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Interior

Aos 81, Guarani-Kaiowá diz que "moço novo não quer mais plantar"

Paula Vitorino | 08/11/2012 10:35
Aos 81 anos, seo Ambrósio diz com dabedoria sobre as mudanças na vida do indígena. (Fotos: Rodrigo Pazinato)
Aos 81 anos, seo Ambrósio diz com dabedoria sobre as mudanças na vida do indígena. (Fotos: Rodrigo Pazinato)

Com os seus 81 anos de vida e muitas histórias, o indígena Ambrósio Gomes Martins, da etnia Guarani-Kaiowá, ensina o que considera ter sido esquecido por muitos moços. “Quem não trabalho e não planta, não colhe”, diz com a convicção e a sabedoria que a idade permitem.

Ele mora na aldeia Sassoró, no município de Tacuru, que fica ao lado do acampamento da comunidade Pyelito Kue, famosa mundialmente depois da carta em que o grupo de 170 Guarani-Kaiowá afirmam estar dispostos a morrer pela terra. Eles estão acampados há cerca de 1 ano na fazenda Cambará, em uma área isolada, ás margens do rio. E graças a repercussão da luta ganharam na Justiça o direito de ficar no local até a demarcação da área indígena.

Na barraca humilde, ao lado da numerosa família, seo Ambrósio fala com empolgação, mas precisa do auxilio do cacique da aldeia para traduzir o português, já que não escuta muito bem e sua língua tradicional é o guarani.

Ele lembra que a aldeia que abriga seu povo é muito diferente da terra antiga. Não só por estarem fora da tekoha, como os índios chamam a terra que acreditam ter pertencido aos ancestrais, mas principalmente porque os costumes são outros.

“O moço agora quer saber de beber e arrumar briga. Naquela época não tinha a bebida, só tinha a chicha”, lembra, explicando que a bebida era preparada com a mandioca socada no pilão.

Área da aldeia Sassoró.
Área da aldeia Sassoró.

Além disso, o povo vivia do que plantava, ele lembra. Havia milho, mandioca, batata e outros cultivos que serviam de alimento. Hoje, são poucas as plantações na área. O cacique Marcos Gomes, de 35 anos, diz que a terra, arenosa, não é boa para a plantação e sem orientação correta para o plantio o alimento “não nasce”.

Mas com toda a sabedoria a autoridade, seo Ambrósio diz que, diferente daquele tempo, hoje o “índio novo não quer mais trabalhar na sua terra e por isso não tem o que colher”.

Ele fala que os mais novos só querem saber de trabalhar nas usinas, fora da sua terra, e não plantam. “Vai trabalhar fora e não tem tempo para trabalhar na sua terra”, constata.

Tekoha - Mesmo com vários hectares de terra sem produção na Sassoró, o indígena tem esperança de que quando eles voltarem para a tekoha será diferente. “Precisa volta pra nossa terra. Lá é terra boa para plantar, tudo cresce”, garante.

Segundo os indígenas a terra da região onde eles moravam é produtiva, diferente da área arenosa que está a aldeia agora e que o terreno precisa receber tratamento adequado para produzir.

Mas não é só reconquistar a terra, o indígena não tem dúvidas ao dizer que o povo vai precisar trabalhar só na sua terra quando voltar para Pyelito Kue.

“Tem que cuidar da sua terra. Plantar primeiro na sua terra pra depois se sobrar tempo ir para outro lugar trabalhar”, avisa.

Ao lado cacique, Ambrósio diz que moço novo não quer mais plantar.
Ao lado cacique, Ambrósio diz que moço novo não quer mais plantar.

Luta - Mesmo de longe ele acompanha a luta do grupo de indígenas para recuperar a Pyelito Kue, que ele garante saber indicar a sua localização. Ele chegou a ajudar nas primeiras missões de retomada de terra. O velho índio conta que morou até mais ou menos os 15 anos na tekoha.

De acordo com sua memória, o povo guarani foi expulso da Pyelito Kue – atual fazenda Santa Rita - por volta de 1948, quando se abriram na terra chamada de Yssau – atual fazenda Vera Cruz. Já na década de 70, os índios foram levados para a atual área da aldeia Sassoró, segundo as lembranças do indígena.

“Vieram os fazendeiros, invadiram tudo e tiraram a gente”, diz.

De perna cruzando e sorrindo, mostrando a falta de alguns dentes ao longo dos anos, ele tenta explicar o significado dos nomes das terras. Sassoró, segundo ele, vem do nome em guarani para buraco ou erosão: ossoró. Os índios falavam dos “ossorós” e os brancos, que não entendiam a palavra, começaram a chamar o lugar de sassoró.

Já o nome Pyelito Kue teria surgido da forma que os brancos chamavam o povo da região. Seo Ambrósio não sabe a tradução, mas diz que a expressão surgiu do nome “porvinho”, que era dito pelos brancos.

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