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Cidades

Detentos reformam escolas durante as férias e Estado economiza R$ 1 milhão

Vania Galceran | 14/01/2015 08:49
Detento que trabalha em Escola Estadual atendida pelo projeto. (Foto: Marcos Ermínio)
Detento que trabalha em Escola Estadual atendida pelo projeto. (Foto: Marcos Ermínio)

Na escola Estadual Mário Blandino localizada no bairro Aero Rancho, os muros, grades, coberturas e pintura não são mais os mesmos, tudo está diferente de alguns meses atrás. Ainda em período de férias, a escola recebe a reforma das mãos de pessoas que vão deixar o ambiente muito mais agradável para os cerca de 1.500 alunos que frequentam as classes, em três períodos.

Essa escola pública foi beneficiada com o Projeto idealizado pelo Poder Judiciário, Pintando Educação com Liberdade, que utiliza mão de obra de presos do regime semiaberto. Esta é a terceira escola a receber o projeto, que já beneficiou alunos do Coophavila e Jardim Leblon.

A obra na escola Padre Mário Blandino está em andamento e estará pronta antes do ano letivo de 2015. A reforma compreende a parte hidráulica e elétrica, colocação de forro, reforma do bebedouro, pintura das paredes internas e externas, portas, janelas, muros e grades, instalação de luminárias, troca de interruptores, serviço de jardinagem, reforma da calçada na frente da escola e troca de vidros quebrados. Até uma horta está sendo construída e as mudas vão vir da colônia penal.

Mas quem faz tudo isso? Um deles é o Paulo Ferreira, 40 anos, cumpre pena desdede 1991, ficou 15 anos em regime fechado e há 4 meses está em regime semiaberto. A família do Paulo é do Rio Grande do Sul, tem 2 filhos que não vê há 15 anos. Ele conta que antes de ser preso fez alguns bicos, mas que depois da prisão já fez curso de pintor e agora só pensa em reconstruir a vida, inspirado no que aprendeu durante a reforma da escola e o tempo que ficou preso.

"Sofri muito dentro do sistema, embruteci. Mas quando pude participar do projeto Pintando Educação com liberdade, senti que minha vida pode mudar ainda mais e ser aceito mesmo com meus erros. Paguei por eles e ressarci a sociedade", conta o detento.

Ele diz que economiza o salártio que ganha pelo trabalho e que só pensa nas coisas boas que podem vir.
Daniel Mathias, 40, preso há 7 anos, ficou 1 ano e 3 meses no presídio de segurança máxima e conta que o mais chocante para ele foi vivenciar o que acontece dentro da prisão.

"Hoje eu dou valor a liberdade. Eu era um ignorante, tratava todo mundo mal. Mas lá dentro, aprendi a respeitar as pessoas e ser respeitado", comenta Daniel. Ele disse ainda que pediu a familiares que abrisse uma conta no banco e é lá que fica guardado todo o salário que recebe pelo trabalho na reforma da escola. O detento contou que assim que sair da prisão, vai comprar um carro e continuar trabalhando como pedreiro.

Pelo projeto, as escolas, já reformadas poderão receber manutenção com nova pintura, jardinagem, troca de lâmpadas entre outras coisas, se mantiverem a conservação adequada do que foi feito na reforma anterior, realizada pelos presos.

Todos os trabalhadores que participam do projeto cumprem pena no Instituto Penal Agroindustrial da Gameleira em Campo Grande. O presídio é referência nacional em ressocialização dos presos pelo trabalho.

Juiz afirma que a reforma feita pelos detentos é uma questão de segurança pública. (Foto: Marcos Ermínio)
Juiz afirma que a reforma feita pelos detentos é uma questão de segurança pública. (Foto: Marcos Ermínio)
Tarley diz que a ressocialização é fundamental para o crescimento da sociedade. (Foto: Marcos Ermínio)
Tarley diz que a ressocialização é fundamental para o crescimento da sociedade. (Foto: Marcos Ermínio)

Economia - Segundo dados da Secretaria Estadual de Educação, uma obra do porte das que vem sendo feitas pelo projeto, custaria aos cofres do Governo do Estado R$ 350 mil. Com a reforma da terceira escola pelo Projeto Pintando Educação com Liberdade, o Estado terá uma economia de cerca de R$ 1 milhão, já que os custos com procedimentos licitatórios, os encargos sociais e o lucro da empresa não incidem no projeto.

O diferencial desta iniciativa, inédita no país, e idealizada pelo juiz Albino Coimbra Neto, da 2ª Vara de Execução Penal de Campo Grande (2ª VEP), é que os próprios presos trabalham na obra e todos os custos com materiais são pagos como parte do salário do preso e de outros que estão empregados em órgãos públicos, parques e indústrias da cidade. Isto só está sendo possível com a edição e regulamentação da Portaria 001/2014 da 2ª VEP da capital, que normatizou o trabalho dos apenados, dentro e fora do presídio, instituindo o desconto de 10% de suas remunerações, que é depositado em uma conta judicial e utilizado para fazer frente a despesas do preso no presídio e, também, fomentar o trabalho prisional, tal como o projeto Pintando Educação com Liberdade. A normatização está prevista na Lei de Execução Penal, no art. 29 §1ª, d.

Para o juiz Albino Coimbra, este trabalho é acima de tudo uma questão de segurança pública. "Uma reforma de escola pública feita por quem infringiu a lei tem um impacto muito grande na sociedade. Com o projeto, conseguimos criar um canal de comunicação direta entre a comunidade e o preso, sendo que a qualidade da reforma demonstra a eficiência do trabalho prisional desenvolvido", comentou.

O diretor do Centro Penal Industrial da Gameleira, Tarley Cândido Barbosa, comenta que o trabalho desenvolvido no local, teve impacto até no índice de evasão dos presos em épocas de indulto. Há 2 anos e meio o número era de 69%, hoje caiu para 6%.

"O mais importante é resgatar a integridade do encarceirado. Eles ressarcem a sociedade com a justa remição do erro deles. Todos aprendem, ganham, e entendem o valor desse trabalho", cometa o diretor da Gameleira.

Dados da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário revelam que, atualmente, cerca de 85% dos presos trabalham em indústrias e hortas instaladas dentro do presídio e, também, em empresas externas que buscam e trazem os detentos todos os dias, proporcionando o aprendizado de uma nova profissão, salário e cesta básica, além da remição da pena, que diminui um dia de prisão a cada três dias trabalhados.

Já foram beneficiadas com o Projeto do Poder Judiciário Pintando Educação com Liberdade as escolas estaduais Delmira Ramos, no Bairro Copavilla II, e Brasilina Ferraz Mantero, no Jardim Leblon.

Interno trabalha pela primeira vez na reforma de escola e diz que aprendeu a valorizar a liberdade. (Foto: Marcos Ermínio)
Interno trabalha pela primeira vez na reforma de escola e diz que aprendeu a valorizar a liberdade. (Foto: Marcos Ermínio)
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