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Cidades

O mês para quebrar tabu e alertar que 90% dos suicídios podem ser evitados

Flávia Lima | 07/09/2015 09:27
Atendimentos no GAV são mantidos sob sigilo e voluntários são treinados para ouvir e não dar conselhos. (Foto:Marcos Ermínio)
Atendimentos no GAV são mantidos sob sigilo e voluntários são treinados para ouvir e não dar conselhos. (Foto:Marcos Ermínio)
Roberto Sinai (esq.), da coordenação do grupo, ao lado da presidente Veralice Lima e do vice-presidente Milton Portocarreiro, apoiam a divulgação dos suicídios, porém, são contra o sensacionalismo. (Foto:Marcos Ermínio)
Roberto Sinai (esq.), da coordenação do grupo, ao lado da presidente Veralice Lima e do vice-presidente Milton Portocarreiro, apoiam a divulgação dos suicídios, porém, são contra o sensacionalismo. (Foto:Marcos Ermínio)

Tirar o suicídio da obscuridade e passar a tratá-lo de forma natural na sociedade é o objetivo da campanha Setembro Amarelo, que acontece em nível internacional, estimulada através da Associação Internacional pela Prevenção do Suicídio. A proposta é debater o tema, inclusive, com os meios de comunicação, que após o advento das mídias sociais, passaram a questionar a forma de divulgar as notícias de suicídios.

Assim como o Outubro Rosa, lembrado pela prevenção do câncer de mama, e o Novembro Azul, que busca conscientizar sobre as doenças masculinas, o Setembro Amarelo pretende mostrar que em mais de 90% dos casos existe prevenção, já que geralmente eles estão associados a patologias de ordem mental diagnosticáveis e tratáveis, como a depressão.

Por isso, de cada dez casos de autoextermínio, nove podem ser evitados quando houver o diagnóstico dessas patologias, seguido do tratamento adequado.

Considerado um problema de saúde pública desde 2006 pela OMS (Organização Mundial de Saúde), o suicídio é a causa da morte de um brasileiro a cada 45 minutos, segundo dados da entidade. No mundo, o número cresce para um a cada 45 segundos.

Na maioria das capitais, a campanha será lembrada durante todo o mês, também através de faixas amarelas e iluminações especiais que serão colocadas em monumentos e fachadas de prédios pelas 70 sedes do CVV (Centro de Valorização da Vida) espalhadas pelo país.

Em Campo Grande, o GAV (Grupo Amor Vida) Arthur Hokama será o responsável em desenvolver, no próximo dia 10, uma ação na praça Ari Coelho, Centro da Capital e nos terminais de ônibus. O foco será, além da abordagem com folhetos explicativos, ouvir a população sobre a questão, o que pode incluir até desabafos de quem se sentir deprimido.

Segundo um dos coordenadores do GAV, Roberto Sinai, as estatísticas são mais alarmantes se levar em consideração as tentativas de suicídio onde a pessoa é socorrida e consegue sobreviver e que acabam não sendo computadas. "De cada dez pessoas que tentam tirar a própria vida, apenas duas pedem socorro", diz. 

Aliás, servir como ombro amigo é o lema do grupo, que desde 2012 se desvinculou na Capital do CVV, entidade filantrópica criada em 1962 presta serviço voluntário e gratuito de apoio emocional. De acordo com Roberto Sinai, a decisão de quebrar o vínculo com a entidade foi para buscar uma autonomia maior no que diz respeito às ações desenvolvidas.

O rompimento foi apenas para facilitar questões burocráticas, porém a filosofia de trabalho, pautada na preservação do sigilo de quem liga em busca de apoio no grupo e na capacidade de ouvir, sem emitir julgamentos, prevalece a mesma.

A garantia do atendimento acolhedor que a pessoa recebe ao ligar para o GAV começa com o preparo dos voluntários, que passam por um curso de formação de quatro meses. "Ao atendermos uma chamada, buscamos criar um vínculo de confiança, onde a pessoa não precisa dizer o nome dela e nem o problema que a levou buscar ajuda. Não oferecemos tratamento nem orientações baseadas em religiões. Somos aquele amigo disposto a ouvir", explica Sinai.

Na Capital, o GAV conta atualmente com 30 voluntários que se revezam das 7 às 23 horas no atendimento telefônico. Como cada voluntário trabalha apenas quatro horas pro semana, o  grupo está sempre precisando de ajuda, uma vez que a demanda vem crescendo, segundo Roberto Sinai. O ideal seriam 96 voluntários que pudessem, também, fazer o atendimento nas madrugadas, período considerado de risco pelos profissionais de saúde mental e pelos próprios voluntários.

"É nesse momento que bate a tristeza, a saudade de alguém e a solidão", diz a presidente do grupo, Veralice Carneiro Lima. Para garantir o sigilo da conversa, Veralice afirma que o grupo não realiza estatísticas, como por exemplo, do número de pessoas que ligam e mencionam a intenção suicida. "Não trocamos informações nem entre nós. Se tivéssemos alguma estatística seria a prova de que controlamos as informações obtidas", diz.

