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Comportamento

A partida humilhante, o sentimento de inferioridade e o carro do vizinho

Andrea Brunetto | 13/07/2014 07:12
Oscar e a tristeza depois dos 7 a 1.
Oscar e a tristeza depois dos 7 a 1.

Logo mais se disputa a partida final dessa copa e gostaria de escrever sobre três coisas que tenho pensado em função do que leio no Facebook.

No meu perfil, tenho muitos psicólogos como amigos – não poderia deixar de ser – psicólogos de todas as idades, colegas de faculdade, outros que conheci pela vida profissional à fora e muitos jovens que foram meus alunos. E vários deles se questionam sobre a atuação da psicóloga junto aos jogadores, o que ela fez, porque fracassou ao dar “injeção de ânimo” no time.

De todos os três debates, acompanhados pelo Facebook, começo por esse porque é o mais simplista. É o primeiro mundial que se fala tanto em trabalho de psicólogo junto à equipe. Vejo em meu consultório pessoas que estão tentando mudar, e como é difícil e demorado. E algum psicólogo pretendia “injetar ânimo”, e rapidamente, diante de condições adversas? De uma equipe sem capitão e sem seu melhor jogador e com um técnico totalmente inerme e um tanto assujeitado aos mandos do capitalismo? E uma psicóloga iria dar jeito? Muita arrogância e faca de dois gumes: daqui a pouco vai sobrar para a psicóloga, alguém tem de ser culpado por não ter dado certo, por que não a psicóloga?

Como acabei de ler no Facebook, a seleção alemã também tem uma psicóloga. Mais um passo e vão responder a equação: mais com menos, conclusão: a psicóloga alemã é melhor que a brasileira. Que bobagem! Eu, sinceramente, acho que psicólogo nessa hora não tem nada que fazer. É a força, coesão e confiança do grupo – sem falar em todos os talentos e experiências a serviço disso, claro – que resolve.

O segundo ponto de debate é aproveitar o fracasso retumbante contra a Alemanha para politizar. Agora tal candidato vai perder, deveria ter construído hospitais etc. E mais ainda: o brasileiro quer dar jeitinho em tudo, viu o que deu? O povo tem de aprender a trabalhar, a planejar e não ser corrupto, “a honestidade e o trabalho tem de ser reconquistada, pois são exceção os honestos no Brasil, vejam o exemplo dos alemães”. E por aí vai o que tenho visto nas redes sociais. Tudo absurdo nesse viés de debate.

Tive que escrever a uma prima que colocou essa besteira no Facebook que ela olhe para nossa família, quantas pessoas corretas, batalhadoras, trabalhadoras. Ela mesma é um exemplo, que viveu no exterior tantos anos, para construir um patrimônio, longe do filho. E dei como exemplo tantos amigos que tenho, e a secretária do prédio onde trabalho pela qual tenho admiração por sua energia, responsabilidade, sua dedicação ao que faz, a filha que cria praticamente sozinha. E não posso dar exemplos de tanta gente que escuto no consultório, que vem falar de seus sofrimentos, mas que também são exemplos que tenho na memória desse grande povo brasileiro. Enfim, escrevi uma carta gigante no Facebook de minha prima indignada com esse sentimento de inferioridade do brasileiro.

Agora vão endeusar os alemães? É um povo diferente, com outra história, com outra geografia. Não tenho nada contra os alemães, pelo contrário, cada vez que vou à Alemanha, tenho mais admiração por eles, com o que conseguiram construir e modificar com a herança da Segunda Guerra. Mas nada disso tem a ver com aquela fatídica partida de futebol.

Cada povo com sua história, com seus traços de temperamento. Ainda que ache limitante fazer tipologia de um povo.

Então não quero fazer nem dos alemães nem dos brasileiros. Perdemos no futebol e pronto. É aceitar. Ganha-se algumas e perde-se muitas. Até já ganhamos mais que todo mundo. Essa foi a vez de perder, tudo se configurava para perder. Mas não queríamos acreditar. Talvez por isso mesmo é que perdemos tão feio. Maior ilusão, maior tombo.

O terceiro ponto é sobre a relação com os vizinhos. Sempre tão difícil. Estão tão perto, o que propicia que mais facilmente amemos, briguemos, competimos e invejemos. Meses atrás meu vizinho veio me falar na maior felicidade do mundo que tinha comprado um carro novo, estava esperando chegar, que era preto, tinha tal coisa, tinha outra. E no dia seguinte, ao chegar em casa, ele na sacada, contou novamente outros detalhes do carro novo. E mais outros. Eu, que estava procurando um carro para comprar, pensei, vou comprar esse.

Fiz os cálculos, o preço era salgado. E, depois de uns dois dias, pensei: não sei nem o nome dos tipos de carro, descobri depois de anos que em meu carro velho eu poderia abrir o porta-malas apertando um botão, vou fazer o que com um carro tão tecnológico e caro? Desisti do carro ao perceber que o que invejei foi sua alegria, seu entusiasmo, como uma criança que vai ganhar o maior presente de sua vida. O carro nem deve ser mais isso para ele hoje. Deve estar almejando outra coisa. Coisas do humano!

Por que conto essa história do carro do vizinho? Não vamos fazer a vitória da Argentina, caso ela venha nesse domingo, um carro do vizinho. Se eles ganharem – e torço para isso – que eles sejam bem felizes, que vivam a alegria como se fosse o maior presente da vida. E vou me alegrar com eles. Inveja e rivalidade têm de ser combatidas, senão vamos fazer de nossa convivência com os próximos um campo de guerra. E guerras no mundo já tem mais do que suficientes.

Que meus vizinhos sejam felizes com o carro novo, com o título novo. Melhor que sejam eles, meus próximos, meus irmãos latinos, que o do outro lado do mundo. Mas se for o do outro lado do mundo, meus parabéns para eles. São as regras desse grande jogo que é a vida.

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