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Artes

No Salão de Arte de MS, a contemporaneidade provoca sensações

Elverson Cardozo | 01/11/2012 20:18
No Salão de Arte de MS, a contemporaneidade provoca sensações

De todas as obras expostas no Marco (Museu de Arte Contemporânea), no 4º Salão de Arte de Mato Grosso do Sul, foram os recortes de jornais, sem títulos, de Heloisio da Silva, o Helô Sanvoy, um artista de Goiás, que mais prenderam minha atenção. Não foi por acaso.

Todos os painéis, três no total, trazem esses recortes, sendo um no formato standard (38 x 58 cm) e outros dois em tablóides. Em nenhum deles aparecem as manchetes, muito menos os textos.

Todas as informações foram cuidadosamente retiradas, linha por linha, dando espaço aos vazios de branco. No topo de um deles, onde deveria estar o nome do jornal e a data da publicação, restou apenas um quadrado.

Permaneceram as cores do projeto gráfico, as que foram escolhidas para diagramação e as que imagino terem sido usadas nos anúncios publicitários. As colunas onde deveriam conter textos, mesmo com os recortes, estão bem demarcadas.

O destaque ficou para as fotografias, que não foram retiradas. No standard, uma delas, sem crédito, mostra o senador goiano Demóstenes Torres – que ficou conhecido com a máfia dos caça-níqueis -, sentado, sozinho no plenário.

No tablóide, a fotografia de destaque, que ocupa metade da página do lado direito, é o retrato de uma senhora. No outro recorte, Helô Sanvoy deixou apenas o registro de um grupo de freiras.

No Salão de Arte de MS, a contemporaneidade provoca sensações

Não há, em nenhuma das publicações, título, legenda ou qualquer informação acerca das imagens. Tudo o que tinha foi retirado. A sensação, para quem vive de notícias e está sempre à procura de histórias, é um misto de agonia e curiosidade.

Qual era o assunto daquela matéria? O que aconteceu com aquela senhora? E as freiras? São da onde? O que o artista quis dizer com isso?

Arte-educadora do Marco, Patrícia Aguena, de 29 anos, uma das responsáveis por mediar visitas ao museu, explicou que a intenção de Helô Sanvoy talvez não fosse a de provocar esses questionamentos, mas a arte contemporânea é livre de rótulos, aberta à interpretação do espectador, que tende a se identificar com situações de sua própria realidade.

O artista não fecha conceitos. “A imagem aqui não precisa de palavras”, disse, ao apontar para o quadro que trazia a fotografia de Demóstenes Torres.

A diferença da arte contemporânea, se comparada à representatividade que marcou a história da arte há alguns anos, está nos recursos utilizados para concepção de uma obra. O artista se viu livre de suportes, como as telas, por exemplo, e passou a utilizar os recursos disponíveis da atualidade. Prova disso são as instalações.

José Henrique Yura na fotoinstalação . (Foto: Simão Nogueira)
José Henrique Yura na fotoinstalação . (Foto: Simão Nogueira)

X, Y e Zé - O sul-mato-grossense José Henrique Yura apostou na fotoinstalação “X, Y e Zé”, que foi posicionada em uma parede. José deus as caras e mostrou personalidade. O artista reproduziu, em uma ampliação, a cópia do próprio RG.

Acima do documento, José aparece em outras seis versões, sempre na mesma posição, com as alterações de roupas e maquiagens assinaladas. Na primeira, Yura aparece barbado, trajando uma camisa marrom.

Na segunda, sem barba, a roupa escolhida foi um bolero verde e uma camisa branca de algodão. Em outra, com visual mais andrógino, José Henrique surge maquiado, com desenhos abstratos de referências tribais.

Na última, com o cabelo chapado, ele aparece com a sobrancelha “feita”, com sombra grafite cintilante e batom rosa. A blusa escolhida tem estampas de arcos e arabescos.

