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Comportamento

"R" enrolado de MS ficou chique, mas a procura para mudar sotaque ainda é grande

Elverson Cardozo | 24/04/2015 06:12
Jornalista Jéssica Martins já atuou como locutora e é uma defensora do R caipira, embora tenha suavizado o sotaque no ar. (Foto: Arquivo Pessoal)
Jornalista Jéssica Martins já atuou como locutora e é uma defensora do R caipira, embora tenha suavizado o sotaque no ar. (Foto: Arquivo Pessoal)

Estudos da USP (Universidade de São Paulo), feitos a partir da análise de documentos antigos e de entrevistas ao longo dos últimos 30 anos, apontam que o “R” conhecido como caipira, pronunciado em Mato Grosso do Sul e no interior de São Paulo, em palavras como “porrrteira” e “carrrne”, é uma invenção única dos brasileiros, diferente do “R” dito nas demais regiões do País, que não passam de referências estrangeiras.

O que até então era visto como menor, feio, coisa de caipira, passou a ser um bem, algo originalmente nacional. Acontece que, por aqui, esse “R” enrolado não costuma agradar todo mundo. Muita gente renega a origem e, por vários motivos, tenta disfarçar. O esforço coletivo, que atinge outras cidades do Brasil, é muito comum entre apresentadores de televisão e radialistas, por exemplo.

A desculpa mais nobre, de criar uma “língua neutra”, repetindo uma tradição que, dizem também os pesquisadores, já não faz qualquer sentido. Afinal de contas, sotaque não é uma questão de falar certo ou errado.

“Todo mundo fala de acordo com sua história de vida, com o que foi transmitido pelos pais e depois modificado pela escola. Nossa fala é nossa identidade. Não temos porque nos envergonhar”, afirma a professora sênior da Uel (Universidade Estadual de Londrina), Vanderci Aguilera, em recente entrevista ao portal Uol, que tratou do tema no caderno de Ciência. Ela é uma das linguistas empenhadas no resgate da história do português brasileiro.

Mas o cenário está mudando, aponta o estudo. O “R” do "caipira", asseguram os linguistas, está voltando e readquirindo status na esteira dos cantores de música sertaneja. “Hoje ser caipira é chique”, completou Vanderci Aguilera. E "chique" e conquista o público. Um exemplo? O vencedor do BBB (Big Brother Brasil) 15, Cézar Lima.

Que Luan Santana e sertanejos como Munhoz e Mariano fazem questão de falar “amorrr” e “dorrr” em suas composições, disso ninguém duvida, até porque o marketing desses artistas está, de certa forma, inserido na língua e no estilo de música, que parece exigir o exagero típico da pronúncia. Mas será que, entre “meros mortais”, o orgulho é o mesmo? Os sul-mato-grossenses ainda tentam disfarçar o sotaque ou isso, de fato, está mudando?

O Lado B foi atrás das respostas.

A atendente Andressa Medina Furtado, 19, não gosta e tenta disfarçar. “O povo tira muito sarro. Parece que estamos falando errado”, justifica. E olha que ela nem é daqui. “Sou de Rondônia, Porto Velho, mas moro em Mato Grosso do Sul há 10 anos”, diz, ao comentar que uma década foi o suficiente para usar o “R” como ninguém.

José Pedro nasceu em Maceió, mas vive em Campo Grande há 20 anos e já incorporou o sotaque. (Foto: Marcelo Calazans)
José Pedro nasceu em Maceió, mas vive em Campo Grande há 20 anos e já incorporou o sotaque. (Foto: Marcelo Calazans)

Natural de Maceió, o vendedor ambulante José Pedro da Silva, 57, vive há 20 anos em Campo Grande e, assim como Andressa, incorporou o sotaque. Ele não se incomoda muito com o “caipirês” decorrente do R, mas diz que, em alguns momentos, tenta suavizar. O engraçado é que nenhum dos dois consegue.

Já o vigia Marleno de Oliveira Villa, 70, não tem problema em parecer caipira, muito pelo contrário. Diz com a boca cheia que é Pantaneiro. “Não tenho vergonha não. Sinto orgulho”, defende.

A adolescente Andressa Medina Furtado, 19, é da mesma corrente. “Acho muito bonito, mas o pessoal tem vergonha e não deveria”, argumenta. Ela nasceu em São José dos Campos, mas mora na Capital há 3 anos. Acha que não fala arrastado, mas sempre ouve o contrário.

Entre comunicadores - No mercado da comunicação, a busca pela suavização, sob a justificativa de que é preciso seguir um padrão, é muito comum. Tanto repórteres e apresentadores de TV, como radialistas, que atuam como locutores, buscam mudanças.

Apesar de o que mais se ouve por aqui mesmo é o "errrrrre" do carioca, que na verdade é uma cópia afetada do francês, mostra a pesquisa linguística, uma estratégia que já ficou bem fora de moda.

Fonoaudióloga, Ana Faride Camargo, está acostumada a atender profissionais da área e confirma:”Eles procuram para não ficar muito regional e carregado e para ter uma língua mais próxima do padrão que, na verdade, a gente não tem, até porque tem o “R” daqui, o carioca... São regionalismos”, aponta. Mas Ana concorda com a neutralidade na fala. “Acho certo, senão chama muito atenção”, destaca.

Radialista há 46 anos, Egdar Scaff, argumenta de maneira semelhante: “Acho que o 'R' é o mais complicado porque você está em um veículo de massa em em uma cidade miscigenada. […] Nasci em Campo Grande, mas não tenho esse sotaque”.

A jornalista Jéssica Martins, 24, que já atuou como locutora, discorda: “Particularmente, eu acho que temos que ter orgulho da nossa cultura. É aquela expressão de "ser feliz do jeito que somos", declara, e acrescenta: O “R” é uma característica nossa e, mesmo disfarçando, não tem como esconder. Sempre acaba escapando, né?”.

Ela pensa assim, mas, no ar, já fez o contrário. “Por uma questão de estética e padrões de outras rádios, eu tentava disfarçar sim, mas não tem como. Na empolgação da hora acaba escapando um 'R' e às vezes rola até uma brincadeira forçando o 'R' de proposito”, reforça.

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