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Interior

Na engrenagem da industrialização, Três Lagoas se transforma em terra das oportunidades

Paulo Fernandes e João Humberto, especial para o Campo Grande News | 02/03/2012 08:20

Com as fábricas operando em ritmo acelerado, imóveis triplicaram de valor e a receita da prefeitura cresceu 3.500%.

De uma das famílias pioneiras de Três Lagoas, Amélia e Jamil Zaguir falam com admiração sobre o desenvolvimento da cidade (Fotos: Giuliano Lopes)
De uma das famílias pioneiras de Três Lagoas, Amélia e Jamil Zaguir falam com admiração sobre o desenvolvimento da cidade (Fotos: Giuliano Lopes)

Aos 89 e 85 anos, respectivamente, os irmãos Amélia e Jamil Zaguir nunca imaginaram presenciar uma mudança tão profunda na cidade que viram crescer. Eles lembram da época em que Três Lagoas (330 km de Campo Grande) era um pequeno município, que havia surgido no início do século passado com a estrada de ferro Noroeste do Brasil. O desenvolvimento chegava no ritmo de uma velha carroça. "Três Lagoas começou a progredir quando trouxeram água encanada, isso em 1951. Antes a cidade só tinha poço. Sabia? Agora ficou sabendo", conta Jamil.

Mas nos últimos sete anos, a industrialização vem transformado radicalmente a cidade sul-mato-grossense, que vive um momento de prosperidade sem igual: sobram empregos e os salários estão em alta, os leitos na rede hoteleira triplicaram, lojas e supermercados estão sempre cheios, imóveis foram supervalorizados, os valores dos aluguéis dispararam e não se vê miséria nas ruas.

A cidade, que tinha a economia baseada na agropecuária, hoje é líder na fabricação de papel e celulose e vem recebendo indústrias dos mais diversos segmentos. Mesmo com as isenções e benefícios concedidos às fábricas, durante os últimos anos a receita da prefeitura saltou 3.500%, passando de R$ 80 milhões em 2005 para R$ 280 milhões em 2012 (previsão). O município na divisa com São Paulo já tem o 2° maior PIB (Produto Interno Bruto) de Mato Grosso do Sul, atrás apenas de Campo Grande.

Florestas de eucalipto foram plantadas por todo o Estado para abastecer as gigantes do setor de papel e celulose.
Florestas de eucalipto foram plantadas por todo o Estado para abastecer as gigantes do setor de papel e celulose.
Leandro Thomé está ampliando o seu mercado pela segunda vez e irá empregar 145 funcionários.
Leandro Thomé está ampliando o seu mercado pela segunda vez e irá empregar 145 funcionários.

Para acompanhar esse crescimento, o comerciante Leandro Thomé, de 45 anos, está ampliando o seu estabelecimento pela segunda vez. O pequeno mercado que funcionava dentro de uma cerealista virou um supermercado em 2008 e agora está sendo novamente aumentado.

Em outubro de 2011 começaram as obras que vão mais que duplicar o tamanho do supermercado, passando de 800 m² para 1.700 m² de área construída. A ampliação deverá ficar pronta até junho, multiplicando a quantidade de funcionários do Supermercado Thomé de 83 para 145. “Isto se deve totalmente às indústrias, que geraram empregos na cidade. Foi ótimo. Primeiro veio a parte civil, o pessoal trabalhando nas construções; agora tem os funcionários das fábricas. O supermercado está sempre cheio”, diz o comerciante.

O setor imobiliário também cresce aceleradamente. “Imóveis que antes eram alugados por R$ 500 ou R$ 600 hoje são alugados por R$ 2.500”, conta o dono da imobiliária Correta Imóveis, Danilo Marim Cabral. O valor de venda também disparou. “Uma casa com três quartos que era vendida por R$ 90 mil antes da vinda da VCP, hoje Fibria, agora vale R$ 250 mil. É a lei da oferta e da procura”.

