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Cidades

Livro conta histórias da ditadura em Dourados

Redação | 30/01/2008 13:04

"Sofri, fui preso, seis policiais vieram me pegar em casa. Me prenderam e falaram que iam me matar, jogar no rio, ou me mandar para Cuba. Minha vida era só trabalhar na lavoura, produzia de 200 a 300 sacos de feijão. Então, se um homem assim é comunista, o comunismo é bom". O depoimento é do ex-colono Noel Bernardo da Silva, e abre o capítulo três do livro "Dourados: memória e representações de 1964". Com seu jeito simples, ele resumiu a rotina de interrogatórios e perseguições instalada na região da Grande Dourados após o Golpe de 64, e ajuda a dar corpo ao livro de Suzana Arakaki, que será lançado amanhã.

A história mostra que em meio aos atos institucionais, controle da imprensa, protestos, repressão e promessas de milagre econômico, estavam agricultores atendidos pelo projeto considerado um dos orgulhos do presidente Getúlio Vargas: a Colônia Agrícola Nacional de Dourados. Noel foi um deles. Com a família, passou a produzir na CAND na década de 40, e assistir a visitas e mais visitas de presidentes e candidatos ao cargo que usavam a Colônia como uma propaganda de desenvolvimento. Fotos mostram a passagem pelo Município de Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros, João Goulard, além, é claro, de Vargas.

Os militares Ernesto Geisel e João Figueiredo também passaram por Dourados, mas após o golpe, quando a colônia passou a ser considerada reduto de comunistas. "Muitas famílias foram perseguidas, pelo simples fato de viverem na região", conta a pesquisadora Suzana Arakaki. O que era a menina dos olhos de Getúlio Vargas virou alvo preferencial da polícia na região. Mas a história relatada pela autora é mais gentil em comparação a quase totalidade dos relatos sobre o período. Perseguição, mesmo, só contra produtores rurais e meia dúzia de políticos do antigo PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), legenda do presidente deposto João Goulart.

A ação teria sido menos agressiva que em outros pontos do Brasil por causa da influência do então prefeito de Dourados, Napoleão Francisco de Souza. O mais curioso, ressalta Suzana, é que o partido dele era justamente o PTB, abominado pelos militares. Dois vereadores do partido chegaram a ser presos, acusados de integrarem o chamado Grupo dos 11, supostamente comandado por Leonel Brizola para resistência ao governo. Em Dourados, Janary Carneiro Santiago e Gumercindo Bianche foram detidos, mas liberados sem enfrentar as famosas sessões de tortura, graças ao prefeito, um ex-combatente durante a 2ª Guerra Mundial.

A passagem mais curiosa, citada no livro, lembra o dia seguinte ao golpe. Políticos do UDN (União Democrática Nacional) e do PSD (Partido Social Democrático), contrários ao governo militar, teriam ido à prefeitura exigir a renúncia de Napoleão. Testemunhas contam que ele chegou assinar o documento abrindo mão do cargo, mas solicitou um dia para que problemas fossem resolvidos. Napoleão seguiu então para Campo Grande de onde voltou com uma escolta do exército. "Até hoje ninguém voltou lá na prefeitura para pedir a renúncia", ri Suzana.

A historiadora pesquisou o assunto durante três anos, apresentado como tese de mestrado feito na UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados). O livro apresenta a região de fronteira como geopoliticamente visada pelos estrategistas militares e "desloca o debate sobre o Golpe de 1964 dos grandes centros, habitualmente privilegiados nas análises dedicadas ao tema", avalia a autora.

Suzana Arakaki é historiadora e professora de História, com graduação e mestrado pela UFGD, instituição em que também lecionou. Atua desde 2005 na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul, na unidade de Amambai, onde desenvolve pesquisa sobre a história política do estado, e participa de pesquisas em outras instituições de ensino superior. O lançamento do livro ocorre na quinta-feira (31) às 10 horas na livraria da Uems (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), em Dourados.

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