Uma das multifaces de José Henrique. (Foto: Simão Nogueira)
Uma das multifaces de José Henrique. (Foto: Simão Nogueira)

Quem visita a fotoinstalação também pode interagir. Na “X, Y e Zé”, o visitante pode formar um novo personagem, utilizando recortes das seis fotografias em destaque.

“Você vai montar o personagem à sua maneira. Só a arte contemporânea proporciona essa interação. O público pode ser criador e espectador o mesmo tempo”, explicou a arte educadora do museu.

No catálogo, a explicação de José Henrique é biológica. “... Somos divididos em ‘machos’ e ‘fêmeas’ [...]. Possuidores de identidades, somos também capazes de gerar processos de identificação, que também são diversos e comuns a nós”, escreveu.

A intimidade que tem com a fotografia, completou, é um estímulo para se reencontrar. A vida íntima exposta no universo artístico foi a maneira que achou para estabelecer uma aproximação do seu universo íntimo com o mundo externo.

Urbanidade - Em outra sala do Marco estão expostas as três esculturas da série Urbanidade, do carioca Roberto Góes Müller. A primeira, intitulada “desprezo”, aborda a diferença das classes sociais, onde os indivíduos, representados por bonecos, aparecem em diferentes posições, em degraus.

No Salão de Arte de MS, a contemporaneidade provoca sensações

Em “Solidariedade!?”, Roberto faz uma crítica ao contraste assustador cada vez mais comum nas metrópoles brasileiras. Ali os bonecos pisam o mesmo solo, mas estão divididos por um vidro.

De um lado, a imagem, em preto e branco, mostra prédios de luxo. Do outro, uma amontoado de barracos formam o cenário de mais uma favela do Rio de Janeiro. A terceira – “Vazio do Mundo” - traz apenas um boneco, preso a uma redoma de vidro.

No Salão de Arte de MS, a contemporaneidade provoca sensações

No catálogo entregue aos visitantes, a explicação, em texto, é do próprio artista:

“Esse conjunto de obras narra uma visão crítica do viver nos grandes centros urbanos: a correria do dia-a-dia, a ganância, o desprezo pelo próximo, às castas e classes sociais, a falta de segurança, o confinamento nas habitações atuais, a procura pela companhia, a competitividade e por fim a morte”.

“O objetivo da arte contemporânea é questionar o visitante, interagir, provocar, ironizar e fazer a gente refletir”, disse Patrícia Aguena, a arte educadora do museu.

Seleção - Os artistas participantes do Salão de Arte de Mato Grosso do Sul foram selecionados entre diversos inscritos, de várias regiões do Brasil. Dos 20 escolhidos, duas artistas campo-grandenses foram premiadas: Camila Jordão, com a obra In-Cardume e Priscilla de Paula Pessoa, com “Fábula”.

A visitação, no Marco, é gratuita e pode ser feita de terça às sexta, das 12h  às 18h. (Foto: Simão Nogueira)
A visitação, no Marco, é gratuita e pode ser feita de terça às sexta, das 12h às 18h. (Foto: Simão Nogueira)

Cada uma recebeu R$ 6 mil. Suas obras serão incorporadas ao acervo do Marco. Os demais artistas receberão um prêmio no valor de R$ 1 mil.

Os trabalhos expostos no Museu de Arte Contemporânea se enquadram nas categorias desenho, pintura, gravura, escultura, fotografia, objeto, instalação vídeo-arte, arte digital e linguagens periféricas.

Abertura e visitação – A 4ª edição do Salão de Arte de Mato Grosso do Sul foi aberta na terça-feira (30). As obras ficam em exposição até o dia 23 de fevereiro. A visitação é gratuita e pode ser feita de terça à sexta, das 12h às 18h.

Nos sábados, domingos e feriados, o atendimento é das 14h às 18h. Nesta sexta-feira (2), feriado de finados, não haverá expediente. Mais informações pelos telefones (67) 3316-9170 ou (67) 3326-7449.

Serviço – O Museu de Arte Contemporânea fica na rua Antônio Maria Coelho, 6000, bairro Carandá Bosque, em Campo Grande.

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