Três Lagoas se transformou em um canteiro de obras; valores dos imóveis dispararam.
Três Lagoas se transformou em um canteiro de obras; valores dos imóveis dispararam.

Mesmo com a supervalorização imobiliária, é difícil encontrar casas para comprar ou alugar. “Hoje temos disponíveis só uns 20 imóveis”, disse. De acordo com o corretor Hilton Espíndola Corrêa, os imóveis em Três Lagoas valem 30% mais do que na Capital.

Na estimativa dele, o setor imobiliário movimenta R$ 60 milhões por mês no município. A perspectiva para os próximos anos é ainda melhor. “O mercado vai crescer muito com a vinda da Eldorado, da Sitrel e da Petrobras. É um negócio que está dando dinheiro. Começamos a ter condomínios fechados, o que não havia aqui em Três Lagoas. Temos três prontos e cinco para serem lançados”, afirma.

O paulista Leonardo Konno, que já foi proprietário de uma agência de turismo, resolveu virar gerente de dois hotéis no município sul-mato-grossense. Ele conta que de terça a quinta-feira há um grande fluxo de hóspedes e às vezes é impossível conseguir vaga nos hotéis da cidade. “As indústrias trazem muitos funcionários para trabalhar em suas construções e os hotéis ficam lotados até os fins de semana. Dos 184 leitos dos hotéis que eu gerencio, por exemplo, todos ficam ocupados”, conta. A rede hoteleira de Três Lagoas tem 945 apartamentos com 2.025 leitos. E a cidade tem ainda 57 bares e restaurantes em funcionamento.

Velocidade - A riqueza e o desenvolvimento também trouxeram consequências ao trânsito da cidade de ruas e avenidas largas. Apesar de Três Lagoas possuir uma população estimada de 89,5 mil pessoas, menor que Corumbá, que tem 99,5 mil, a cidade na divisa com São Paulo possui quase o dobro de veículos licenciados em relação ao município pantaneiro. São mais de 47 mil automóveis, contra 25 mil, segundo dados do Detran-MS (Departamento Estadual de Trânsito). É a terceira maior frota de Mato Grosso do Sul, atrás apenas de Campo Grande (375 mil) e Dourados (91,5 mil).

De acordo com o diretor de Indústria, Comércio e Turismo de Três Lagoas, Diógenes José Martins Marques, a cidade conta com mais de 550 ônibus em circulação, muitos levando funcionários para as fábricas. As indústrias de Três Lagoas empregam diretamente mais de 9 mil pessoas. Além disso, é espantoso o grande número de carros e caminhões de outras cidades e estados circulando pelas ruas da cidade.

"Tudo o que existia em 2006 e 2007, com a vinda dessas indústrias (Fibria e Internacional Paper) pode ser multiplicado, no mínimo, por quatro", diz o secretário municipal de Finanças, Planejamento e Controladoria Geral, Walmir Marques Arantes. "Hoje só não trabalha no município quem não quer. Três Lagoas não possui déficit de emprego", acrescenta.

Emprego e muito dinheiro - A frase “só não trabalha quem não quer” é um bordão na cidade. Da prefeita ao cidadão mais simples, ela é repetida por todos. Localizada em uma região privilegiada, no centro do Brasil, Três Lagoas conta com indústrias de 16 setores diferentes.

Fibria de Três Lagoas usa tecnologia avançada e é a maior exportadora de Mato Grosso do Sul.
Fibria de Três Lagoas usa tecnologia avançada e é a maior exportadora de Mato Grosso do Sul.

A Fibria de Três Lagoas lidera a lista de exportadoras em Mato Grosso do Sul. Somente em 2011, a gigante do seguimento de celulose (matéria prima para a confecção do papel) vendeu para fora do país o equivalente a US$ 421,286 milhões – representando 10,76% de toda a exportação do Estado. O montante foi 5,35% superior ao exportado pela própria Fibria um ano antes.

