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Comportamento

"De boa", morador de rua faz churrasco ao ar livre em calçada de bairro chique

Elverson Cardozo | 21/06/2014 07:11
Luís, como se apresenta, está na rua há dois meses. (Fotos: Marcelo Victor)
Luís, como se apresenta, está na rua há dois meses. (Fotos: Marcelo Victor)

Sexta-feira. Horário do almoço. No cruzamento das ruas da Paz com a Rio Grande do Sul, no Jardim dos Estados, área chique de Campo Grande, um morador de rua ignora os "bacanas", retira um quilo de ripa de costela da mochila e coloca a carne para assar em cima de duas pedras, apoiadas sobre quatro tijolos de oito furos. A fumaça levanta, chama atenção, mas ele continua tranquilo, sentando, vendo o movimento da rua. O almoço, afinal de contas, vai demorar.

O churrasquinho improvisado acontece ao ar livre, ao alcance dos olhos e do olfato de qualquer um, em uma pequena pracinha, perto de restaurantes conhecidos, conceituados e caros, na região do Forúm, onde muita gente aparece de terno, gravata e em carrões de dar inveja.

O churrasqueiro em questão, a duas quadras dali, não tem sequer uma bicicleta, mas guarda um capacete velho "para quando conseguir uma moto". Também não veste roupa engomada, ao contrário.

Ele usa camisa doada, bem suja, calção que, na verdade, é um moletom cortado na altura dos joelhos, boné de uma empresa qualquer e, nos pés, um tênis preto sem marca. No braço esquerdo, um relógio falsificado.

Não carregas documentos que comprovem a identidade, mas se apresenta como Luís Carlos Nunes ou "Queimado", devido às cicatizes no rosto e nas mãos, marcas, segundo ele, de um ritual de magia negra, na infância, que não deu certo.

Churrasco foi com costela. (Foto: Marcelo Victor)
Churrasco foi com costela. (Foto: Marcelo Victor)

"Queimado" tem 44 anos, diz ser segurança, pedreiro, pintor, encanador, eletricista e vidraceiro, mas, atualmente, tem trabalhado com reciclagem. A venda de uma remessa de material, na manhã de ontem (19), rendeu R$ 41,00.

"Comprei R$ 10,00 de costela lá no açougue do Japonês", diz. O almoço seria só isso. O jantar, a sobra disso. Arroz e feijão, para ele, é luxo. A rotina e a "casa" tem sido a mesma há duas semanas, quando deixou a calçada do Hospital do Pênfigo. "Dormia do lado de fora", conta.

Na rua da Paz, Luís tem, pelo menos, uma madeira velha para escorar no muro e se proteger da chuva. Não passa muito frio porque tem um colchão velho, fino, e guarda um cobertor dentro de um saco preto de lixo.

Roupas mesmo são pouquíssimas, mas sempre estão limpas. "Não gosto de nada sujo. Eu lavo aqui", afirma, mostrando o tanque que encontrou nos restos de uma construção.

Ao Lado B, Luís disse que saiu de casa só com uma mochila de roupas e algumas ferramentas para fazer bicos. A casa, no caso, é a residência da mãe, na Vila Pioneiros, local que relata ter deixado há aproximadamente dois meses.

Não houve, no entanto, briga e nem um tipo de desentendimento que tenha motivado a decisão. "De vez em quanto eu saio mesmo. Tenho o costume de ficar por aí. Gosto de morar sozinho. Quero alugar uma casa", declara. O problema é que ele busca uma "edícula" para pagar de R$ 170,0 a R$ 250,00 por mês, mas até agora não encontrou nada. Enquanto isso, vive na rua.

"De boa", morador de rua faz churrasco ao ar livre em calçada de bairro chique
"De boa", morador de rua faz churrasco ao ar livre em calçada de bairro chique

Quem mora e trabalha da região afirma que Luís está na praça há pelo menos uma semana e cuida do local. "A grama estava alta. Ele arrancou tudo com a mão", conta o publicitário Rafael França, proprietário de uma loja de nutrição humana.

"Está aqui desde o primeiro jogo do Brasil", diz a esteticista Ana Paula Alemida, de 33 anos, que se surpreendeu com o churrasco. "Ele sempre acende, mas para cozinhar".

A empresária Regina Moraes, 52, dona do espaço de estética, diz a mesma coisa, protesta e cobra providência do poder público: "Ele não pode ficar assim, tem que ir para um abrigo, algum lugar. Alguém tinha que fazer alguma coisa. É uma pessoa, um ser humano que está vivendo em condições subhumanas".

Cena chama a atenção de quem passa pela rua.
Cena chama a atenção de quem passa pela rua.
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