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Arquitetura

Na 14 de Julho, restaurante tem comida simples e história de trilhos da Noroeste

Paula Maciulevicius | 09/12/2013 06:19
O que os olhos veem, enxergam mais que um restaurante, uma parada do trem. (Fotos: Marcos Ermínio)
O que os olhos veem, enxergam mais que um restaurante, uma parada do trem. (Fotos: Marcos Ermínio)

Para entrar no restaurante é preciso passar pelos trilhos do trem. A placa na rua 14 de Julho, que alerta ao motorista ou pedestre, faz a brincadeira: “Pare, olhe, entre e experimente”. A estrutura é de janelas de madeira e tijolinho à vista. Ambiente simples, mas carregado de história, que em cada portal, conta através dos objetos, um pouco do que era a ferrovia. Do que um dia foi a Noroeste Brasil.

Seja pela nostalgia que sente até quem nunca de trem andou, ou pela simplicidade do lugar, e da comida é quase que possível a sensação de ter voltado no tempo. O que os olhos veem, enxergam mais que um restaurante, uma parada do trem. Como se há qualquer momento, a locomotiva apitasse, avisando que está para chegar.

Maquinista até a privatização da ferrovia, Rodolfo Reggiori Filho, de 61 anos, é o dono do imóvel e de parte daquela história. Depois de se aposentar, em 1996, comprou a casa onde morava e a do lado no leilão federal, que pôs a venda tudo o que um dia pertenceu aos trilhos do trem. Fez das duas casas, uma só, e em 2005 abriu o NOB Espetos, marca que registrou e patenteou, “Noroeste Brasil”. “Daqui pra cá é minha casa, deito e levanto no serviço”, brinca. O restaurante oferece espetinhos, porções de carne, peixe e comida oriental.

Com o sinalizador em mãos, Rodolfo lembra que o trabalho era artesanal, mas eram poucos acidentes.
Com o sinalizador em mãos, Rodolfo lembra que o trabalho era artesanal, mas eram poucos acidentes.

A profissão de maquinista sempre dividiu espaço com os bicos, quando o tempo permitia. Para criar os filhos, foi garçom e para complementar a renda pós aposentadoria, decidiu voltar às bandejas e abriu o espetinho.

“Fomos abrindo um puxadinho e foi dando certo. Trabalha eu, esposa, duas filhas, genro, sobrinho, cunhada, a família toda”, diz. Juntando familiares e agregados, são 15 pessoas, de segunda a sábado.

Durante três décadas ele morou na casa, ao mesmo tempo em que era maquinista na ferrovia. À época, as residências eram dadas para quem prestava serviço de emergência, em troca, se pagava uma taxa quase que simbólica.

“A frente é para cá, para a esplanada, pode ver que as janelas eram para a ferrovia, não existia a 14 como rua. Só existia a esplanada”, conta.

As únicas mudanças que fez foi quebrar o muro que separava as casas e fazer a cobertura, mas isso, ele garante que foi antes de o prédio ser tombado como patrimônio histórico.

Em cada portal da janela, estão os objetos dos vagões e da própria esplanada. O telefone que acompanhava o maquinista, que para ligar na matriz precisava do auxílio de duas antenas, o macaco para reparar eventuais danos e o lampião que sinalizava, até um carimbador de bilhete de 1800 é enfeite do local.

“Quando privatizou, a empresa vendeu por R$ 0,20 o quilo. A ferrovia tem história que nunca acaba, mas não tem quem conta. Quando cliente pergunta, eu falo, mas aí a família fica brava que eu deixo de trabalhar para contar”, brinca.

‘Seu’ Rodolfo confessa que não tinha raízes na ferrovia e que encarava as viagens nos trilhos como mais um trabalho. Não veio de uma família de maquinistas, e nem tampouco de quem viveu nos vagões de trem. Mas abrir as portas da casa e manter as características de ferrovia lhe fez mudar de ideia.

“Pare, olhe, entre e experimente”, avisa placa.
“Pare, olhe, entre e experimente”, avisa placa.

“Hoje eu tentei conhecer a história. Quero colocar banners aqui com fotos contando, passar vídeo, quero contar a estação ligação, por exemplo. Sabe porque ela chamava assim? Porque ela encontrou dois trilhos, que vinha de Corumbá para cá e de Bauru para cá. Cada casa tem uma história e ninguém liga para isso”, desabafa.

O lampião de sinalizar, apontava as cores verde, vermelha e amarelo. O ex-maquinista explica que o operário sabia muito bem diferenciar de longe os sinais. “Hoje tem GPS, mas mesmo tendo todo esse trabalho de antes, não tinha acidente. Era tudo artesanal”, relembra.

O aparelho de staff servia de roteiro ao maquinista. O trajeto era descrito em barras de ferro e entregue nas mãos do funcionário. Ali estava a autorização para circulação, a licença de viagem. “O agente entregava isso e tinha escrito até onde era para a gente ir. Dali não podia passar”, resume.

Os trens que passaram um dia por ali viraram prato no cardápio do restaurante, em uma porção mega que serve picanha, bisteca suína, bovina e frango. A mistura leva o nome de “Trem Maluco”, só um dos exemplos do que a casa tem a oferecer ao paladar.

O churrasquinho é o carro-chefe, mas a casa também tem o clássico Frango a Passarinho e a costelinha de pacu, a R$ 13,00 a porção.

“De tão simples que era, permanecemos com tudo. A simplicidade e as características da ferrovia, esse é o meu diferencial, isso é um patrimônio histórico. Tem trilho de trem aqui de 1908. É uma vida toda, que tem uma história para contar e hoje eu me sinto grato por ficar aqui”.

O NOB Espetos funciona na rua 14 de Julho, após a feira e abre de segunda a sábado, a partir das 17h.

Cada portal, conta através dos objetos, um pouco do que era a ferrovia. Do que um dia foi a Noroeste Brasil.
Cada portal, conta através dos objetos, um pouco do que era a ferrovia. Do que um dia foi a Noroeste Brasil.
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