Outras duas indústrias instaladas em Três Lagoas também estão entre as 25 principais exportadoras do Estado: a Cargill e a IP (Internacional Paper). Mesmo com a crise econômica mundial, Três Lagoas exportou o equivalente a US$ 649,757 milhões de janeiro a dezembro de 2011, apenas 4,14% menos que no ano anterior.

A unidade de esmagamento de soja passará a partir deste ano a produzir biodiesel. Será a primeira usina de biodiesel no Brasil da empresa Cargill. O investimento é de R$ 130 milhões e a capacidade para a produção será de 200 mil toneladas do biocombustível por ano.

Primeira fábrica construída pela International Paper fora dos EUA produz duas resmas por segundo.
Primeira fábrica construída pela International Paper fora dos EUA produz duas resmas por segundo.

Em operação desde 2009, a IP em Três Lagoas foi a primeira fábrica construída pela International Paper fora dos Estados Unidos. Ela tem capacidade de produção de 200 mil toneladas de papel por ano. Com todo o sistema automatizado, a indústria que recebeu investimentos de U$S 300 milhões (o equivalente a R$ 513 milhões), produz 140 resmas por minuto, ou seja, pouco mais de duas por segundo.

Futuro - O crescimento acelerado de Três Lagoas parece estar longe de chegar ao fim. Segundo a prefeitura, já foram confirmados mais de R$ 12 bilhões até 2014 na implantação de empreendimentos industriais. Teve início a construção da Eldorado, outra gigante no setor de celulose, e estão em processo de implantação a siderúrgica Sitrel e a maior fábrica de fertilizantes do mundo.

É assombroso o investimento, considerando que as indústrias de todo o Estado movimentaram pouco mais que isso ao longo de todo o ano passado: R$ 15,3 bilhões, de acordo com a Fiems (Federação das Indústrias de Mato Grosso do Sul).

A indústria da Petrobras de amônia e uréia, usadas na fabricação de fertilizantes, deverá entrar em operação em abril de 2014, gerando 7.000 empregos diretos na fase de construção e cerca de 500 quando entrar em operação. Serão produzidos 1,25 milhão de toneladas por ano de uréia granulada e perolada e 81 mil toneladas/ano de amônia. O investimento será de R$ 2,2 bilhões.

Eldorado, que está em construção, poderá se tornar a maior fábrica de celulose do mundo (Foto: Assessoria de Imprensa)
Eldorado, que está em construção, poderá se tornar a maior fábrica de celulose do mundo (Foto: Assessoria de Imprensa)
Indústrias de papel e celulose são as principais empregadoras de Três Lagoas.
Indústrias de papel e celulose são as principais empregadoras de Três Lagoas.

Com investimentos de R$ 4,8 bilhões, a Eldorado, que teve a pedra fundamental lançada em meados do ano passado, chegou com a promessa de ser a maior fábrica de celulose do mundo (mas já tem esse título ameaçado pela Fibria, que será ampliada).

Na primeira linha de produção, a capacidade da Eldorado será de 1,5 milhão de tonelada/ano - o que representaria 20% do total das exportações brasileiras de celulose. Os principais acionistas são o grupo JBS (Friboi) e a MCL Empreendimentos.

No segundo semestre deste ano, a unidade deverá ser concluída. A construção da fábrica emprega 7 mil funcionários. Após entrar em operação, serão 3.000 trabalhadores na indústria. A produção da Eldorado será toda exportada - tendo como principais destinos a Europa, os Estados Unidos, o Japão e a China.

