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Em Pauta

Camelos, barcos e itens piratas criaram o comércio mundial

Mário Sérgio Lorenzetto | 17/08/2017 07:11
Camelos, barcos e itens piratas criaram o comércio mundial

Embora a domesticação de camelos tenha sido conseguida entre 3.000 e 2.000 a.C., na África, apenas em algum momento entre 500 a.C. e 200 d.C. foi inventada a "sela do norte da Arábia", e assim, os comerciantes da Península Arábica puderam utilizar a habilidade do camelo de ser um "navio do deserto". As caravanas de camelos se alimentam no caminho, em oásis, capturam energia livre do mesmo modo que os barcos à vela. Assim, as caravanas de camelos podiam competir com os barcos. Elas fizeram isso por quase mil anos. Só mudaram com novos projetos de barcos e técnicas inovadoras de navegação depois do ano 1.300 d.C.

A utilização de camelos abriu novos horizontes para o comércio. Caravanas passaram a cruzar os desertos da Ásia Central estabeleceram a primeira ligação entre a China, a Índia e o Mediterrâneo. Como a seda chinesa era a mercadoria mais valiosa transportadas por esses caminhos, o barão Ferdinand von Richtofen, geógrafo alemão do século XIX, deu a essa coleção de rotas o nome de Rotas da Seda. Por ela os comerciantes transportaram mais do que apenas os artigos de luxo. Transportaram cavalos.

Camelos, barcos e itens piratas criaram o comércio mundial

A imensa importância dos cavalos no comércio mundial

Para os governantes na China, na Índia ou em outros países sem pastagens para criar cavalos, esses animais da Ásia Central tornaram-se o mais importante item de exportação valorizado na Rota da Seda. Eles não só eram o equivalente de carros de luxo Mercedes Benz, mas essenciais para criar uma cavalaria de combate poderosa. Registros da dinastia chinesa Tang mostram que o governo gastou quase um sétimo de seu faturamento anual - conseguido com fardos de seda - para importar 100 mil cavalos. No século XI, tribos tibetanas que controlavam importantes rotas ligando a Ásia Central à China, prosperaram trocando chá chinês por cavalos da Ásia Central - em certos momentos negociando 22 mil cavalos por ano. E é claro, a Rota da Seda transportava muito mais que mercadorias. Por mais de mil anos, a trilha que cruzava três continentes se transformou em uma esteira de carga para a transmissão de religiões, arte, filosofia, idiomas tecnologias, germes e genes.

Um ambiente pacífico, criado pelos mongóis, mantido por torres de vigilância e guarnições de soldados, além de hospedarias ou pousadas ao longo da rota estimularam o fluxo de mercadorias. Comerciantes levaram a cultura do macarrão de farinha e da seda da China para o Irã e a Itália. A tecnologia de fabricação chinesa de papel se mudou para a Europa, criando a base para a impressão de livros e para o Renascimento. Graças ao cobalto levado do Irã, oficinas de cerâmica chinesas desenvolveram projetos de porcelana azul e branca especialmente para o mercado islâmico. O outo da África subsaariana era trocado por cobre e tâmaras do norte da África. A palavra "muçulmano" era sinônimo de comerciante em muitas regiões africanas.

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Um pouco de vinho doce, figos e um sofista

O barco foi a forma de transporte que abriu enormes possibilidades para conexões de longas distancias. Um item muito demandado nas áridas planícies da Mesopotâmia era a madeira para construir templos e móveis, e ela podia ser encontrada no litoral leste do Mediterrâneo e da Índia. Em meados de 2.000 a.C., comerciantes fenícios (leia-se libaneses), começaram a usar barcos feitos de junco para fazer flutuar cedro vindo do norte pelo Eufrates até a Baixa Mesopotâmia e levar madeira de lei, minerais e pedra preciosas da Índia.

Os fenícios que habitavam Sidon e Tiro, no atual Líbano, foram os primeiros comerciantes especializados cujas habilitações de navegação permitiram a eles estender sua rede comercial por todo o Golfo Pérsico e o Mediterrâneo. Cobre do Chipre e cedro do Líbano eram transportados por todo o Levante. A necessidade de se comunicar com uma grande variedade de pessoas levou os fenícios a desenvolver o alfabeto em substituição a complexas e complicadas escritas hieroglíficas ou cuneiformes. O Líbano era muito rico. E essa riqueza lhe trará problemas futuros como a disputa acirrada por Jerusalém.

O mundo conhecido se expandiu à medida que a pressão populacional e a busca de mercados maiores levaram os fenícios a estabelecer colônias no norte da África, na Sicília, Sardenha e ao longo da costa da Espanha. Mesmo caminho que séculos depois, os muçulmanos fariam. O comércio se desenvolveu tanto entre a China, Índia e Mediterrâneo que o rei indiano Bindusara pediu ao rei grego Antíoco que enviasse a ele "um pouco de vinho doce, figos secos e um sofista".

Camelos, barcos e itens piratas criaram o comércio mundial

Passeio através do Oceano Índico e o primeiro produto pirateado

No século I d.C., o império romano chegou ao Mar Vermelho, e a porta estava completamente aberta para o comercio com a Índia, a mais cobiçada fonte de luxos exóticos. Uma carta de navegação e um manual de comercio que ainda existem oferecem um quadro detalhado da expansão do "mundo conhecido". Seu autor, desconhecido, descreve com conhecimento sobre uma viagem pela costa africana, pelo litoral indiano e a China.

Ele menciona algo que mudaria o mundo. A "feliz" descoberta do vento sudoeste por um navegador egípcio chamado Hippalos, com o qual os barcos que deixavam o Mar Vermelho no verão podiam subir a maior parte da costa da Índia e retornar no inverno, quando o vento soprava na direção oposta. Esse vento passou a ser conhecido como "monção", da palavra árabe para temporada, "mausim". Seguir esses ventos reduziu drasticamente o tempo de navegação entre a Índia e o Egito - o limite oriental do império romano - de trinta meses para três meses de ida e volta. Até a introdução dos barcos a vapor em 1780, a velocidade de transporte de bens permaneceu estável por 1.700 anos.
Esse sucesso em reduzir o tempo de navegação de 549 quilômetros de mar até a Índia intensificou o volume de comercio. Comparado com vinte barcos por ano, uma frota mercante passara a zarpar todos os dias carregando estanho, chumbo, vinho, coral, vidro e moedas de ouro e prata.

Enquanto as elites do império romano consumiam quantidades cada vez maiores de especiarias - pimenta do reino e gengibre - os indianos consumiam vinho italiano e grego, azeite de oliva e garum (um molho de peixe até hoje usado na Itália). A principal e mais exuberante rua de Roma era a Via Piperatica, rua da Pimenta.

Apenas um carregamento de marfim, tecidos e ervas aromáticas alcançou valor suficiente para comprar 970 hectares da melhor terra agrícola do Egito. Um barco modesto de 500 toneladas podia carregar 150 encomendas como essa. O comércio era tão intenso que já não conseguiam produzir vinho em quantidade suficiente para atender o mercado indiano. Arqueólogos descobriram que o vinho fino produzido na ilha grega de Kos era tão famoso que um grande volume havia sido falsificado na Itália e foi exportado para a Índia em típicas ânforas de Kos. Como essa pirataria ocorreu entre os séculos I e II a.C. é a mais evidencia histórica de um produto pirateado.

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