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Artes

De olhos fechados, peça é "vista" pelos ouvidos com a narração cena a cena

Paula Maciulevícius | 30/09/2016 08:52
"Os Ancestrais" é apresentado pela companhia mineira "Grupo Teatro Invertido"
"Os Ancestrais" é apresentado pela companhia mineira "Grupo Teatro Invertido"

“Móveis quebrados e objetos diversos estão espalhados de modo desordenado pelo espaço em meio a uma enorme quantidade de terra. Pequenos pontos de luz iluminam o ambiente escuro”. São essas as palavras que descrevem o início da peça “Os Ancestrais”, apresentada nesta quinta, no Armazém Cultural, pela companhia mineira “Grupo Teatro Invertido”.

Em cena, atores que desenrolam depois de um desmoronamento, as relações familiares embaixo dos escombros e a noção de desigualdade diante da propriedade da terra no Brasil. Entre o público, gente que para entender a peça não precisa enxergar e pela audiodescrição, entende o que se passa em cada momento.

A ferramenta de acessibilidade já esteve presente em Campo Grande em poucas apresentações de terra e mostras de cinema, mas é o que faz a diferença para a artesã Zenaide Dias da Silva Rocha, de 70 anos. Cega de nascença, foi assim que ela entendeu o começo da peça: “O cenário, com a audiodescrição era assim, tinha uma porta velha de madeira, uma porta de metal e um monte de terra e um buraco. Entendi tudo através da audiodescrição, que a pessoa descreveu para nós com fone”, explica.

Zenaide, deficiente visual desde nascença, assistiu a peça ouvindo a descrição das cenas.
Zenaide, deficiente visual desde nascença, assistiu a peça ouvindo a descrição das cenas.

Desde o cenário, até as coisas que acontecem no palco, uma cabine com profissional que tem o preparo e o roteiro em mãos repassa no fone de ouvido todas as informações descritas. “A gente sabe o que está passando, porque ouve as pessoas falar, mas até então, não sabia o que elas estavam fazendo. Assim, consigo entender a peça que é muito bonita”, explica dona Zenaide. “Para nós, é emocionante porque a gente não está vendo, mas sabe o que está acontecendo”, completa.

O espetáculo já passou por Curitiba, São Paulo, Florianópolis, Caxias do Sul, Itajaí, Santos e até na cidade de Manizales, na Colômbia. Com texto e direção assinada por Grace Passô, no mesmo momento em que uma família se transforma e se confronta em meio a uma situação extrema, os diálogos mostram que a ausência de política justa no que diz respeito à propriedade de terra de um país desigual.

Sem saber os dias e nem as horas que estão ali, uma família de mãe e filhos, junto da vizinha, contam a trajetória para construir a casa e como é ver todo esforço vir abaixo. E mais, pensam como será quando saírem dali. Dos escombros, sairão heróis, mas que depois ficara à mercê para reconstruir a vida.

O cenário é um só. O buraco é a saída quando eles são resgatados. Quem vai, segue a luz que vem ali.

Depois do desmoronamento, personagens levam para o palco as relações familiares e a desigualdade de terra no País.
Depois do desmoronamento, personagens levam para o palco as relações familiares e a desigualdade de terra no País.

A audiodescrição é feita pelo grupo mineiro SVOA, que há dois meses acompanha o espetáculo pelo País, com uma narração extra a ser feita ao vivo, de uma cabine na lateral do palco.

“A gente assistiu dois ensaios, viu também um vídeo deles e fez um pré-roteiro, testamos de novo e nosso consultor, com deficiência visual, é quem vai falando o que está funcionando ou não e fazendo ajustes no roteiro”, explica a audiodescritora Anita Rezende.

Sem sobrepor a fala dos personagens, a narração segue harmonicamente com a sonorização da peça.

O consultor deficiente visual é o crivo da equipe. “Nada se faz para uma pessoa com deficiência sem ela, nada é feito para eles, sem eles”, frisa Webster Moreira, também audiodescritor do grupo.

Na saída da peça, dona Zenaide agradece ao trabalho e já porta afora do espaço, consegue discutir o que foi ouvido. “A audiodescrição é uma ferramenta de acessibilidade que provoca a inclusão. O legal é saber que se ela tiver que sair e discutir com quem viu a peça, vai poder fazer isso de igual para igual”, frisa Webster.

A peça será reapresentada novamente hoje, às 20h, no Armazém Cultural, na Avenida Calógeras, 3065 – Centro. A entrada é gratuita e os ingressos serão distribuídos 1 hora antes do início da apresentação.

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