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Arquitetura

Mais velha que a cidade, casa de fazenda é alimentada por história e assombração

Paula Maciulevicius | 09/01/2017 06:10
Fachada da casa vista de avenida movimentada é esta, de muita história e assombração. (Foto: Alcides Neto)
Fachada da casa vista de avenida movimentada é esta, de muita história e assombração. (Foto: Alcides Neto)

Paralela à avenida movimentada, aberta nos últimos anos, está uma casa que se calcula ser mais antiga que a própria cidade de Campo Grande. Da Avenida Professor Heráclito José Diniz de Figueiredo, na altura do Otávio Pécora, o encontro com a estrutura mostra que o lugar já foi história. Ao bater à porta, descobrimos que ela vive até hoje assim, das narrativas de quem já morou ali.

Nos últimos 10 anos, a família de Damião e Sara que habita o que parece uma chácara dentro da cidade. E não o contrário. Sede da antiga fazenda de Otávio Pécora - que depois de loteada deu nome ao bairro - antes deles morou "seu Joaquim" por duas décadas e antes dele, muita gente passou pela região.

"Essa casa a gente calcula uns mais de 120 anos, mais do que a cidade", diz o servidor público, Damião Borges Ferreira, de 55 anos. Este tempo, Damião acumulou contando as histórias de quem diz a ele ter vivido ou visto a casa e também pelos dois pés de manga que morreram sem outra explicação a não ser pelo ciclo natural. 

O tempo que não passa ou que volta ao passado em propriedade rural? (Foto: Alcides Neto)
O tempo que não passa ou que volta ao passado em propriedade rural? (Foto: Alcides Neto)
Apoiada no portal, Sara e os detalhes em azul que são da casa original. (Foto: Alcides Neto)
Apoiada no portal, Sara e os detalhes em azul que são da casa original. (Foto: Alcides Neto)

"Uma vez veio um japonês e me perguntou se podia trazer a família dele que tinha sido criada aqui. Se tiverem vivos hoje, eles devem estar na casa dos 90 anos. Muito emocionada, veio uma senhorinha que já ia voltar para o Japão. Ela disse que queria ver onde se criou, tinha uma noção de que era para esse lado e quando viu chorou e falou: 'vou embora, não volto mais, mas vou levar essa recordação da casa onde vivi", narra.

A estrutura nunca foi mexida. Desde portas e janelas, ao piso e fogão à lenha, tudo parece ser o original da construção e que só o tempo envelheceu.

"Ela é de aroeira, sente..." e Damião bate na madeira. "O forro lá em cima é daqueles largos, ela é alta, se vê...", descreve.

A casa foi arrematada pelo irmão dele num leilão e diante de não ter quem morasse ali, Damião e Sara ocuparam o lugar.

"O que os moradores antigos já contaram é que aqui já teve até um casamento e esta sala que recebeu o padre para conversar primeiramente com a noiva", narra.

Ao passar cerca adentro, os olhos te transportam para uma fazenda ou uma Campo Grande das décadas passadas. (Foto: Alcides Neto)
Ao passar cerca adentro, os olhos te transportam para uma fazenda ou uma Campo Grande das décadas passadas. (Foto: Alcides Neto)
Um dos cavalos da propriedade que habita o celeiro. (Foto: Alcides Neto)
Um dos cavalos da propriedade que habita o celeiro. (Foto: Alcides Neto)
Fogão à lenha está há décadas, quem sabe desde o início na casa. (Foto: Alcides Neto)
Fogão à lenha está há décadas, quem sabe desde o início na casa. (Foto: Alcides Neto)

Para tecer a história que nos conta, Damião procurou documentos e o que encontrou foi a informação de que a casa era sede da fazenda de todo espaço do bairro que pertencia a Otávio Pécora e que também fora reduto dos "baianinhos". De resto, ele junta o que ouve de cada um. A história passada de boca a boca.

"Meu pai, se tivesse vivo, teria 100 anos. Ele passou aqui para levar uma das primeiras vacas que comprou. A saída para a cidade era essa ponte", mostra. E a casa? Estava ali desde então.

