ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  25    CAMPO GRANDE 23º

Cidades

Contra mudança da lei, pesquisador diz que não há impunidade a adolescentes

Viviane Oliveira e Edivaldo Bitencourt | 15/09/2013 08:58
Professor Paulo César em entrevista na Assembleia Legislativa, quando participou da audiência com o tema: Rede Socioeducativa: um debate para além da maioridade penal”. (Foto: Marcos Ermínio)
Professor Paulo César em entrevista na Assembleia Legislativa, quando participou da audiência com o tema: Rede Socioeducativa: um debate para além da maioridade penal”. (Foto: Marcos Ermínio)

Integrante do projeto Formação Continuada de Socioeducadores, o professor Doutor, Paulo César Duarte Paes, critica a tentativa de alterar a maioridade penal e afirma que a mudança na legislação brasileira não irá combater os crimes praticados na juventude, pois o que o País precisa é de educação de qualidade para todos.

Com a divulgação de crimes violentos, cometidos recentemente por adolescentes, o Brasil retomou a discussão sobre a redução da maioridade penal para 16 anos. Na semana passada o assunto foi tema de uma audiência pública na Assembleia Legislativa, em Campo Grande.

Paulo é Mestre em Educação pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), Doutor em Educação pela UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), professor de Estética e Teoria da Arte no curso de Artes Visuais na UFMS.

O professor trabalhou com adolescentes na Penitenciária de Segurança Máxima de Campo Grande em 1987, trabalhou como professor de artes nas antigas Casas de Guarda durante 6 anos. Pai de quatro filhos, atualmente desenvolve pesquisas sobre a educação de adolescentes autores de atos infracionais e já publicou 5 livros sobre o tema.

Em entrevista ao Campo Grande News, Paulo fala sobre a educação de menores em conflito com a lei, de como combater os crimes na adolescência e afirma que não existe impunidade, pois se um menor cometer algum crime vai receber uma medida socioeducativa.

Campo Grande News: Porque está ocorrendo muitos crimes envolvendo menores de 18 anos?

Paulo César - A quantidade de crimes praticados por adolescentes é muito menor do que por adultos. Mato Grosso do Sul tem hoje apenas 240 adolescentes internos (equivalente a prisão do adulto) e 11.000 presos adultos. Os adolescentes são muito mais vitimas do que vitimizadores dos crimes. A causa da criminalidade é obvia: o não cumprimento do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) que garante tudo que uma criança precisa para viver com dignidade. Ficar a salvo de negligência, abandono e discriminação, significa ter relações afetivas saudáveis, cuidados e educação. A ausência disso é que reproduz a violência.

Campo Grande News: Um adolescente em conflito com a lei pode ser recuperado, de que forma?

Paulo César - Recuperamos pneus, lixo reciclado, não adolescentes. Eles são humanos e devem ser educados. Em um dos meus últimos artigos abordo o imaginário do adolescente que se ocupa de uma cultura de destrutividade que em geral vem desde sua infância. Precisamos ocupar esse imaginário com atividades produtivas e inseridas na sociedade como: educação escolar (tempo integral) teatro, música, arte, esporte, lazer, profissionalização. Quando o sistema que atende o adolescente consegue proporcionar a ele umas dez horas diárias de atividades orientadas por educadores eles se envolvem nas atividades e com o tempo vão paulatinamente se afastando de uma atitude destrutiva e delinquente. Precisamos investir numa educação de muita qualidade para esses adolescentes para que eles não voltem para a sociedade e tornem-se criminosos.

Campo Grande News: Como combater os crimes na infância e juventude?

Paulo César - Precisamos de uma rede de atendimento pública que garanta condições objetivas e afetivas saudáveis para todas as crianças do Brasil como forma preventiva e uma educação específica (socioeducação) muito mais intensa, feita por profissionais bem preparados e que restitua ao adolescente o rigor e o respeito a vida e as regaras sociais. A disciplina é fundamental tanto na prevenção como na socioeducação. Para obter disciplina desses adolescentes precisamos ser exigentes, mas ao mesmo tempo um certo grau de liderança afetiva. Ganhar seu respeito, seu entusiasmo pelas atividades orientadas. Fiz isso durante mais de 15 anos que atuei como educador de rua e educador de unidade de internação de adolescente.

Campo Grande News: A televisão influencia o jovem na prática de crimes bárbaros?

Paulo César - Não diretamente, mas influencia toda a sociedade a não pensar sobre sua realidade de forma política e essa ausência de um entendimento político e coletivo da realidade, faz com que os canais de expressão dos jovens não sejam politizados aumentando sua ação em forma egoístas e isoladas, como é o crime, a corrupção e a exploração. A TV também é responsável pelo empobrecimento estético que acusa no jovem um torpor, uma falta de desejo de agir socialmente. A mídia em geral é responsável também por essa situação ao mitificar o adolescente como criminoso, bandido, delinquente, muito mais na página policial do que na saúde, educação, etc.

Campo Grande News: Qual perfil do menor infrator? A família é desestruturada?

