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Arquitetura

Construída enquanto ela ganhava bebê, casinha de madeira é relíquia de Catarina

Paula Maciulevicius | 22/12/2015 06:12
Em pleno Jardim dos Estados, casinha de madeira com Variant na garagem é símbolo da história da dona. (Foto: Marcos Ermínio)
Em pleno Jardim dos Estados, casinha de madeira com Variant na garagem é símbolo da história da dona. (Foto: Marcos Ermínio)

O xodó de Catarina carrega muito mais do marido, do que dela. A Variant laranja estacionada na garagem não ganha as ruas da cidade desde 2006, ano em que Leonardo se foi. O portão de casa, de ferro e modelo antigo sugere, de longe, que no bairro Jardim dos Estados, quem usar as palmas como campainha, será recebido por uma avó. Mãe de quatro filhos, avó de oito netos, dona Catarina convida a entrar, confirmando que sua casa tem sim, muita história.

"Moro aqui desde 1965, essa casa tem história, porque meu marido fez especialmente para mim e para o meu filho", resume a senhorinha Catarina Gaona Gimenez, de 75 anos. Nascida na região de Amambai e Paranhos, ela trocou o interior pela Capital quando tinha 20 e poucos anos, veio para cá morar na pousada de um tia, na Vila Carvalho.

"Em 1958 eu conheci a pessoa que viria a ser meu marido, que veio do Paraguai", diz. Até chegar no seu Leonardo, foram muitas as memórias descritas em detalhes. Dona Catarina dizia que era "mocinha de entortar pescoço", rindo, conta como lembra da aparência de jovem.

Catarina teve a casa construída de presente pelo marido, quando ganhava o filho. (Foto: Fernando Antunes)
Catarina teve a casa construída de presente pelo marido, quando ganhava o filho. (Foto: Fernando Antunes)

"Era pequetita, mas menina eu tinha um corpo: 52 cm de cintura e 95 de quadril", lembra. Muito jovem, diz que "arrumou uma criança" e veio para Campo Grande depois que o namorado não quis saber de assumir o filho. "Mas eu sou de mão na enxada, sou forte e disse a ele que vou ser mãe e pai do meu filho", recorda.

A pousada era de um parente de sangue e de cara Leonardo foi uma das primeiras pessoas que ela conheceu lá. "Ele me perguntou: por que você veio sozinha? Eu disse que tinha um motivo que ainda não dava para ver, mas que mais cedo ou mais tarde, ele iria saber".

Catarina foi trabalhar na casa da família Dibo, uma das mais abastadas da época, e quem acolheu a ela e o filho de braços abertos. O enxoval todinho foi comprado pela patroa quando o menino nasceu. Uma das tantas ajudas carinhosas que Catarina conta ter recebido. A conversa vira uma visita ao passado dela, onde a avó não nega sorrisos de quem teve uma vida muito feliz.

Entre as lembranças estão a primeira visita na maternidade quando o filho nasceu. Feita por quem? Leonardo. "Ele foi a primeira pessoa que foi me visitar na maternidade, levou um conjuntinho de short e mini camisa, de homem mesmo", diz.

Palmas são a campainha da casa. (Foto: Fernando Antunes)
Palmas são a campainha da casa. (Foto: Fernando Antunes)
Na foto, ela e Leonardo, o marido. (Foto: Fernando Antunes)
Na foto, ela e Leonardo, o marido. (Foto: Fernando Antunes)
Copa mostra o quanto casinha é a cara da avó. (Foto: Fernando Antunes)
Copa mostra o quanto casinha é a cara da avó. (Foto: Fernando Antunes)

Além do afeto material, Leonardo costumava dizer, quando tinha oportunidade, que de Catarina saía "coisa boa". "Ele falava que eu cheguei com um grande problema e sem saber o que fazer e que eu chacoalhei a poeira e agora estava de pé: firme, forte e bonita". Lembrar as palavras do amado faz ela rir como criança.

O sentimento entre eles nasceu de um atraso. Certa manhã, Catarina perdeu a hora e a tia, dona da pousada, pediu para que o ocupante a levasse, pelo menos até mais perto.

"Eu sentei no cano da bicicileta, ele foi me levar. Quando alcancei a calçada, eu pulei dizendo que ali já estava bom. Ele me perguntou por que eu pulei e disse que estava gostando de me levar. 'Já faz um tempo que te admiro, queria me declarar, mas eu não sei do seu pensamento. Às vezes você está pensando em fisgar um velho rico por aí'".

Em resposta, dona Catarina responde o que falou à época. "Amor é de graça. É o que aprendi desde pequena... E assim foi... Nos entendemos, peguei confiança..."

Os dois foram morar juntos quando ela engravidou do segundo filho, numa casa alugava por 10 cruzeiros. "Quandi ia subir para 15, a gente quis fugir desses 5 e ele comprou esse terreno aqui", explica. Do passado chegamos ao presente: a casinha de madeira.

"O dia que tive bebê, que ganhei, enquanto eu estava na maternidade ele falou: vou fazer uma casa para você", recorda. O material já comprado foi moldado por cerca de 30 amigos paraguaios que trouxeram para a casa a ajuda das mãos. "Ele era uma pessoa muito responsável e muito querida pela nossa raça. Chegou um falando que sabia fazer azulejo, outro pregar tábua..."

A casa mesmo foi terminada em dois meses. Mas o tempo em que ela esteve na maternidade, foi o suficiente para se erguer a tábua que desse para a família se mudar.

"Ele me perguntou: você moraria numa casa de meia água e me explicou que duas águas é quando tem duas quedas de água, quando elas se encontram. Eu disse: moro com você até debaixo do pé de manga e estou aqui até hoje. Fui muito feliz com ele, a gente dava certo..."

A casinha abriga sala, quartos, cozinha e copa, mas o afeto maior está na garagem. A Variant que seu Leonardo deixou. Em 2005, dona Catarina se lembra da manhã em que ele levantou com dores nas costas. Era o pulmão. Por ter fumado desde os 23 anos, o órgão adoeceu.

"Tratamos, mas não adiantava mais... Ele faleceu e eu fiquei viúva", completa.

Sobre o carro, ela só lembra os ciúmes que tinha e o desejo de agora. "Ele cuidava, cuidava e eu brincava que se ele me desse o mesmo chamego que dava para a Variant... Era perfume, comprava fluído, cera..." Agora enferrujada, ela sonha em poder arrumar, nem que seja para ver o carro rodando pela última vez.

Quanto à casa, valorizada na região apesar da estrutura, ela fala que vender não está nos planos. "Não quero me desfazer, é uma coisa de muito valor para mim na minha vida. Se eu vendesse, não ia ter coragem de passar nessa rua. Por que? Por saudades".

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Cuidado se foi, junto com o dono e motorista, falecido em 2006. (Foto: Marcos Ermínio)
Cuidado se foi, junto com o dono e motorista, falecido em 2006. (Foto: Marcos Ermínio)
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