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Artes

Da menina que o pai nunca proibiu de fazer "arte" à dona das estátuas de MS

Paula Maciulevicius | 21/02/2015 07:47
A força que ela gasta para erguer as esculturas vem da mesma menina que aos 9 anos fazia arte em barro. (Foto: Marcos Ermínio)
A força que ela gasta para erguer as esculturas vem da mesma menina que aos 9 anos fazia arte em barro. (Foto: Marcos Ermínio)

Aos 89 anos, uma felicidade que a gente nem quer saber vem quando uma escultura fica pronta. As mãozinhas e até mesmo o corpo já frágil não são capazes de tirar o brilho dos olhos de uma artista que nasceu com talento, mais que isso, com dom de esculpir. 

Numa visita à Corumbá, era óbvio que não poderíamos deixar de passar na Art Izu, oficina e lar da artista Izulina Gomes Xavier. Os passos dela hoje já estão mais lentos, a cabecinha nem sempre acompanha a rapidez com que as histórias lhe vem à mente. Recuperada de um princípio de AVC, dona Izulina nos recebe com um sorriso no rosto e até com convite para almoçar.

Piauíense autodidata, se mudou para Corumbá quando o marido veio trabalhar na fábrica de armamento. Era época de guerra. Mãe de três filhos homens e uma mulher, o futuro reservado a ela não deveria fugir muito de ser dona de casa. Mas as mãos queriam mais. Moldar, trabalhar, brincar, esculpir, criar.

Como promessa, estátua de São Francisco de 3,5 metros ocupa jardim. (Foto: Marcos Ermínio)
Como promessa, estátua de São Francisco de 3,5 metros ocupa jardim. (Foto: Marcos Ermínio)
Trabalhos começaram entre anos 70 e 80 com madeira e cerâmica. (Foto: Marcos Ermínio)
Trabalhos começaram entre anos 70 e 80 com madeira e cerâmica. (Foto: Marcos Ermínio)
Até que a criatividade a oportunidade a levassem ao concreto. (Foto: Marcos Ermínio)
Até que a criatividade a oportunidade a levassem ao concreto. (Foto: Marcos Ermínio)
Na parede de varanda da casa, o retrato da família. (Foto: Marcos Ermínio)
Na parede de varanda da casa, o retrato da família. (Foto: Marcos Ermínio)

A casa dela todo mundo conhece, assim como a história. Dona Izulina dispensa apresentações. Da menina a qual o pai nunca proibiu de fazer arte à dona das estátuas do Estado, os primeiros trabalhos já começaram com uma certa idade, na década de 80, de início com a madeira, cerâmica até chegar no concreto.

Sua casa, no Centro de Corumbá guarda a primeira escultura em concreto, fruto de uma promessa feita a São Francisco de Assis, de que depois de quebrar o braço em dois lugares, se ele a curasse, o tamanho de sua fé seria medido na altura. A estátua do jardim tem 3,5 metros de altura.

A casa onde mora há quatro décadas abriga Izulina e as estátuas. Art Izu tem desde a passagem das escrituras, a Via Sacra, no muro, tal qual aquela reproduzida na cidade de Corumbá, como também os pilares da antiga oficina onde estão representados os quatro homens de sua vida: o marido e os três filhos.

Entre as homenagens ao longo da casa, no ateliê, no corredor, na varanda, nos fundos e na oficina, estão Preto Velho e a mãe de leite, figuras do velho caseiro que ela teve na infância, mestre sala e porta bandeira, o desbravador da região de Corumbá, Marechal Cândido Mariano Rondon, além da história da Cidade Branca desde Mato Grosso pelas paredes e ainda, por duas vezes, a reprodução fiel à toda sua família. Na primeira escultura, feita na parede do corredor que dá acesso à varanda, 15 componentes, na última, ao fundo da casa, 24, mas ainda faltam netos e bisnetos que chegaram mais tarde.

Entre as homenagens prestadas em sua casa, está a Via Sacra. (Foto: Marcos Ermínio)
Entre as homenagens prestadas em sua casa, está a Via Sacra. (Foto: Marcos Ermínio)
Na antiga oficina, os pilares viraram os quatro homens da vida de Izulina. (Foto: Marcos Ermínio)
Na antiga oficina, os pilares viraram os quatro homens da vida de Izulina. (Foto: Marcos Ermínio)

O começo das obras diz muito sobre quem dona Izulina é e o que molda de si, pelas mãos, nas esculturas. A primeira mesmo, entre o final dos anos 70 e início dos 80, é ainda em madeira. "Aquela ali era uma índia, a Anita, mulher de um índio que ajudava a gente na fazenda. Quando ficou grávida, ela não usava roupas porque apertavam e doíam a barriga e todo serviço que ela ia fazer, não de casa, mas lá fora, era nua. Eu ficava tão incomodada, nunca tinha visto ninguém andar assim", lembra.

Izulina então pediu ao marido que falasse a respeito das vestimentas com o marido de Anita. "Ele deu um adiantamento para ele comprar roupas, mas não adiantava, ela não usava e também não botava mais o pé na rua". Até que numa necessidade, Anita saiu de casa, o que fez com que o marido a quisesse levar de volta para sua tribo de origem.

Na caminhada, Anita teve o bebê na mata, ficou só até o marido retornar à fazenda e busca ajuda. "Ela teve a criança no caminho, trouxemos para a maternidade e um belo dia, sumiram os dois com o bebê. Foi a primeira escultura que fiz de um toco de madeira que estana na oficina. Ela era sozinha como eu quando vim para cá, não tinha ninguém, só o marido e eu queria bem à índia", explica Izulina.

Anita, inspirada em índia, foi a primeira escultura da artista. (Foto: Marcos Ermínio)
Anita, inspirada em índia, foi a primeira escultura da artista. (Foto: Marcos Ermínio)

A força que ela gasta para erguer as esculturas vem da mesma menina que aos 9 anos fazia arte em barro na beira do rio. Para hoje, Izulina apenas aperfeiçoou a técnica, mas continua a mesma sonhadora quando foi criança. Ela quem faz a base de todo concreto, mas tem a ajuda de quem ajeita os ferros para o desenho ir tomando forma.

Até hoje as obras não tem um planejamento específico. Pode-se dizer que são fruto dos pensamentos de uma senhora a São Francisco e muito religiosa, ou grata pela história que viveu.

"O que aconteceu para eu saber? Aconteceu que ninguém nunca me proibiu. Eu queria e estava feito, ia mexer com barro e dali nasceu, eu desenvolvi esse lado. Meu pai não me proibia, ele elogiava".

Dona Izulina também é autora de músicas e de vários livros de romance, poesia e história infantil. E descreve a si própria nos versos "Já fui muito feliz. E nada me impede, com tudo o que eu passei, de eu ainda ter a minha felicidade. De vez em quando eu me descubro voando, feliz da vida. Uma sensação tão boa, tão gostosa... Quando eu consigo terminar uma escultura que eu gosto, eu fico numa felicidade que você não queira nem saber".

Numa visita à Corumbá, era óbvio que não poderíamos deixar de passar na Art Izu, oficina e lar da artista Izulina Gomes Xavier. (Foto: Marcos Ermínio)
Numa visita à Corumbá, era óbvio que não poderíamos deixar de passar na Art Izu, oficina e lar da artista Izulina Gomes Xavier. (Foto: Marcos Ermínio)

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