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Cidades

Criado em casa de pau-a-pique, empresário diz que trabalho fez dele um vencedor

Paula Vitorino | 19/08/2011 15:22

Aos 88 anos, ele já doou cerca de R$ 4 milhões para instituições e acaba de anunciar outra doação, de R$ 10 milhões, para construção de centro de diagnóstico de câncer.

Antonio lembra com alegria da trajetória de sucesso. (Foto: João Garrigó)
Antonio lembra com alegria da trajetória de sucesso. (Foto: João Garrigó)

Aos 88 anos, Antonio Morais dos Santos tem orgulho em contar sua história de vida e, principalmente, de trabalho até chegar a ser conhecido pelo título de “milionário benfeitor”. Nascido em uma casa de pau-a-pique, em uma família numerosa e pobre, Antonio se mostra um visionário desde a infância, quando começou a trabalhar aos 9 anos.

E o segredo de tudo que construiu com o suor de seu trabalho, segundo ele, é "trabalhar honestamente". O milionário ainda se auto define como um “viciado em trabalho” e afirma que nunca tirou férias.

“Minha família conhece o mundo todo, mas eu nunca viajei pra fora, nunca tive tempo e nem quero”, diz

Hoje pecuarista e proprietário de diversos imóveis pelo país, como também sócio de uma imobiliária junto com os filhos, Antonio doou nos últimos dois anos pelo menos R$ 14 milhões do seu patrimônio pessoal.

O dinheiro foi revertido para a reforma da ala masculina do Asilo São João Bosco, ampliação de 12 leitos do CTI (Centro de Terapia Intensiva) do Setor de Cardiologia da Santa Casa e construção de um Centro de Diagnóstico de Câncer do Hospital do Câncer de Barretos, em Campo Grande, que ainda está sendo projetado. O compromisso da doação foi formalizado na semana passada.

Ele não fala em valores para mensurar a fortuna acumulada ao longo de quase 80 anos de trabalho, mas afirma que a parte da herança que cabia aos filhos já foi repartida em vida e agora “o dinheiro que tenho é meu e da minha esposa, gasto como quiser”. Ele afirma que ainda irá deixar uma certa quantia em testamento para algumas pessoas.

Antonio é casado há 62 anos, tem cinco filhos – sendo um de outro relacionamento fora do casamento -, 10 netos e 2 bisnetos. Os filhos dizem aprovar a iniciativa do pai em ajudar instituições.

A próxima doação milionária que Antonio deseja fazer em vida é para a construção de mais um centro de diagnóstico de câncer do Hospital de Barretos no Estado, mas desta vez no município onde viveu por muitos anos: Dourados, cidade onde foi prefeito no início da segunda metade da década de 1950.

“É um projeto ainda, não está nada definido. Depende de conversa entre eu e o hospital”, conclui.

Cheio de vitalidade, o milionário afirma que não pensa em aposentadoria e faz planos para reunir a trajetória em um livro, que será escrito por um amigo, e ainda não tem previsão de lançamento.

Os filhos dizem que a saúde do pai também está em dia. Antonio sofre apenas de problemas de visão, enxergando parcialmente.

Depois de um hora de receber a equipe do Campo Grande News em seu escritório, "seo" Antonio pede licença para atender uma outra equipe de reportagem. No dia seguinte à doação para a unidade de diagnóstico de câncer, passou o dia falando a emissoras de tevê. Quase uma semana depois do anúncio da doação, o empresário ainda tem paciência para entrevistas, mas determina o tempo - uma hora, apenas.

Último doação feita é para construção do hospital do câncer em Campo Grande.
Último doação feita é para construção do hospital do câncer em Campo Grande.

Infância pobre e visionária - Antonio se lembra da infância como se tudo tivesse acontecido ontem. Os detalhes, datas e nomes estão na ponta da língua, como se formassem o roteiro do filme de sua vida, escrito pelo próprio personagem.

Mineiro, o visionário nasceu em 12 de outubro de 1922, no município do Prata, em uma casa de pau a pique rodeada de buritis. A fazenda abrigava a casa de três famílias, das irmãs de sua mãe, casadas com portugueses.

A mãe, Adelina Morais, virava a noite trabalhando como costureira e quitandeira. O pai, Joaquim dos Santos Veríssimo, ganhava a vida como serrador, junto com os demais cunhados. Antonio foi criado com outros nove irmãos e só aos 9 anos conta que foi conhecer a escola e a cidade.

