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Artes

Aos 100 anos, pai do clã mais famoso de MS pede desculpas por não ter feito mais

Ângela Kempfer | 04/02/2016 06:45
Francisco em casa, na região metropolita de Florianópolis.
Francisco em casa, na região metropolita de Florianópolis.

O senhor de 62 quilos surge impecável na porta do apartamento em São José (SC), com um sorriso doce, contido. De cara fico emocionada ao ver que é o mesmo sorriso dos filhos que deixou em Mato Grosso do Sul. Mas as semelhanças são apenas físicas, adverte o pai do clã mais famoso do Estado.

Francisco Espíndola Neto não canta, não pinta, não toca...só dança, mesmo prestes a completar 100 anos. Já foi até campeão em antigas competições realizadas em Campo Grande. Hoje, os principais movimentos são no Pilates, 3 vezes por semana. Completa a sequência de exercícios antes mesmo da esposa, 20 anos mais nova. “Faço aniversário no dia 25 de julho, mas tenho uma tradição. Todo o ano, desde o dia 25 de janeiro, já me considero com idade nova. Então, já tenho 100 anos”, avisa.

É pai de "sumidades", classifica orgulhoso ao falar de Humberto, Geraldo, Tetê, Celito, Alzira e Jerry, todos artistas que dispensam apresentações por aqui. Não esquece de Sérgio e Valquíria, frutos do primeiro casamento, e de Tânia e Franklin, filhos de Maria Izabel, a companheira dos últimos 40 anos.

Diz ser tão velho que conviveu com nomes que hoje são ruas em Campo Grande, como Filinto Muller. Também chegou a ser convocado para a 2ª Guerra Mundial, mas acabou dispensado graças ao pedido feito pelo ex-sogro a Dom Aquino, em pessoa.

Depois de tanta vida, a memória é surpreendente, aparece em detalhes e datas, nas histórias até do batismo na cabeceira do Rio Apa. Vaidoso, faz questão de mostrar que a maioria dos dentes é "original", prova que lê sem óculos e só reclama da audição, perdida há dois anos em um dos ouvidos.  "Me sinto bem diante da idade. Enterrei todos os meus 11 irmãos", diz.

Jura que nunca falou sobre os sentimentos guardados, mas com tanto tempo na ativa, agora não parece ter problemas com longas conversas sobre o passado, inclusive, com um pedido de desculpas aos 8 filhos do primeiro casamento. “Acho que não fiz muito pelos meus filhos, queria ter feito mais. Só participei mesmo da infância. Deixei todos com a mãe, uma grande mulher, e fui viver outra vida. Acho que fui omisso”, lamenta.

O antes e depois de um homem que completa 100 anos no dia 25 de julho.
O antes e depois de um homem que completa 100 anos no dia 25 de julho.

O pai saiu de casa depois que o caçula Marcos Jerônimo nasceu, nome oficial de “Jerry Espíndola”. 

Ele prefere não falar os motivos da separação de Alba Miranda, a primeira esposa. Só quer lembrar do encontro em um baile promovido pelo Circulo Militar, na época em que o moço precisava convidar o pai da pretendente para garantir a presença da filha e a parceira de dança. “Era linda. Fiquei envolvido pela beleza. Começamos a namorar, daí a gente foi catar guavira e quando voltou ela contou para o pai tudo que a gente tinha feito. Tive de casar”, ri.

Os filhos vieram em escadinha, todos com nomes compostos, para evitar brigas. “Ela queria batizar em homenagem a algum parente dela, mas quem registrava era eu e metia um nome da minha família também”, conta.

Por isso, a lista tem Humberto Augusto, Valquíria Patrícia, Aécio Sérgio, Geraldo Cristóvam, Terezinha Maria, Marcelo Ricardo, Alzira Maria e o Marcos Jerônimo, gente desconhecida para o público. “Não gosto de apelidos. Um dia cheguei na casa do Celito e perguntei se era ali que o Marcelo Ricardo morava. Disseram que nunca tinham conhecido nenhum Marcelo. Já pensou?”

Francisco diz que até pensou em cursar Direito no Rio de Janeiro, mas depois de matriculado mudou de ideia por princípios. "Sempre achei que advogado é ladrão autorizado", justifica. Ganhou a vida como funcionário de cartório, servidor público do Estado, prestando serviços de contabilidade e consultoria às prefeituras, mesmo depois de aposentado.

Por isso, diz nunca ter cobrado um diploma dos filhos, nem se incomodou quando eles começaram a mostrar interesse pela arte. "Nunca liguei para essas besteiras. Eles fizeram tudo o que quiseram e com talento".

