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Esportes

Dois sul-mato-grossenses e um taxista israelense radical em Jerusalém

Paulo Nonato de Souza | 28/05/2015 08:53
O acesso para o setor de orações no Muro das Lamentações (Foto: Aruivo pessoal)
O acesso para o setor de orações no Muro das Lamentações (Foto: Aruivo pessoal)

De todas as minhas andanças pelo mundo, considerando não apenas as viagens para a cobertura de eventos esportivos, foi em Jerusalem onde tive a sensação de estar no olho do furação. Em maio de 1995 eu já estava fora do radio havia seis anos, mas aceitei o convite do narrador Arthur Mário, então na Rádio Educação Rural de Campo Grande, e fui fazer reportagem de campo no amistoso entre as seleções do Brasil e de Israel, em Tel Aviv.

Já na conexão em Frankfurt, na Alemanha, tive a certeza de que aquela não era uma viagem como outra qualquer. Primeiro porque o embarque no avião da companhia aérea israelense, a EL-AL, aconteceu num setor isolado das outras companhias, uma espécie de Terminal exclusivo, e para ter acesso o passageiro tinha que passar por um túnel humano formado por soldados israelenses fortemente armados. Chegando lá, o check-in era uma verdadeira inquisição. Foram tantas perguntas, num ambiente de absoluta pressão psicológica, que cheguei a pensar em desistir de seguir adiante. Aliás, uma das perguntas até hoje me impressiona: Você nasceu em Naviraí e se mudou para Dourados, depois foi morar em Campo Grande, depois São Paulo…. Por que você muda tanto de cidade?

Incrível como o Mossad, a polícia secreta israelense, esmiuçava a vida das pessoas mesmo sem as tecnologias de que dispomos hoje. Mas, convenhamos, o ano de 1995 estava apenas no quinto mês e o balanço dos conflitos entre judeus e palestinos já apresentava 26 mortos somente em ataques de homem-bomba e carro-bomba. Naquele ano foram quatro ataques e 37 mortos em atentados. Ainda estava muito recente o acordo de paz assinado em 13 de setembro de 1993, em Oslo, na Noruega, pelo primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin e o líder palestino Yasser Arafat, e qualquer um podia morrer a qualquer momento vítima do terror, fosse ele um simples turista ou não.

No dia seguinte ao jogo, que terminou com vitória do Brasil por 2 a 1, fomos eu e o Arthur Mário conhecer Jerusalém. Afinal, como havia me dito o Roberto Cabrini, repórter de campo na transmissão da TV Globo naquele amistoso, “vir a Israel e não visitar Jerusalém é o mesmo que ir a Roma e não ver o Papa”. Além disso, são apenas 70 Km de estrada desde Tel Aviv. Então, eu que já havia sido expulso de um taxi por não falar hebraico, consegui um taxista israelense que falava espanhol misturado com ingles e português. Combinei o preço de 100 dólares ida e volta e lá fomos nós.

No caminho perguntei como seria se algum palestino invadisse a rodovia. Aí ele disse: “You’re kidding me. Arabo tem que matar tudo”. Abriu o porta-luva do carro para mostrar uma submetralhadora que, segundo ele estava pronta para ser usada. Em seguida, empinou o corpo para frente na direção do volante e exibiu um revolver na parte de trás da cintura. Durante todo o trajeto, o taxista só falou de morte aos palestinos.

Chegando em Jerusalém, fomos conhecer os pontos religiosos, começando pelo Muro das Lamentações, depois o Monte das Oliveiras, de onde se vê abaixo, do lado de fora do muro, um cemitério construído antes do nascimento de Jesus Cristo. Tudo estava indo bem até que, do nada, surge um grupo de quatro jovens palestinos propondo fazer o trabalho de guia turístico em troca de 80 dólares. Como não concordamos, um deles, com cara de ser o líder, ficou enfurecido e passou a nos empurrar. Na medida em que eles vinham para cima, a gente andava para trás e a cada passo para trás o cemitério lá embaixo crescia de tamanho, e são 61 metros de altura. A gente já estava a poucos metros de cair colina abaixo, e chega o nosso beligerante taxista empunhando a metralhadora. Chegou, exibiu a arma como quem está pronto para a batalha, falou um monte de palavras que não entendemos (devia ser hebraico ou aramaico) e os palestinos sairam correndo. Ficamos sem ação, estáticos. E ele: “I told you...I told you.....Arabo tem que morrer tudo…Must die...must die all they”.

Na volta para Tel Aviv, já de noite, ficamos em silêncio por um bom tempo, enquanto o taxista continuava esbravejando contra os palestinos. Então, cometi a gafe de falar de paz entre judeus e palestinos, afinal um acordo nesse sentido havia sido assinado pelo primeiro-ministro Yitzhak Rabin. Mas eu deveria ter permanecido calado, porque o taxista ficou ainda mais enfurecido. “I hate Rabin, we hate Rabin (eu odeio, nós odiamos Rabin). No queremos la paz con arabos. I want to kill him. Yo quiero matarlo”. Apesar da mistura de idiomas, essas palavras nunca sairam da minha cabeça. Quando, já no Brasil, vi na tevê a notícia do assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin por um israelense em 4 de novembro de 1995, durante um ato pela paz em Israel, imediatamente pensei: “Foi o taxista”.

NOTA – Rabin, quinto primeiro-ministro de Israel, foi assassinado pelo militante direitista israelense, Yigal Amir, que tal qual o seu compatriota taxista, não queria acordo de paz com os palestinos. Ele foi preso e condenado à prisão perpétua.

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