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Cidades

O desencontro entre a espera por família e os critérios de quem quer adotar

Paula Maciulevicius | 25/05/2012 18:20
A maiorzinha do abrigo tem 3 anos. Esta lá desde 1 ano, junto com o irmão, que chegou recém nascido. (Foto: Simão Nogueira)
A maiorzinha do abrigo tem 3 anos. Esta lá desde 1 ano, junto com o irmão, que chegou recém nascido. (Foto: Simão Nogueira)

Cheirinho de bebê, berços pela casa e brinquedos ao chão. O choro de criança e o sorriso de quem brinca confirmam que ali mora uma família. A mãe na verdade é irmã. Freira e cuida de 10 crianças. A irmã Liliana Dal Santo, 66 anos, tem muitos anos e histórias de adoção para contar.

No lar Vovó Túlia, em Campo Grande, a maioria dos pequenos têm entre 9 meses e 1 ano. Tem apenas uma grandinha, de 3 anos, que por enquanto ainda está no abrigo, até completar 4, junto com o irmão, de 1 aninho.

Eles vêm de episódios de abandono, maus tratos e pais na dependência química. Uma das menininhas tem os pais no lixão e a avó que até já foi visitar a neta, não tem condições de criá-la por ser alcoólatra.

Outra criança se encantava ao olhar-se no espelho. Ria ao ver a própria imagem ao descobrir o que é o reflexo. Esta também vem de um histórico triste. É a oitava filha de uma mulher que mora nas ruas. Cada um dos irmãos está num abrigo diferente. “A irmã mais velha, de 15 anos, veio conhecê-la esses dias”, conta a irmã Liliana.

Essas crianças refletem o cenário da adoção no país. Dados do Conselho Nacional de Justiça mostram que nesta sexta-feira, quando se comemora o Dia Nacional da Adoção, das 39,3 mil crianças e adolescentes abrigadas atualmente, nem 15% delas estão prontas para adoção. Ou seja, apenas um em cada sete meninos e meninas estão prontos para uma nova família.

Em Mato Grosso do Sul são 436 pretendentes na lista de adoção. Número maior do que das crianças habilitadas para uma nova família em toda a região Centro-Oeste, que é de 385.

O Estado ocupa a segunda posição no ranking de pretendentes, atrás somente de Goiás. Do total de 5,1 mil crianças e adolescentes esperando um lar em todo país, existem 28 mil interessados em adotar.

Denise viveu no abrigo até os 3. Aos 20 voltou ao Lar, agora como voluntária. (Foto: Simão Nogueira)
Denise viveu no abrigo até os 3. Aos 20 voltou ao Lar, agora como voluntária. (Foto: Simão Nogueira)

Denise Victorio Soares, 24 anos, hoje é auxiliar de escritório no abrigo onde viveu até os 3 anos e ser adotada. Voltou aos 20 para o Vovó Túlia, agora para ajudar.

“O bom filho à casa torna”, responde. Na avaliação de Denise, quanto mais cedo as crianças forem adotadas, melhor para elas. “Acho muito burocrático, nosso Judiciário devia rever muita coisa. Se a família não tem condições de te a criança de volta, que ela vá para adoção logo. É melhor para o caráter, para a formação”, opina.

De outro lado questiona o fato das pessoas escolherem características dos filhos que querem ter. “Minha mãe falava para mim eu não te escolhi pela cor, pela idade. Eu quis ter um filho e não um objeto”, relata.

No cenário nacional, 75,7% das crianças que estão em abrigo têm entre 10 e 17 anos. Uma maioria para apenas 1,3% dos pretendentes que aceitam filhos nesta idade. Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça, 20,4% dos pais na fila de adoção querem crianças até 2 anos, número nada proporcional a quantidade delas habilitadas, no percentual é de 2,9.

A espera de 9 meses foi resolvida em dois dias. Depois que Lilian alterou o cadastro para crianças maiores e negras, ganhou as filhas entre uma 6ª e uma 3ª feira. (Foto: Simão Nogueira)
A espera de 9 meses foi resolvida em dois dias. Depois que Lilian alterou o cadastro para crianças maiores e negras, ganhou as filhas entre uma 6ª e uma 3ª feira. (Foto: Simão Nogueira)

Lílian dos Santos Basílio, 40 anos, é a prova de que escolher uma família pelo amor que deseja dar recompensa. Há dois anos ela é mãe de Ana Paula e Ana Clara. A design abriu o coração duplamente.

A espera das filhas foi como uma gestação, de 9 meses. O diferencial foi quando ela resolveu sair da porcentagem de pais que querem apenas filhos brancos, de 35,2%.

“Era difícil porque quem está na fila não quer bebê. Quando mexemos no cadastro, alterando para crianças de 2 anos e abrindo para negros, logo recebemos a ligação e fomos pega-las”, recorda.

Foi numa sexta-feira que Lílian entrou em contato alterando o cadastro. Na terça-feira já levava as filhas para casa. “Adaptação não é fácil. As crianças passam por tanta coisa e elas já carregam o que viveram antes de vir para o abrigo. Se adaptar pode levar meses, mas depois é como se fosse sua mesmo”, conta a mãe.

Irmão da primogênita do abrigo, os dois sofrem pela rejeição de pretendentes a adotarem irmãos. (Foto: Simão Nogueira)
Irmão da primogênita do abrigo, os dois sofrem pela rejeição de pretendentes a adotarem irmãos. (Foto: Simão Nogueira)
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