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Cidades

O governador, a moça e o ferroviário: vidas unidas na saudade do trem

Aline dos Santos | 28/05/2014 13:58
Esplanada  Ferroviária de Campo Grande na década 1940. Cidade foi a única a preservar área histórica.
Esplanada Ferroviária de Campo Grande na década 1940. Cidade foi a única a preservar área histórica.

O trem passou pela vida de Pedro, Maria e Darcy e uniu os três destinos num sentimento irremediável: saudade. “É a essência da minha própria vida. As coisas se confundem. Nasci numa casa em que o quarto estava a 45 metros do leito da ferrovia”, diz, com a emoção de quem visita o passado, Pedro Pedrossian, 85 anos, por três vezes governador.

Numa época sem estradas, o menino morador de Miranda logo virou freguês do trem, que tanto era meio de transporte quanto o precursor das novidades. “Toda quinta e sábado os trens vinham de São Paulo. Eu procurava o jornaleiro, procurando gibi do Fantasma Voador. Enfim, não me recordo de um dia que eu tivesse falhado. Já naquele tempo a ferrovia era muito importante para mim”, recorda .

Aos 33 anos, se tornou diretor superintendente da ferrovia. “A Noroeste foi tudo para mim, uma coisa muito querida. Eu era apaixonado”. Pedro Pedrossian foi governador de Mato Grosso entre 1966 e 1971. Em 1980, foi nomeado para comandar Mato Grosso do Sul, posto que retomou em 1991, quando foi eleito nas urnas.

O amor fez a vida de Maria Araci Elias Fermino, 73 anos, viajar pelos trilhos. A moça de Pirajuí, interior paulista, casou-se com um ferroviário e só fez mudar até o trem parar em Campo Grande. “Depois de Pirajuí, que é perto de Bauru, fui para Glicério, Avanhandava e Ribas do Rio Pardo”, conta, sobre os diversos endereços da família. Em 1984, chegaram a Vila dos Ferroviários, na Capital.

Nos passos pela rua Dr Ferreira, Darcy Rodriges flerta com as lembranças. (Foto: Pedro Peralta)
Nos passos pela rua Dr Ferreira, Darcy Rodriges flerta com as lembranças. (Foto: Pedro Peralta)

“Tenho saudades. Era um tempo bom”, rememora. Nessa época, o portão no fundo da casa já levava direto à estação ferroviária. Hoje, os mesmos passos esbarram no muro da Feira Central. Uma vez por mês, lá ia Maria Araci e os quatro filhos para São Paulo.

“Saía daqui 7h e chegava em Bauru 13h do outro dia. Levava frango, refrigerante. Demorava, mas a gente acostuma”, conta. E se habitua tanto que quando acabou o trem e Maria foi de ônibus, logo se viu saudosa do antigo meio de transporte .

Na caminhada pelos paralelepípedos da rua Dr Ferreira, Darcy Rodrigues flerta com as lembranças. Afinal, se tem 76 anos de idade, longos 74 foram vividos perto da estação. Caçula de 12 irmãos, o filho de funcionário da ferrovia começou a trabalhar como mensageiros aos 16 anos. “Entregava os telegramas da própria empresa nos departamentos. Depois de um, dois anos, fui para a seção de monitoramento. Controlava os trens de Água a Clara a Corumbá e vice-versa”, diz.

Com entusiasmo, Darcy conta das histórias vividas, das viagens para disputar campeonatos de futebol. De trem, as equipes iam para Ponta Porã, Corumbá, Três Lagoas. “A ferrovia é a maior benção que Deus poderia nos dar”, afirma.

Memória afetiva - Segundo a historiadora Maria Madalena Dib Mereb Greco, em 1.274 quilômetros da ferrovia, Campo Grande é a única cidade que conta com um sítio histórico. “São 155 casas, a rotunda, esplanada, estação. Em Três Lagoas não tem mais, em Água Clara também. Só ficaram alguns imóveis em pé”, relata.

'É a essência da minha própria vida. As coisas se confundem", diz Pedrossian em relato sobre a ferrovia (Foto: Marcelo Victor)
'É a essência da minha própria vida. As coisas se confundem", diz Pedrossian em relato sobre a ferrovia (Foto: Marcelo Victor)

A constatação é um claro indício de que a ferrovia, chegada ao Sul do então Mato Grosso em 1914, faz o coração bater ligeiramente acelerado. “Existe uma memória afetiva da cidade muito particular, que é nossa, daqui”, afirma a historiadora.

Campo Grande lucrou duas vezes com a chegada dos trilhos, que fez a ligação de Bauru (São Paulo) a Porto Esperança, região de Corumbá. A agora Capital passou a ser centro econômico e político do Estado.

Cem anos depois, a íntima relação com a ferrovia reflete nas redes sociais. Segundo Maria Madalena, basta uma foto antiga do trem no Facebook para que comentários resgatem histórias, emoções e a saudade que não passa.

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