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Capital

Usuário de drogas deve ser preso, pagar multa ou ficar sem punição?

Descriminalização das drogas divide opiniões e causa polêmica em MS

Aline dos Santos | 19/08/2015 14:49
Mas como vou combater o tráfico se não reprimir o uso?, diz delegado Rodrigo, da Denar (Foto: Arquivo)
Mas como vou combater o tráfico se não reprimir o uso?, diz delegado Rodrigo, da Denar (Foto: Arquivo)

A descriminalização do porte de drogas para uso próprio entra em discussão hoje no STF (Supremo Tribunal Federal) e deixa um rastro de polêmica, que envolve do liberar geral em nome do direito individual à multa pesada para o usuário esporádico.

Do lado de quem atua na segurança pública, seria mais um golpe nos instrumentos de repressão, pois desde 2006 o usuário foi “despenalizado”. Quem defende a descriminalização afirma que a repressão é seletiva e mira o pobre da periferia. Como pano de fundo, Mato Grosso do Sul vem batendo ano a ano o seu próprio recorde de apreensões.

Autor de um projeto de palestras para prevenção das drogas, o juiz federal Odilon Oliveira defende punição diferenciada para quem é dependente e para aquele que usa o entorpecente de forma eventual.

“A lei atual comete uma injustiça. Mistura usuário eventual com usuário dependente. O primeiro não é viciado e alimenta conscientemente o tráfico de drogas. Deve ser punido, não com prisão, mas com multa pesada e confisco patrimonial”, afirma o magistrado.

Para ele, o dependente deve se submeter as medidas previstas atualmente: advertência sobre os efeitos; prestação de serviços à comunidade e participação em programa educativo. O viciado é um doente e precisa de tratamento médico obrigatório, custeado pelo poder público.

“Sou contra a descriminalização do porte de drogas. Isto faz aumentar o consumo em quatro vezes. Obviamente, como o mercado é regido pela lei da oferta e da procura, haveria, na mesma proporção, o aumento da produção. Aumentariam também os delitos de tráfico, pois a comercialização seria bem maior. Aumentariam também os efeitos econômicos e sobre a saúde”, diz.

De acordo com Odilon, 43% dos 14 mil presos em Mato Grosso do Sul foram parar atrás das grades por tráfico de drogas.

Pela legislação vigente, a pessoa flagrada com drogas pode até alegar ser somente usuária, mas é levada para a delegacia, onde o delegado tipifica a conduta. Não há um critério de quantidade para separar usuário de traficante.

Se o entendimento for de que o detido portava entorpecente apenas para consumo próprio, ele é liberado, mas é feito Boletim de Ocorrência, termo circunstanciando de ocorrência e encaminhado ao Poder Judiciário. As punições podem ser prestação de serviço à comunidade, participação em curso, comparecimento perante o juiz.

“Mas como vou combater o tráfico se não reprimir o uso?”, questiona o titular da Denar (Delegacia Especializada de Repressão ao Narcotráfico), Rodrigo Yassaka. Neste ano, a delegacia contabiliza 118 presos e apreensão de 2,7 quilos de maconha e 11 quilos de cocaína em Campo Grande.

“Ele [dependente] está fazendo mal a ele mesmo? Sim. E secundariamente à família,as pessoas que o rodeiam, ao sistema público de saúde que já está em colapso. A comparação que eu faço é a seguinte: você vai a um restaurante, você acha justo pagar a conta da mesa ao lado?”, pondera o delegado.

O caminho da boca de fumo para a delegacia é traçado por um “público” diverso, que inclui médicos, dentistas, professores, fazendeiros. “Falam que a polícia só corre atrás de vagabundo, peba. Mas todo tipo de profissional já passou por aqui”, afirma Yassaka.

O delegado salienta que o vício e o crime caminham de forma escalonada. “A família chega aqui toda desestruturada. Porque depois que o filho se tornou viciado passou da maconha para a cocaína, pasta base, crack. Já vendeu tudo o que tem em casa, passa a furtar na rua, já não consegue mais, vai para o roubo, que é a mão armada, mediante violência ou grave ameaça”, diz o delegado.

Guerra aos pobres – Para quem apoia a descriminalização, a repressão ao uso de drogas mira a periferia e se mostrou ineficaz em reduzir o uso. “A criminalização é muito problemática. Não criminaliza pessoas de classe média alta por exemplo. Acaba não sendo guera às drogas, mas guerra aos pobres. A polícia não costuma reprimir em bairros nobres”, afirma a cantora Marina Peralta, 22 anos.

Marina afirma que a repressão seletiva ficou expressa na Marcha da Maconha realizada em 2014. “A marcha do ano passado marcou muito, foi composta pela periferia. Tinham poucos universitários e muita gente da quebrada”, diz.

O universitário Henrique Lucas Rodrigues, 24 anos, afirma que a proibição não impede o tráfico nem o uso. “Até a ONU [Organização das Nações Unidas] chegou a essa conclusão. O proibicionismo não gerou bom resultado. O tráfico continua existindo, a criminalização apenas enche a cadeia. Se levar em consideração o lado humano, o traficante é apenas um trabalhador. Compra e revende um produto que faz mal para alguns, assim como a drogaria”, diz. Para Henrique, a pessoa tem liberdade individual de fazer mal a si mesma.

A descriminalização será julgada por meio do recurso de preso, condenado a dois meses de prestação de serviços à comunidade por porte de maconha. A droga foi encontrada na cela do detento. O recurso é relatado pelo ministro Gilmar Mendes.

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