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Arquitetura

Casa que também é ateliê guarda memórias de avó e neta em móveis e agulhas

Paula Maciulevicius | 13/01/2015 08:29
Se os móveis da casa de dona Déa Barbosa Marques Soares falassem, contariam a história dela e da avó Francelina. (Foto: Marcos Ermínio)
Se os móveis da casa de dona Déa Barbosa Marques Soares falassem, contariam a história dela e da avó Francelina. (Foto: Marcos Ermínio)

Em plena região nobre da cidade, o que a casa simpática de cor amarela e portões brancos tem de maior valor é a sua história, impressa em cada móvel ou objeto de decoração. Passado de uma avó especial à neta e agora às bisnetas, além da paixão pelo crochê existe o apego às lembranças, algumas já centenárias.

O Lado B pediu ao ateliê Vovó Francelina que abrisse as portas de casa e mais do que mostrasse os produtos em crochê, que contasse a história de quem vive ali, em um dos poucos imóveis da rua que permanece como residência. Construída em 11 meses, a família que habita no bairro Jardim dos Estados está há quase 40 anos ali, expondo o colorido que nasce da brincadeira das agulhas desde os bancos da varanda.

"A casa é da mamãe, ela está sempre mudando, mas são os móveis dela, que eram da minha avó. Como a família sabe que ela gosta de coisas antigas, em geral, vai presenteando", explica a filha caçula Inez Soares, de 50 anos.

Cadeira e mesinha são dos móveis mais antigos da casa. (Foto: Marcos Ermínio)
Cadeira e mesinha são dos móveis mais antigos da casa. (Foto: Marcos Ermínio)
Parede guarda em fotografias histórias de duas grandes famílias. (Foto: Marcos Ermínio)
Parede guarda em fotografias histórias de duas grandes famílias. (Foto: Marcos Ermínio)
Aparador foi o último móvel herdado. (Foto: Marcos Ermínio)
Aparador foi o último móvel herdado. (Foto: Marcos Ermínio)
A sala tem cara de vó e também de neta. (Foto: Marcos Ermínio)
A sala tem cara de vó e também de neta. (Foto: Marcos Ermínio)

Se os móveis da casa de dona Déa Barbosa Marques Soares falassem, contariam a história do passado da família. Na varanda, as duas cadeirinhas e a mesa redondinha eram onde vovó Francelina e seu Ambrósio passavam as tardes a olhar o movimento da Rua Barão do Rio Branco, à porta de casa que hoje provavelmente deve ter sido ocupada por algum comércio.

Os coloridos bancos que chamam atenção de quem passa na rua são delas. "São coisas que a gente faz e fica no nosso acervo. Se querem, a gente até faz, mas esses? Não vende", explica Inez.

A matriarca da família gosta de preservar a estrutura original da casa que só teve pequenos reparos feitos ao longo das décadas. "A casa foi mudando de cor nos últimos anos, mas sempre mantendo o estilo dela", comenta a filha.

Das lembranças da infância ficaram a distância entre a mão e o estojo de prata. (Foto: Marcos Ermínio)
Das lembranças da infância ficaram a distância entre a mão e o estojo de prata. (Foto: Marcos Ermínio)
O sapo no centro da mesa é o que a dona da cas mais gosta. (Foto: Marcos Ermínio)
O sapo no centro da mesa é o que a dona da cas mais gosta. (Foto: Marcos Ermínio)

O sofá inglês que ocupa a sala foi recuperado pela dona da casa, que junto das mesas, cadeiras e do aparador se perdem no tempo quanto aos anos. Dona Déa calcula oito décadas, as filhas creem que seja mais e assim ela resume "que está mesmo perdido no tempo, mas tem mais de 100 anos".

Aos 79, dona Déa é uma colecionadora de memórias apaixonada pela casa onde vive. O terreno, recorda, foi comprado de Lúdio Coelho à época em que aquela região era apenas o verde do mato. "É uma casa simples, mas de construção muito sóbria. Não tem uma rachadura, uma trinca", apresenta.

Dos 37 anos que mora ali, foi nos últimos tempos que o passado tem batido à porta com maior frequência, presenteando a senhorinha com histórias. "Eu gosto de móveis e objetos de família, gosto muito, mas não que seja a coisa mais importante que eu tenho em casa. Porque o principal são as minhas filhas. Mas tem importância pelas lembranças de quem me deu, são histórias de família, de cada pessoa. Eu gosto muito e tenho muito carinho pelas coisas e pelo que elas me lembram".

Aos 79, dona Déa é uma colecionadora de memórias apaixonada pela casa onde vive. (Foto: Marcos Ermínio)
Aos 79, dona Déa é uma colecionadora de memórias apaixonada pela casa onde vive. (Foto: Marcos Ermínio)

De tudo o que a casa tem, é um sapo verde que fica na mesinha de centro da sala onde está o maior afeto de dona Déa. "É um sapo. Tem gente que acha de mal gosto, mas vou te explicar, quando eu nasci, mamãe tinha este objeto e punha aquele suspirinho dentro. Eu comia e achava que era ovinho do sapo. Coisa de criança", ri de si mesma.

A atenção é dividida entre um estojo de prata que foi da avó e hoje está bem mais fácil de se pegar. "Ele ficava num lugar muito alto e eu não alcançava". A afeição vem da infância, das histórias e lembranças que a própria Déa protagonizou. O sapo que agora ocupa lugar de tanto destaque na casa voltou aos mãos dela recentemente. 

Num cantinho da sala, as fotografias estampam o rosto de duas grandes famílias da cidade: Barbosa Martins e Marques e abaixo delas, a "protetora da casa". Feita por índios a machete, a santa que hoje guarda as chaves de quem chega ou sai, é Nossa Senhora das Dores, datada de 1800.

Cadeiras onde no passado se sentavam vovó Francelina e seu Ambrósio. (Foto: Marcos Ermínio)
Cadeiras onde no passado se sentavam vovó Francelina e seu Ambrósio. (Foto: Marcos Ermínio)
Bancos com detalhe em crochê mostram o colorido da habilidade das agulhas. (Foto: Marcos Ermínio)
Bancos com detalhe em crochê mostram o colorido da habilidade das agulhas. (Foto: Marcos Ermínio)

"Se a minha casa é a minha cara? Eu acho que é. Porque além de eu gostar muito da minha casa, a quero bem. Ela até tem os defeitos dela, que com o tempo a gente vai percebendo que devia ser assim, de outra forma. Mas eu a quero bem e não tenho vontade de mudar não". E não é pelo valor das antiguidades, mas sim pelo enredo.

Tomo a liberdade de dizer que uma das peças da sala traduz o que a casa e a história são para dona Déa. Presenteada com uma mensagem na troca da presidência do Educandário Getúlio Vargas, as palavras são: "a gente corre o risco de chorar quando se afeiçoa".

Por último, pedimos a ela que se sente ao piano que ocupa o ateliê. Onde há muito tempo não saem notas musicais e ela surpreende: "eu não pretendo morrer sem voltar para o piano. Mas e se perguntarem o que eu tocava? Não fala nada".

Ao piano, dona Déa hoje não toca mais. Mas pretende voltar. (Foto: Marcos Ermínio)
Ao piano, dona Déa hoje não toca mais. Mas pretende voltar. (Foto: Marcos Ermínio)
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