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Cidades

Lei Antiterrorismo pode ser usada para criminalizar índios, diz relatora da ONU

Congresso tenta enfraquecer as proteções constitucionais e legislativas aos direitos dos indígenas, na avaliação de Victoria Tauli-Corpuz

Caroline Maldonado | 18/03/2016 10:18
Relatora da ONU, Victoria Tauli-Corpuz esteve em MS, na semana passada (Foto: Caroline Maldonado)
Relatora da ONU, Victoria Tauli-Corpuz esteve em MS, na semana passada (Foto: Caroline Maldonado)

Sancionada na quarta-feira (16), a Lei Antiterrorismo e propostas em trâmite no Congresso Nacional podem enfraquecer proteções constitucionais aos povos indígenas e ainda criminalizar líderes, ampliando o número de prisões arbitrárias de índios envolvidos no conflito pela posse de seus territórios. O cenário é agravado pelas turbulências políticas e econômicas pelas quais passam o Brasil. A avaliação é da relatora especial das Nações Unidas sobre os direitos dos povos indígenas, VictoriaTauli-Corpuz, que visitou Mato Grosso do Sul, entre os dias 10 e 13 de março deste ano. 

Ela esteve também na Bahia e no Pará. O relatório da visita será submetido em setembro ao Conselho de Direitos Humanos da ONU (organização das Nações Unidas). Victoria visitou o povo Guarani-Kaiowá nas terras indígenas Kurussu Ambá, Guayviry, Taquara e na Reserva de Dourados, bem como o Conselho Terena, além de se reunir com membros da Famasul (Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul) e do MPF (Ministério Público Federal), entre outros.

Em sua declaração de fim de missão ontem (17), ela contou o que viu nos Estados em que esteve e revelou informações que devem constar em seu relatório. Victoria falou em etnocídio ao destacar a impunidade em relação a graves violações dos direitos dos povos indígenas, incluindo assassinatos de seus líderes.

Funai – Depois de cumprimentar o Governo Federal por boas iniciativas, entre elas o papel construtivo da Funai (Fundação Nacional do Índio) e do MPF, a relatora criticou as condições de trabalho da Fundação, que já havia sido citada pelo relator especial, que esteve no Brasil há oito anos.

Nesse tempo, o Brasil teve “retrocessos extremamente preocupantes” na proteção dos direitos dos povos indígenas, segundo Victoria. Funai e MPF têm se mostrado proativos, “apesar de terem de atuar em circunstâncias difíceis, em particular aqueles que trabalham em escritórios locais”.

“Na verdade, as medidas atualmente propostas em relação à Funai contrariam completamente as recomendações do relator especial anterior, que, ecoando as demandas de todos os povos indígenas que encontrei durante minha visita, enfatizou a importância fundamental de fortalecer a Funai para que o Estado pudesse cumprir suas obrigações legais em relação à proteção dos direitos dos povos indígenas”, afirmou a relatora.

Segundo Victoria, a Funai é a única instituição do Estado que goza da confiança dos povos indígenas e atua para defendê-los, mas “vem sendo enfraquecida ao ponto que, em breve, talvez esse órgão seja incapaz de cumprir seu mandato”.

PEC 215 – A relatora fez questão de destacar a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 215, que propõe tirar do governo e passar para o Congresso Nacional o poder sobre a demarcação de terras indígenas.

Essa e outras legislações “solapam os direitos dos povos indígenas a terras, territórios e recursos”, na avaliação de Victoria. Isso, porque o país tem forte e atuante presença de ruralistas no Congresso. A bancada agropecuária conta com 207 deputados, conforme dados divulgados recentemente pela Agência Pública. Logo, as demarcações seriam extintas.

Apesar de pontuar o atraso nas demarcações, a relatora elogiou o Governo Federal “pelo estabelecimento de um quadro jurídico e administrativo internacionalmente reconhecido para a demarcação de terras, e a oposição do governo à PEC 215, que colocaria em causa esse quadro”.

Relatora da ONU, Victoria Tauli-Corpuz deu declaração ontem sobre sua visita a MS, Bahia e Pará (Foto: ONU BR)
Relatora da ONU, Victoria Tauli-Corpuz deu declaração ontem sobre sua visita a MS, Bahia e Pará (Foto: ONU BR)

Recomendações – A relatora destacou a falta de pessoal e cortes propostos ao orçamento da Funai e recomendou que a situação seja revista pelo Estado. Ela aconselhou ainda que sejam tomadas medidas imediatas para proteger a segurança dos líderes indígenas e concluir as investigações sobre os assassinatos de indígenas; além de esforços para superar o impasse da demarcação de terras.

Para ela, as soluções urgentes e vitais são possíveis, caso exista a necessária vontade política. Victoria propõe ainda a realização de um Inquérito Nacional para sondar alegações de violações dos direitos indígenas, além de promover conscientização e oferecer reparação para violações de direitos humanos.

“Deve ser viabilizada a efetiva participação de povos indígenas na determinação de como as minhas recomendações e as de meu predecessor podem ser implementadas e supervisionadas”, finalizou a relatora.

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