O olho brilha quando conta um das primeiras boas surpresas na família. "O Humberto queria fazer um quadro pra mim e pediu para eu contar a história de dois bois que eram dodóis meus no engenho, o Recreio e o Bonito. Um era folgado e deixava a conta toda para o outro. Não lembro de ter dado muitos detalhes, mas um dia ele chegou em casa com o quadro pronto. Fiquei pasmo. Eram idênticos. Fiquei tão feliz que ele até chorou", lembra.

Geraldo surge em seguida na memória do pai. "A Valquíria queria um violão quando completou 15 anos. Eu dei, mas ela nunca teve interesse no instrumento. Deixou lá em cima do guarda-roupa. Um dia, chego em casa e vejo o Geraldo tocando, tão bem que parecia ter feito curso, mas não, aprendeu sozinho mesmo, ele e o Sérgio. Pegou o violão da irmã e nunca mais soltou". 

Na máquina de escrever responsável pelo livro de memórias.
Na máquina de escrever responsável pelo livro de memórias.

Quando algum fato escapa, a companheira Maria Izabel entra na conversa para preencher as recordações de Francisco. "Ela sabe mais da minha vida do que eu", comenta o marido.

Namorador, fogoso e aventureiro, como ele mesmo se define, o início da relação dos dois foi turbulenta. Francisco ainda era casado quando encontrou Maria em Cuiabá, em uma de tantas temporadas de trabalho fora de Campo Grande. "Foi amor a primeira vista", garante.

Ao voltar para cá, deixou a namorada grávida em Mato Grosso. "Eu não sabia que ele era casado. Tanto que depois me contou que o dia que me conheceu tirou a aliança e colocou no bolso, para eu não saber".

Expulsa de casa pela família conservadora, a então enfermeira foi em busca de apoio do namorado em Mato Grosso do Sul e acabou descobrindo o pai de 8 filhos. Tânia, a mais velha do segundo casamento, só conheceu os Espíndola na adolescência. "Fui a um show do Geraldo e nos conhecemos. Era engraçado, porque eu olhava para o Celito e via minha cara nele, olhava para o Geraldo e via a mesma coisa", lembra Tânia, mais uma a comprovar na aparência o sangue forte de Francisco.

O tempo apagou qualquer magoa.

Anos depois da separação de Alba, Francisco procurou Maria e a enfermeira, já independente e com prestígio profissional, o acolheu para cuidar e amar, como é até hoje.

Na cozinha, ela mostra potes e mais potes de cereais e as receitas feitas todos os dias para a saúde do marido. Durante a entrevista, ela aparece com guaraná em pó, mais um cuidado para o esposo.

Em outro cantinho da casa, nosso centenário coloca o papel na máquina de escrever para mostrar onde surgiu seu livro de memórias, publicado no aniversário de 90 anos, todo datilografado por ele. Nas 79 páginas, fala desde a chegada dos Espíndolas italianos ao Brasil, por Santa Catarina, lugar para onde voltou em 2005, depois da recomendação de um cardiologistas, sobre os benefícios de uma cidade perto do mar. Também exibe os filhos famosos, em fotos de shows. 

Para os 100, a festa promete ser a maior. De 10 em 10 anos, os aniversários eram comemorados em Campo Grande, com casa cheia e até baile show ao som dos amigos Paulo Simões e Dino Rocha. Mas com a idade, o pai não aguenta mais as longas viagens. O último foi aos 90, depois de um dia na estrada. Então, ele espera os dez filhos reunidos agora em São José. "A gente queria até que o Almir (Sater) viesse. estamos esperando", anuncia Maria Izabel.

Para o aniversariante, o encontro certo e carinhoso, registrado em fotos espalhadas pelas paredes do pequeno escritório, é a prova de que, apesar da distância do passado, os filhos o consideram um bom pai. "Eu achava que não tinha sido bom, mas quando vejo todo mundo reunido, começo a achar que fui mesmo um bom pai", comenta.

Sobre o tempo, Francisco diz que queria mais energia e diz que tem recebido ajuda de São Francisco nessa caminhada de dias cada vez mais cansados.

A felicidade volta em outra lembrança, do encontro com amigo que sentenciou: "Essa família nunca vai acabar!", comentando sobre a maioria masculina entre os netos. "E não vai morrer muito cedo mesmo, tenho 32 netos e 11 bisnetos. A maioria homem, que vai levar o sobrenome Espíndola adiante", ri.

Em São José, na região metropolitana de Florianópolis, com a filha Tânia e a esposa Maria Izabel.
Em São José, na região metropolitana de Florianópolis, com a filha Tânia e a esposa Maria Izabel.
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