Os "baianinhos" também teriam habitado o local. "Foi uma das primeiras pessoas que moraram, era um reduto de uma família grande muito trabalhadora, mas que também roubava e matava. Até que um dia a polícia entrou aqui e matou uma certa quantidade de gente", relaciona.

Para fazer manutenção, os moradores compraram tintas para reformar e reaproveitar as janelas. Mas não pretendem mexer em mais nada. "Aqui também foi uma construtora, e se acha muitos pregos no chão daquela época", alerta.

Da janela lateral, do quarto de dormir. (Foto: Alcides Neto)
Da janela lateral, do quarto de dormir. (Foto: Alcides Neto)
Detalhe está onde pisa. (Foto: Alcides Neto)
Detalhe está onde pisa. (Foto: Alcides Neto)
A beleza no piso ainda resiste. (Foto: Alcides Neto)
A beleza no piso ainda resiste. (Foto: Alcides Neto)

Com o terreno, a casa antes tinha 1,5 hectare e seguia reto até parte do asfalto antes de ser cortado para abrir a avenida. "Aqui tinha uma nascente em cima o córrego nascia aqui em cima tinha aquela roda d’água, a bica passava por aqui e terminava no córrego", conta Damião.

De costas para a rua, a entrada original é do hall onde reza a lenda que o padre atendeu a noiva antes do casamento. São oito peças contando com sala, cozinha, quartos e banheiro.

O que tem de história, a casa também tem de assombrada. Sem o fluxo da avenida, o que se viam era vultos. "Era pisada, mas ninguém entrava, apagava a luz. Ouvia barulho de casa chegando, mas vai ver e não tem nada. Se ouvia constantemente", explica.

O que ele sabe do passado é que na antiga roda d'água, que entupiu depois de construída a vila, é que uma criança morreu nela e por isso se escuta o choro de um pequeno de vez em quando. "Nunca tive medo, mas era um negócio de apagar e acender luz, um atropelo danado", descreve Damião.

As assombrações deram, o que Damião classifica como um 'tempo', depois que a esposa passou a rezar. 

Sara, a moradora que não troca sua casa por nenhuma mansão. (Foto: Alcides Neto)
Sara, a moradora que não troca sua casa por nenhuma mansão. (Foto: Alcides Neto)
No hall de entrada, cadeira da oração. (Foto: Alcides Neto)
No hall de entrada, cadeira da oração. (Foto: Alcides Neto)
Paisagem parece extraída de um passado. (Foto: Alcides Neto)
Paisagem parece extraída de um passado. (Foto: Alcides Neto)

"Foi um desafio, muitos que passavam diziam que não iam aquela casa porque era mal assombrado. As menininhas que hoje são moças aqui do bairro, contam que vinham de bicicleta até metade e voltava. Ela era bem esquisita mesmo, uma coisa sobrenatural, se ouvia muito", descreve a massoterapeuta Sara Borges Corrêa, de 52 anos.

A jovem senhora de fala doce e sorriso aberto, transborda amor ao falar da casa que virou lar. "O que eu mais gosto? São tantas as coisas que gosto... Preciso especificar um?", pergunta. A gente diz que se desse... "Para ser sincera, é a entrada dela, porque me inspira um aconchego muito grande de fora para dentro e de dentro para fora".

O pai de Sara tinha fazenda e por um tempo na infância ela fora criada assim, entre a madeira e o mato. A casa e a natureza. "É algo que faz parte da vida da gente. É o meu respirar. É muito bom a gente morar onde se sente bem e aqui é um lugar que muitas coisas precisam ser arrumadas, mas eu não trocaria, sinceramente, por nenhuma mansão", declara.

O marido embarca na mesma sintonia. "Quando param de passar os carros, você escuta os passarinhos, o barulho da água. Se sente no paraíso. Uma pena se amanhã ou depois o pessoal que comprar venha desmanchar a casa. Talvez seja a casa mais antiga que a cidade", resume Damião.

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Lateral da casa, vista do celeiro. (Foto: Alcides Neto)
Lateral da casa, vista do celeiro. (Foto: Alcides Neto)
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