases saem misturadas às lágrimas da mãe e da esposa do técnico em enfermagem morto por um policial militar da Cigcoe (Companhia Independente de Policiamento de Crises e Operações Especiais), nesta madrugada. Dona Jaci Vieira do Nascimento, 49 anos e Tatiana Virgínia Silva de Oliveira, 29 anos, parecem não acreditar no que aconteceu. Que ao separar uma briga, Ike César Gonçalves, 29 anos, levou um tiro na testa, sem a menor chance para se defender ou mesmo para sobreviver.

Na Santa Casa, a família aguardava a liberação do corpo depois da doação da válvula do coração e das córneas, para seguir com os procedimentos de Imol (Instituto Médico e Odontológico Legal), delegacia e por fim, o velório e enterro.

Eles conversaram com o Campo Grande News ainda perplexos com a situação e temendo que o culpado não fique preso por ser policial. “Ele vai ficar solto, eles devem estar acobertando por ser policial”, comentavam.

Uma amiga que estava junto na saída da casa noturna ‘Santa Fé’, na rua Brilhante, onde a briga aconteceu, relatou em lágrimas a dor de perder um amigo que só queria a paz. “Ele sempre corre para separar, daí ele disse: para de brigar, vamos embora, a festa já acabou. Vamos cada um para o seu canto. Larga mão, tudo é parceria aqui. E o cara respondeu: você está me desafiando? E atirou na testa dele”.

Os disparos, segundo a testemunha, já estavam sendo dados pelo passageiro de um carro, que ela depois veio a saber que era o policial militar.

A briga se iniciou ainda dentro da casa. Os seguranças retiraram cinco dos envolvidos que foram embora, depois os rapazes retornaram em dois veículos. Um deles era o prata e outro preto, onde estava o policial Bonifácio dos Santos Júnior, 36 anos, como passageiro.

“O cara que saiu atirando, ele deu dois tiros pra cima e eu abaixei, joguei minhas coisas no chão. Ele não brigou com ninguém, só pediu para deixar quieto. E eu dizia, gente, vamos embora, vamos pegar o carro e ele só fazia assim, apontava a arma pra cima e disparava. O Ike falou eu vou pegar os guris, são minha família tudo o que eu tenho”, recorda.

Depois do disparo, os amigos colocaram a vítima dentro do carro e levaram para o posto. “Eu só vi o sangue. Eles já enfiaram ele no carro e ele foi pro posto, eles colocavam a mão o tempo todo na testa dele para segurar o sangue”, relatou a amiga.

Ike César Gonçalves era técnico em enfermagem há 10 anos e era dono de um Box no camelódromo. Trabalhava no setor de Hemodinâmica da Santa Casa. Pelo hospital, funcionários vinham a todo o momento abraçar a família e pedir para ver o corpo e dar um último adeus.

Ike Gonçalves, 29 anos, foi baleado na testa em frente à casa noturna 'Santa Fé', na rua Brilhante, em Campo Grande. (Foto: Arquivo)
Ike Gonçalves, 29 anos, foi baleado na testa em frente à casa noturna 'Santa Fé', na rua Brilhante, em Campo Grande. (Foto: Arquivo)

“Eu tinha esperança de eles conseguirem reverter, como ele trabalha aqui e era muito querido. Foi um choque para todo mundo, eles fizeram tudo o que podiam mesmo. A bala foi altamente destrutiva, quebrou o crânio em quatro partes”, disse a tia, Célia Nascimento, 39 anos.

Trabalhador, Ike deixou três filhos, de 12, 4 e 3 anos e a esposa. “Parece irreal”, completou a tia.

A mãe, uma senhora jovem, via as palavras saírem pela boca acompanhada do choro. A voz, por vezes, trêmula e se perdia. Ela já se referia ao filho usando o passado. “Meu filho era maravilhoso, sempre recebeu elogios, tem hora que eu até ficava sem graça. Ele era realmente muito querido”, desabafou Jaci.

Ontem, Ike deixou o filho de 3 anos na casa da avó, se arrumou pra sair e de lá deu o último beijo na mãe. “Eu pedi várias vezes pra ele não sair. Ele fica tanto na correria, que eu queria que ele descansasse. Ele chegou 10h, 00h40 ele estava fazendo a barba e saiu 01h05. Eu levei ele até a porta. Ele me deu um beijo e foi embora”. A mãe narra a última vez que viu o filho vivo.

Pela madrugada o acontecido chegou de forma gradativa. “Falaram pra mim vir pra Santa Casa, mas depois disseram que ele estava conseguindo respirar. Ele tinha isso de dizer para ficar tudo bem e por um no canto e o outro no outro. Tentando apaziguar”.

O corpo de Ike César será velado Capela das Moreninhas II, na rua Ariri, em frente à Igreja Universal. Ainda não há um horário definido até que o corpo seja liberado pelo Imol. O enterro está previsto para acontecer amanhã, no cemitério Nacional Park.

Caso - Bonifácio dos Santos Júnior, 36 anos, lotado na Cigcoe (Companhia Independente de Policiamento de Crises e Operações Especiais) estava com o amigo Osni Ribeiro de Lima, também 36 anos, na casa de show quando ao sair se deparou com uma confusão no local.

Segundo a PM, por volta das 4h da manhã, alcoolizado o policial começou a atirar nas pessoas, quando Ike, que não estava envolvido na confusão, foi perguntar por que ele estava atirando. Nesse momento Bonifácio atirou e atingiu a vítima na testa.

Após o crime, o amigo do policial deu fuga para ele em um veículo Peugeot. Os dois foram presos e levados para a Depac (Delegacia de Pronto Atendimento Comunitário) do bairro Piratininga.

Ike chegou a ser socorrido, levado ao posto de saúde e devido aos ferimentos, foi encaminhado para a Santa Casa. Ele não resistiu aos ferimentos e morreu 2h depois de ser baleado.

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