O garoto foi cursar o primeiro ano do primário em Ituiutaba/MG e bastou 15 dias na cidade para conseguir seu primeiro emprego. Ele saía da escola e ia direto para o armazém trabalhar. O primeiro emprego é lembrado com orgulho. “Lá aprendi a falar árabe com o turco, ele me ensinava muito coisa”, diz.

Para conseguir ser contratado aos 9 anos, o menino esperto foi até o armazém e disse que queria trabalhar. A resposta foi: o que você sabe fazer muleque?. De pronto, o garoto viu vários quadrinhos de santos empoeirados, pegou dois iguais e pediu licença ao patrão para fazer um serviço.

Pouco depois, Antonio voltou com um quadro limpo e o outro sujo. “Perguntei qual era o mais bonito, claro, o limpo aparecia muito mais a beleza. O turco deu um sorriso e disse: tá contratado”, revela.

Mas o estudo e o trabalho duraram apenas um ano. Seu pai vendeu o que tinha e a família se mudou de repente para um sítio, na mesma cidade. “Ele largou a profissão e foi viver só da inchada. Foi a pior coisa que meu pai fez. Muito sofrimento aquela vida”, lamenta.

A família numerosa trabalhava dia e noite, e a renda era fruto da venda diária de 40 litros de leite.

O garoto não viu futuro naquela vida e depois de três anos no sítio pediu ao pai para ir trabalhar na cidade novamente. “Não queria mais estudar, mas só trabalhar. Fui morar sozinho e consegui meu emprego no armazém de novo”, afirma.

Os lucros do armazém foram aumentando depois do retorno do jovem vendedor. Com isso, os ganhos de Antonio também aumentaram, com as comissões gordas. Mas as comissões pararam de ser repassadas ao adolescente no segundo e no terceiro ano, e Antonio pediu demissão: queria mais.

Mas entre as lembranças do período de trabalho no armazém, Morais faz uma pausa para ressaltar sua primeira conquista com o salário.

“Ficava todo dia namorando as máquinas de costura da alfaiataria ao lado. Falava pro dono que um dia ainda ia comprar uma daquelas pra minha mãe, uma máquina industrial. Numa manhã acordei e minha mãe ainda estava costurando uns ternos pra ajudar a pagar o serviço dos empregados do sítio. Aquela cena nunca saiu da minha cabeça. Minha mãe trabalhando o dia todo na máquina, uma Singer, amadora”, conta.

Antes do que esperava, o garoto cumpriu o prometido, comprou a máquina industrial, alemã, do alfaiate. “O alfaiate me procurou e disse que tinha perdido muito dinheiro na noite anterior no jogo, e queria ir embora. Ofereceu a máquina em troco de uma quantia pequena e que eu terminasse de quitar as três prestações do financiamento da máquina. Comprei e um tempo depois entreguei para minha mãe”, se orgulha.

Fora do armazém, o menino foi trabalhar como ajudante de sapateiro, mas já estava de olho na profissão do mestre. A mulher do sapateiro ficou doente e Antonio e o outro ajudante sozinhos na sapataria puderam finalmente experimentar fabricar botas. Deu certo, e em pouco tempo o garoto com cerca de 17 anos foi contratado como sapateiro em outro município, Santa Vitória.

“Quando o sapateiro voltou pro trabalho disse que não queria mais ser ajudante, queria ganhar como ele e sabia fazer o serviço. Ele não aceitou, então, fui embora para a outra proposta de emprego que me fizeram”, conta.

Antonio lembra que enquanto os sapateiros faziam uma média de 6 pares por dia ele fazia 10. Trabalhava até tarde da noite e afirma que se dedicava não só para aumentar os lucros e conquistar seus sonhos, mas por gosto ao trabalho.

“Não gostava de dormir. Sempre achei que dormir era uma perda de tempo. Enquanto dormia a vida passava e eu não estava fazendo nada”, revela mais uma característica do seu empreendedorismo.

Seu pai ficou doente e em pouco tempo morreu, sendo a provável causa um câncer. Antonio diz que conseguiu visitar por pelo menos duas vezes o pai enquanto estava doente. A viagem durava a noite toda, à cavalo e família continuava morando na mesma casinha de pau a pique.

Após isso, sua mãe mudou também para Santa Vitória e montou uma pensão. Na mesma época, em 1943, com 21 anos, o jovem resolveu encarar mais um desafio profissional. Aceitou o convite de um amigo e foi aprender a dirigir caminhões, para fazer transporte de produtos pelos estados vizinhos.

Prefeito Nelson Trad Filho e Antonio durante inauguração do CTI da Santa Casa.
Prefeito Nelson Trad Filho e Antonio durante inauguração do CTI da Santa Casa.

