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Artes

Anônimo do São Francisco, Dailton vive ao lado de 2 cães e rodeado por santos

Paula Maciulevicius | 28/12/2015 09:34
Madeira "roxinha" está dando vida ao índio. (Foto: Fernando Antunes)
Madeira "roxinha" está dando vida ao índio. (Foto: Fernando Antunes)

No portão da casa da rua que nasce da rotatória, quem recebe as visitas são dois cachorros. Negrinho e Roque não deixam o dono em hora nenhuma. O sentimento parece recíproco quando Dailton diz que passou o Natal em casa sozinho com os cães porque um deles estava doente.

No corredor até a casa, o ateliê improvisado exibe a obra a ser esculpida: um índio em madeira roxa. "Esse eu estou começando a fazer, é pesado", diz. Dailton Rodrigues Vasques tem 66 anos de idade, o último deles marcado por várias idas ao hospital. Depois de um tumor, teve de fazer uma cirurgia no coração. Mas nada que abale as mãos do artesão.

"Especialista" em imagens de São Francisco e Nossa Senhora Aparecida, seu Dailton explica que foi neles que se aperfeiçoou e que a lógica de esculpir é inversamente proporcional. Quanto menor a obra, maior o trabalho. Entre os São Francisco, ouviu o pedido para fazê-los menores e precisou explicar.

As ferramentas de trabalho de quem esculpe em mínimos detalhes. (Foto: Fernando Antunes)
As ferramentas de trabalho de quem esculpe em mínimos detalhes. (Foto: Fernando Antunes)
Dailton se especializou neles: imagens de São Francisco. (Foto: Fernando Antunes)
Dailton se especializou neles: imagens de São Francisco. (Foto: Fernando Antunes)
Nossa Senhora passa na frente da preferência do artista. (Foto: Fernando Antunes)
Nossa Senhora passa na frente da preferência do artista. (Foto: Fernando Antunes)

"Já dá um trabalhão fora do sério fazer o grande. O que é difícil? É pintar o olho... Quer saber como chego na cor do manto? Eu misturo preto e vermelho. Com essas duas cores dá para fazer a cor que você quiser", ensina. A Santa Edwiges que espera ser fotografada, também espera ser finalizada. "Essa parte ainda falta terminar a coroa, preciso pintar de amarelo. Nessa trabalhei só com o formão, segurando o livro e fui fazendo", descreve as três últimas semanas que passou lapidando.

Com raros detalhes, às vezes da coroa, as peças do artesão são feitas de uma só madeira. Esculpidas desde o grosso até os mínimos detalhes. As mãos que hoje trabalham em santos já passaram por solos, venda de tratores e a marcenaria, ofício que serviu de porta de entrada para as Artes. Foi à convite de um vizinho, em 1979, que ele conheceu o trabalho em madeira. De início não sabia, mas de fato, nasceu para entalhar peças.

"Eu não sabia mexer com isso. Nunca tinha visto, mas comecei... Entalhava móveis para Alemanha e Japão, portas, depois do governo Collor, ficou tudo muito caro e acabou essa venda", conta. A transição da marcenaria para o artesanato, foi como atravessar uma rua, guiado por "alguém", na década de 90.

"Numa quarta-feira eu fiz aquele Jesus Cristo que está lá na parede. Quando meti o formão nele, minha mão sangrou e da onde que vai sangrar a mão se você não pega no corte? Aí menina eu peguei e me apavorei. Contei para a minha irmã que estava aqui e ela disse: ele vai te abençoar", lembra Dailton. A ele, o sentimento era outro: "ele vai é me castigar".

Em casa, Dailton é rodeado por santos. (Foto: Fernando Antunes)
Em casa, Dailton é rodeado por santos. (Foto: Fernando Antunes)
Nos detalhes estão os maiores trabalhos. (Foto: Fernando Antunes)
Nos detalhes estão os maiores trabalhos. (Foto: Fernando Antunes)
De onde vem a inspiração? De cima, prefere dizer. (Foto: Fernando Antunes)
De onde vem a inspiração? De cima, prefere dizer. (Foto: Fernando Antunes)

Passado dias, o artesão descreve a cena que o "coroou", de vez, como artista. "Quando escureceu, veio uma luz aqui, assim, para mim. Veio de lá, na frente de casa, nossa eu me apavorei. Achei que era a Florestal vindo, porque na época eu criava muito passarinho, mas não. Era só uma luz", recorda. O episódio foi contado para a mesma irmã. "Ela me disse: então ele te iluminou. E olha, de lá para cá eu comecei a trabalhar com mais perfeição".

O pouco que expõe, em mostras, pela cidade, sempre ouve elogios. "As pessoas falam que nunca viram um trabalho como o meu, que não sabem o que eu faço, que já tem mais de 40 anos de trabalho", repete. Dailton conta o caso sem contar vantagem. É modesto das vestimentas ao espírito.

De onde vem a inspiração? Vem "de cima", prefere dizer. "Se eu falar que eu vi uma vez um rapaz esculpindo alguma coisa, eu estou mentindo para você. Chegou uma vez um rapaz aqui me pedindo para ensinar, eu passei, ele era mais novo do que eu. Começou a bater e deu cinco minutos, ele disse que cansou", conta.

Filho de ferroviário, a primeira obra foi feita aos 12 anos. Quando menino, Dailton ajudou a fazer uma casa perto da Santa Casa, do chão ao telhado.

Sobre os detalhes, em especial quando trabalha em imagens menores, o artesão diz que é Deus que o ajuda. As peças de Dailton são encontradas na Casa do Artesão, mas boa parte delas saem por encomenda. "Se falar que artesão é rico, é mentira. Artesão é pobre, mas eu não tenho vergonha de falar isso para você. Eu teria vergonha de falar se eu fosse ladrão. Mas sou muito honesto, simples e sou muito humilde.

Eu não desejo mal para ninguém, não tenho inveja de ninguém, não tenho orgulho e não sou egoísta. Se eu pescar 2, 3 peixes, 1 é seu".

E por que o anonimato? Seu Dailton não assina as peças que produz com essa justificativa. "Porque sou anônimo. Eu só chego, faço minha obra e peço a Deus que dê proteção através da imagem. Entre os escultores, sou o que está começando agora, não sou melhor que aquele que está pegando no formãozinho agora. Eu faço porque gosto de fazer. Para me engrandecer? Não. De jeito nenhum", frisa.

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Essa é uma sugestão de pauta do amigo e leitor, Edmar Neto.

Sua companhia são os dois cachorros. (Foto: Fernando Antunes)
Sua companhia são os dois cachorros. (Foto: Fernando Antunes)
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