Mesmo sem dados, a presidente e o coordenador do GAV ressaltam que muitas pessoas mencionam o desejo de tirar a própria vida, mas entre as estratégias do grupo, está a tática de nunca desligar a ligação. A conversa se desenrola, às vezes, por mais de uma hora, até que o voluntário consiga "desarmar" emocionalmente a pessoa a ponto dela mesma refletir sobre o problema e encontrar a solução para o que a aflige.

A qualidade do acolhimento se reflete nos números. Em 14 anos de atuação na Capital, o grupo realizou 400 mil atendimentos. "Muitas pessoas também ligam depois da crise para agradecer o apoio e dizer que conseguiu superar o problema com nossa ajuda", ressalta Veralice.   

Polêmica - Em abril deste ano, a morte do advogado Rafael Zarza Ribas, 29 anos, que caiu do 27º andar do hotel Bahamas e da estudante de Matemática da Uniderp-Anhanguera, Cristiane Valdenice Carvalho, 28, que sofreu uma queda do terceiro andar de um bloco da instituição, causaram comoção na Capital e movimentaram as redes sociais. No entanto, a divulgação pela imprensa, dividiu opiniões.

Após casos recentes de suicídio, o Campo Grande News fez uma enquete para saber a opinião do leitor. E a surpresa foi que 58% dos leitores concordaram que os suicídios devem ser divulgados, porém 34% não apoia a divulgação. Já uma pequena parcela, apenas 9%, apontou que devem ser noticiados somente mortes em locais públicos.

De modo geral, veículos de imprensa sempre evitaram noticiar suicídios com base de que a informação poderia incentivar outras práticas. Na contramão do pensamento jornalístico, os coordenadores do GAV defendem a veiculação dos casos no sentido de auxiliar com a quebra dos tabus que envolvem o suicídio.

Ele conta que a ideia de que a divulgação dos casos incentiva outras práticas teve origem nos anos 1970, quando Jim Jones, líder de uma seita religiosa foi o mentor do suicídio em massa da comunidade fundada por ele, em 1978. Ao todo, 918 pessoas, incluindo crianças, foram mortas por envenenamento.

O fato é que da época do ocorrido já se passaram quase 40 anos e a evolução da sociedade, incluindo uma nova forma de tratar e abordar doenças psíquicas, como a depressão, acabaram obrigando a revisão de alguns temas, como o suicídio e a própria depressão, doença diretamente ligada a pelo menos 80% dos casos de suicídio.

Baseados nessa evolução social e do advento da internet, que vem obrigando a revisão de determinados paradigmas, os dirigentes do GAV concordam que a veiculação de notícias ligadas ao suicídio sejam divulgadas, porém, com responsabilidade.

"Somos contra a banalização do tema e o desrespeito com os familiares. Entendemos que é um momento difícil para a família e muitas não apoiariam essa divulgação, mas é pior se fizermos de conta que o problema não existe na sociedade", diz Veralice.

Da mesma forma pensa Roberto Sinai, que vai além e ressalta a importância de abordar as consequências negativas e o impacto que um suicídio causa em uma família. De acordo com dados do grupo, uma ação desse tipo atinge entre seis e dez pessoas de uma família, que podem desenvolver sérios problemas emocionais, além de sentimento de culpa.

A abordagem do tema se faz urgente na opinião da presidente do grupo, Veralice Carneiro, que estima um aumento de 20% dos casos nos próximos anos. "A vida moderna é muito estressante e cheia de cobranças. Além disso, os pais estão cada vez mais distantes dos filhos após o crescimento da internet. Os membros das famílias acabam se isolando", destaca.

Para Roberto Sinai, outro fator também preocupante são as tentativas mascaradas e alguns comportamentos que podem trazer sinais de que a pessoa está deprimida e tem intenção suicida. "Quem nunca ouviu um colega falar que está com vontade de desaparecer do mundo ou, às vezes, diz que se cortou sem querer. Essas ações podem ser indícios, mas que acabamos levando na brincadeira", ressalta.

Serviço - O telefone do GAV para quem busca apoio é o 141. Quem tiver interesse em colaborar com a manutenção do corpo de voluntários, pode ir diretamente à sede do grupo, que fica na Rua Alexandre Farah, 37, bairro Amambaí ou utilizar o número 3383 4112 ou 4113. Por ser uma entidade sem fins lucrativos, as despesas com telefone, água, luz e aluguel, são de responsabilidade dos voluntários.

Para o próximo dia 13, o grupo está organizando um almoço e os convites estão sendo vendidos a R$ 15,00.

Suicídio é considerado problema de saúde pública pela OMS, mas ainda segue encoberto pela sociedade. (Foto:Arquivo)
Suicídio é considerado problema de saúde pública pela OMS, mas ainda segue encoberto pela sociedade. (Foto:Arquivo)
Palestras e formação de voluntários do GAV garantem apoio emocional a quem procura o grupo. (Foto:Divulgação)
Palestras e formação de voluntários do GAV garantem apoio emocional a quem procura o grupo. (Foto:Divulgação)
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