Novo estado - Em 1947, decidiu que queria conhecer a fronteira de Minas Gerais com Mato Grosso. Comprou uma certa quantidade de mercadorias, colocou no seu veículo “Fordinho 29” e seguiu viagem. Foi passando cidade por cidade em busca de compradores, até que o destino o trouxe a Campo Grande.

“Mandei meu irmão mais novo, que veio comigo, voltar e avisa a família que ia ficar por aqui”, lembra.

Conheceu um pecuarista e vendeu toda sua mercadoria, com o dinheiro se tornou sócio de uma barbearia e colocou um veículo na praça –táxi, além de trabalhar como vendedor de título de capitalização. “Passava no fim do dia só recolhendo os lucros da barbearia e do pracinha”, relata.

Nos três primeiros meses como vendedor conquistou o primeiro lugar em vendas e foi promovido a inspetor fiscal. Iniciou o curso de piloto comercial e meses depois era promovido novamente, mas para o cargo de inspetor geral.

Por conta disso foi morar em Cuiabá, mas em alguns meses na cidade percebeu que a sede no local não dava lucros e sugeriu que a fechassem. “Vendi um título em três meses lá, o povo não comprava, só dava prejuízo aquele escritório. Fiz os cálculos e encaminhei para administração, seguiram meu conselho”, diz.

De volta a Campo Grande, em 1949, casou-se com Delurce Souza Morais, hoje com 86 anos. O vendedor foi transferido para Bauru, mas mesmo com o cargo de chefia e salário bom, Antonio negou a oferta e preferiu mudar-se para Dourados. Começava outro desafio em sua vida e uma carreira vitoriosa no Estado onde escolheu ficar.

Com o capital já acumulado nos anos de trabalho, o mineiro comprou um armazém, um caminhão, duas casas de aluguel e uma máquina de arroz em Dourados. Viajava comprando e vendendo mercadoria no veículo, até que começou a exportar arroz para estados vizinhos.

Nas idas e vindas pela estrada, pegou malária sete vezes no período de um ano. Depois de alguns meses, com a casa estabelecida, trouxe toda a família mineira para Mato Grosso do Sul.

Na década de 50 entrou para a política e 1954 foi eleito prefeito de Dourados e em 1958 deputado estadual. Entre 57 e 62 também foi presidente do banco Agrícola de Dourados, e depois da incorporação ao Banco Financial de Mato Grosso, se tornou vice-presidente do mesmo.

Nessa época mudou-se para Presidente Prudente (SP), com o objetivo de se afastar da política, e só em 1966 retornou a Dourados. Desde 1973 estabeleceu residência em Campo Grande, onde hoje administra seu patrimônio junto com os familiares.

- Ao longo da narrativa de sua história, o milionário Antonio diz várias vezes acreditar que a todo momento Deus guiou seus caminhos, o conduzindo sempre para os projetos que teriam sucesso.

“É por isso que eu digo que Deus sempre esteve me guiando. Tudo que peguei, enquanto fiquei trabalhando era para dar certo. Quando era mais pra ser aquilo Deus me conduzia para outra direção. Foi assim no armazém, na sapataria, na mudança de cidade, em tudo”, acredita.

Mas apesar da fé em Deus, ele se diz uma pessoa sem religião e conta que só há alguns anos se aproximou mais da religiosidade. Ele conta que na infância viu a matriz de uma igreja da sua cidade pegar fogo após um padre não querer batizar uma criança por falta do pagamento.

“Era o que contavam. A mãe saiu da igreja dizendo que aquela igreja não iria mais batizar ninguém. Vi tudo se acabar nas chamas. Desde esse dia passei a criticar as igrejas, só há algum tempo comecei a ver as coisas de outra maneira”, conta.

Ainda na infância, quando morava na fazenda, Antonio teve o primeiro contato com o que lhe foi apresentado como fé, mas ainda sem entender ou crer. O pecuarista viu seu irmão, ainda criança, morrer de sarampo por falta de tratamento enquanto trabalhava na terra. E também chegou a ser considerado morto pela família, quando tinha cerca de 6 anos.

Um pote com água caiu na sua cabeça e fez um corte profundo. Antonio ficou em coma por três dias, contando apenas com a reza da sua família e as velas em volta de seu corpo.

“Não tinha hospital, remédio. Era no meio do mato, não tinha o que fazer. Sabiam que eu tava respirando, só isso”, diz.

Por um milagre, segundo acreditou sua família, o garoto voltou a vida. No entanto, o milionário diz que só depois de muitos anos foi realmente acreditar que o ocorrido na sua infância poderia ser tido como um sinal de fé.

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