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Arquitetura

A cara nova de 80 anos de história: Vila dos Ferroviários recebe banho de tinta

Paula Maciulevicius | 07/12/2011 21:27
Vila dos Ferroviários terá em um mês história de décadas repaginadas nas fachadas das antigas casas. (Foto: João Garrigó)
Vila dos Ferroviários terá em um mês história de décadas repaginadas nas fachadas das antigas casas. (Foto: João Garrigó)

História é o que não falta na pequena rua de paralelepípedos. O charme das casas antigas, poucas ainda originais, remete quem passeia por ali a uma viagem no tempo, feita de trem pelos trilhos da Noroeste. A rua Dr. Ferreira, na Vila dos Ferroviários, tem em cada uma das 58 casas, 80 anos de história que estão prestes a ser repaginados.

Uma das mais antigas moradoras está ali há 43 anos. E quem pensa que a vizinhança composta de ex-ferroviários são viúvas, se engana. Quem ainda ficou dos tempos da Noroeste, a maioria são mulheres divorciadas de ferroviários aposentados.

Dona Iná dos Santos Pereira tem 74 anos. Passou metade da vida morando na Vila. Hoje separada do marido, ela criou os quatro filhos na casa. A pintura está por vir e mesmo com toda a movimentação da tarde desta quarta-feira, ela continuava os afazeres de casa, nem saiu lá fora para ver o que acontecia. Conversou com o Lado B do portão para dentro, nas mãos, roupas que apanhava do varal.

Uma das mais antigas moradoras, de lá ela não sai e comemora o fato de ter a casa novinha. (Foto: João Garrigó)
Uma das mais antigas moradoras, de lá ela não sai e comemora o fato de ter a casa novinha. (Foto: João Garrigó)

“Era cinza antes, vai ficar bom, escolhi dos tons pasteis”, diz sobre a nova cor que a casa vai ganhar.

Morar ali, em plena região central e ter na porta de casa um movimento típico das antigas vilas não tem preço e dona Iná sabe disso. “Aqui era importante naquele tempo, por causa do trem. Eu lembro que tinha muito barulho”.

Ter a casa novinha em folha é motivo de orgulho e representa permanência no local. “Para bem dizer eu passei o tempo todo aqui e agora que estou mais para lá do que para cá, eu quero ficar aqui”, brinca.

Para os que se recordam dos trilhos do trem ou ouviu histórias da estação ferroviária, um passeio pela Vila é convidativo aos ouvidos. Ao ver a arquitetura das casas é quase possível escutar o trem chegando ou partindo.

Mesmo com a estação já desativada, a simpática senhora que atende pelo nome de Zoraide Rodrigues Marques lembra até hoje do som.

“O barulho de trem no fundo. O clube Noroeste que tinha baile nas sextas e nos sábados. Era bom, ter lembrança é bom. Não tem mais barulho de trem, esse som era que acordava a gente e a casa toda chacoalhando”, recorda.

Dona Zoraide tem 61 anos, 25 deles vividos na Vila. Questionada sobre o que sente ao ver a casa que já é tombada como patrimônio histórico, passar por uma nova pintura ela responde “muito bom. Nem me fale. Criei meus quatro filhos aqui e a casa sempre teve um significado histórico”, relata.

Sorridente, Zoraide lembra até hoje do barulho do trem passando pelos trilhos. (Foto: João Garrigó)
Sorridente, Zoraide lembra até hoje do barulho do trem passando pelos trilhos. (Foto: João Garrigó)

A casa dela está sendo a primeira a tomar forma e cor, vai ficar branquinha. O projeto que vai pintar as 58 casas da rua tem no nome quase um trocadilho “Tudo de Cor”. Lançado nesta quarta-feira, a pintura será finalizada em um mês, informam os coordenadores.

O programa é realizado em parceria com a Coral Tintas, prefeitura de Campo Grande, Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e Fundação de Cultura. O que se quer é trazer de volta a beleza do que já foi e ainda carrega muita história.

“Queremos que o pessoal venha não só na feira, mas olhe para cá como ponto turístico, tem casas que ainda tem a fachada original”, comenta o diretor-presidente da Fundac, Roberto Figueiredo.

Os passos para se chegar à pintura da casa da dona Iná e da Zoraide foram dados de forma legalizada. Todos os moradores foram consultados e tiveram a permissão do Iphan. A cor das casas segue os tons pasteis, mas a vizinhança entre cores já selecionadas, puderam escolher.

“O cuidado não é apenas com as cores, também a arquitetura aplicada em função do período histórico. O projeto foi muito bem aceito, quem não gosta de ter a casa revitalizada?”, pergunta o chefe de divisão do Instituto, André Luiz Rachid.

Os capítulos que compõem a narrativa da Vila vêm do tempo em que a Noroeste era estatal. A Vila foi cedida para abrigar os funcionários da rede ferroviária e por conta disso seguia um padrão. Com a privatização, muitas das casas foram a leilão e nem todos ali são ex-ferroviários.

Descalços, meninos brincam em Vila que tem 10 vezes a mais do que a idade deles. (Foto: João Garrigó)
Descalços, meninos brincam em Vila que tem 10 vezes a mais do que a idade deles. (Foto: João Garrigó)

“Através da construção da ferrovia que o desenvolvimento econômico, social foi trazido. Se hoje você toma tereré e come sopa paraguaia, aí teve influência da Noroeste”, ensina o chefe de divisão do Iphan. Ainda usando as palavras do representante do Iphan, o projeto vai trazer hegemonia à região.

As casas aos poucos foram perdendo as características. Reforma daqui, puxadinho dali. E no meio de duas com a fachada que guarda um pouco do original, o Lado B encontrou Rosana Rodrigues dos Santos, 41 anos. Dona de uma casa que em nada se parece com as demais, ela recebeu a equipe e contou um pouco de sua história.

Na fachada portão preto e tijolos de cerâmica. A casa quase não vai ser beneficiada pelo projeto. Segundo a dona, apenas o portão todo fechado que é preto, será pintado.

“Eu não lembro como era antes, mas com certeza era tudo igual. Dos anos 80 para cá que foram modificando.

Recém casada Rosana mudou para a região em 1986 e a impressão não foi das melhores. “Quando eu vim pensei, deve ser horrível. Você sentia uma vibração quando o trem passava. Os quartos da casa são na frente, mas era legal sabe? Eu gostava do barulho, de sentir o trem passando aqui no fundo”. A lembrança trouxe ao rosto um sorriso de quem se lembra com saudade.

O desejo dela é além da pintura das casas. “Eu acho aqui bonito, é a história que nasceu junto com a cidade e seria bom se voltasse ao original”, finaliza.

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