As fábricas vêm a Três Lagoas não apenas pela localização geográfica privilegiada ou pelos incentivos de governo do Estado e prefeitura. A oferta de energia é farta, graças a UHE (Usina Hidrelétrica) de Jupiá, com potência instalada de 1.551,2 MW, e mais dois grupos turbina-gerador para serviço auxiliar, com potência de 4.750 KW, além da Usina Termelétrica Luis Carlos Prestes, da Petrobras, com operação em ciclo combinado de 350 MW, e a energia que vem do Gasbol (Gasoduto Bolívia-Brasil), com centro de controle operacional e ramais que atendem postos de serviços de todo o Distrito Industrial.

Malha ferroviária sob domínio da ALL (América Latina Logística) é apontada como o caminho mais fácil e econômico até o porto de Santos
Malha ferroviária sob domínio da ALL (América Latina Logística) é apontada como o caminho mais fácil e econômico até o porto de Santos

Composta por estradas (SP-300, BR-262, BR-158 e MS-295, entre outras), ferrovia e a hidrovia Tietê/Paraná (principal via de navegação situada entre as regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil), a infraestrutura intermodal é responsável pelo transporte das produções até os principais polos de comercialização do país.

Sob domínio da ALL (América Latina Logística), a malha ferroviária percorre o trecho Corumbá-Santos e é apontada como o caminho mais fácil e econômico até o porto de Santos. Três Lagoas conta ainda com um aeroporto municipal com pista asfaltada de 2.050 metros e abastecimento de aeronaves. Além de tudo isso, a prefeitura faz parcerias com as entidades do Sistema S (formado por Senai e Sesi, entre outros serviços de educação e cultura do trabalhador) para qualificar a mão-de-obra.

Prefeita Márcia Moura diz que mora em um paraíso, "mas consciente de que tem muita coisa para melhorar".
Prefeita Márcia Moura diz que mora em um paraíso, "mas consciente de que tem muita coisa para melhorar".

Paraíso com defeitos - A prefeita de Três Lagoas, Márcia Moura, pretende ainda inaugurar um porto seco (um terminal intermodal terrestre para carga de transbordo) e comemora o fato de a cidade crescer sem miséria. “Três Lagoas, graças a Deus, não tem criança pedindo na rua. Você não vê uma criança: ‘tio, posso cuidar da sua bicicleta, posso cuidar do seu carro?’. Não tem. Não temos favela. Você não vê barracão, lona preta”, conta.

“Esses dias me perguntaram: ‘ah, então do jeito que você fala, você mora num paraíso?’ Moro num paraíso, mas consciente de que tem muita coisa que temos que priorizar, correr atrás", prossegue.

Uma das consequências negativas do crescimento acelerado de Três Lagoas está na falta de funcionários e empresas para atender toda a cidade em ramos como limpeza, jardinagem, alimentação e treinamento de mão-de-obra.

Jamil Zaguir perto da placa que mandou colocar naquela que foi "a melhor esquina da cidade em formação".
Jamil Zaguir perto da placa que mandou colocar naquela que foi "a melhor esquina da cidade em formação".

“Está dificílimo conseguir empregada doméstica, por exemplo”, diz a prefeita. A explicação está no fato de as indústrias também oferecerem bons empregos para mulheres, desde costureira a auxiliar de limpeza, com auxílio creche, farmácia e carteira assinada. “Quem abrir um espaço estruturado no setor de serviços em Três Lagoas terá sucesso”, acrescenta a chefe do Executivo.

Com toda essa transformação de Três Lagoas, os octogenários Amélia e Jamil Zaguir deixam o saudosismo de lado e olham com admiração para a cidade. Herdeiros daquela que era “a melhor esquina da cidade em formação” (comprada no século passado por 800 mil réis, o equivalente a 40 vacas), eles são sócios-proprietários de vários imóveis e estão ganhando com o recente boom da industrialização. Puderam aumentar o valor dos aluguéis consideravelmente e mandaram colocar uma placa em frente a uma das lojas: "Esquina dos Irmãos Zaguir - desde 1913". “Toda a cidade está valorizada. Restaurantes, lojas, todo mundo ganha com a industrialização", comemora Amélia.

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