Paulo César - É muito fácil jogar a culpa numa família que no Brasil sempre foi abandonada desde os índios que eram capturados para comércio, aos negros escravos, aos trabalhadores desempregados ou subempregados que além de um ganho miserável nunca receberam orientações sobre como agir nas relações familiares. Hoje existem os CRAS (Centro de Referência da Assistência Social) que atuam diretamente junto as famílias nas comunidades mais necessitadas, esse sim um trabalho preventivo. Mas muitas famílias aparentemente bem organizadas não conseguem dar afeto ou limites para seus filhos contribuindo para a desorganização de seus psiquismos entre o que é certo e o que é errado. Educar dando limites, controle e disciplina é um simples gesto educativo, mas que exige dedicação e amor e muitas vezes as pessoas vivem pelo dinheiro e fama abandonando ou negligenciando a educação dos filhos dentro da própria casa.

Campo Grande News: A redução da maioridade penal pode ser uma saída para combater a impunidade?

Paulo César - Não existe impunidade. Se o adolescente cometeu um crime e for capturado ele vai receber uma medida socioeducativa. Em meio aberto e muito bem orientada se for um crime leve e em meio fechado se for mais grave. A impunidade é o mito criado pela mídia para atender a demanda de setores da sociedade que sofreram mais intensamente a violência social e querem vingança. Não querem justiça, querem vingança. Se em São Paulo são cometidos 50 crimes hoje e 4 deles foram realizados por adolescente são esses que serão divulgados. A mídia defende um interesse comercial, precisa ganhar o público para ganhar o patrocinador então o que vale não é proporção entre crimes cometidos por adolescentes ou adultos, mas atender ao interesse de um determinado público extremamente mal esclarecido e por isso tem sido o principal motivador da rejeição ao Estatuto da Criança e do Adolescente e fazendo uma verdadeira campanha permanente para o rebaixamento da imputabilidade. A redução da imputabilidade vai jogar dezenas de milhares de adolescentes nos braços do crime organizado e isso vai acentuar ainda mais a violência no país.

Campo Grande News: Algumas pessoas defendem o aumento da pena para adolescente, pois consideram os três anos de hoje insuficiente?

Paulo César - Existem várias propostas de leis nesse sentido tramitando hoje. Algumas defendem que somente em alguns casos e com critérios bem definidos para fundamentar a decisão judicial, haja uma continuidade da medida por um tempo maior do que dez anos ou até mesmo que depois dos 18 anos alguns deles possam ser reencaminhados para o sistema prisional adulto.

Campo Grande News: Em alguns países, menores de 18 anos podem ser condenados a prisão perpétua. Isso tem apresentado resultado?

Paulo César - A legislação mundial é extremamente variada, mas a Convenção Internacional do Direitos da Criança e do Adolescente segue na mesma linha do ECA. Pesquisas no mundo todo demonstra que o agravamento da pena quase sempre não impede o crime.

Campo Grande News: Como resolver problema em um país onde faltam vagas para adolescentes nas unidades de internação e para os adultos nos presídios?

Paulo César - O déficit de vagas no sistema prisional é de mais de 200 mil vagas no país. Quase a metade. No Mato Grosso do Sul temos unidades em Corumbá, Três Lagoas, Ponta Porã e Campo Grande, sem problemas de vagas. Em Dourados a situação é mais grave porque o número de internos é muito maior do que a média nacional e isso não depende do sistema socioeducativo mas de decisões judiciais. Dourados tem atualmente mais de 80 adolescentes internos, quase o mesmo número de Campo Grande e 8 vezes mais do que São Carlos – SP que tem um sistema mais humanizado. Quando o adolescente é internado ele passa por uma segregação que em geral o torna ainda mais violento. O que falta é cumprir o ECA e o SINASE (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) e implantar as unidades de Semiliberdade, onde o adolescente possa estudar e trabalhar.

Campo Grande News: O que pode resolver o problema da criminalidade na juventude?

Paulo CésarEducação de qualidade em tempo integral em comunidades onde existam mais famílias com dificuldades em educar seus filhos, mas é muito importante formar escolas de pais para esclarecer as famílias sobre como educar seus filhos e mudar o sentido de respeito, autoridade e disciplina nas escolas e famílias. Uma criança que não respeita sua mãe e pai não respeitará seus professores e mais ninguém, e isso está muito ligado a psicologização da educação e a tendência construtivista na educação que foi gerada nas escolas, mas ganhou as famílias criando um problema sem precedentes de falta de autoridade das gerações mais velhas sobre as novas gerações.

Campo Grande News: A Constituição Federal não proíbe a redução da maioridade penal por ser considerada Cláusula Pétrea no STF (Supremo Tribunal Federal)?

Paulo César - Por isso ficamos mais tranquilos sabendo que esse absurdo de rebaixar para 16, 15 e até 14 anos a imputabilidade penal dificilmente passará pelas comissões constitucionais da Câmara e do Senado. Isso já foi tentado inúmeras vezes nesses 23 anos de ECA, mas nunca passou.

Nos siga no Google Notícias