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Comportamento

A vida de uma africana e muçulmana num curso de Engenharia da UFMS

Paula Maciulevicius | 12/09/2013 06:56
Embora não admita pela timidez, jovem fala e muito bem o português. (Fotos: Cleber Gellio)
Embora não admita pela timidez, jovem fala e muito bem o português. (Fotos: Cleber Gellio)

Mais do que a língua e os quilômetros, a distância deixa de ser geográfica e passa a ser racial, social e cultural. Do continente africano ingressam nos bancos de universidades federais de todo país, estudantes beneficiados por convênios entre o governo brasileiro e os países de origem. O resultado é, muitas vezes, aquelas olhadas nos corredores na direção de quem destoa do que a gente entende por normal.

Há dois anos, na UFMS, uma mulher, negra, africana e muçulmana divide a sala de Engenharia da Computação com outras duas mulheres. Elas são apenas três em uma sala de mais de 30. E ela, a única de véu.

A jovem fala o português muito bem, embora não admita pela timidez. Volta e meia, ela faz uma pausa maior que uma vírgula e outra, mas é só para por os pensamentos em ordem para a entrevista seguir. Mais pelo estilo recatado do que pela busca de palavras.

O Lado B entrou um pouquinho na história da vida da estudante do quinto semestre de Engenharia, Nafissa Ibrahim, 20 anos. Nigeriana, a menina foi escolhida para fazer o exame de admissão para o convênio. Processo que mais do que burocracia, exige uma adaptação até mais cansativa que a papelada.

Nafissa, apesar da timidez esconde um sorriso lindo. Aberto, brilhante, e aquele branco que contrasta com a dor da pele. Os olhos, na mesma proporção em que ofuscam, também carregam peso. Natural de quem vem com selo da África e que carrega profundidade no olhar. Gente que mesmo longe da vida do lado de lá, carrega a dor que seu povo já passou.

Nafissa Ibrahim, tem mais 3 anos de estrada na Federal até voltar com sua contribuição à Nigéria;
Nafissa Ibrahim, tem mais 3 anos de estrada na Federal até voltar com sua contribuição à Nigéria;

A língua portuguesa foi aprendida seis meses antes da vinda ao Brasil. E se para a gente que estuda a vida inteira o idioma já é difícil, imagina para quem veio de passagem. Isso porque terminado o curso, ela sabe que precisa voltar para levar a contribuição ao seu país.

A escolha pela Engenharia também foi influenciada pela gramática. Foram pelas regras que ela achou que com números não teria erro e descartou a primeira opção, de cursar Medicina. “Eu gosto das exatas e meu pai é engenheiro”, disse.
Assim como a maioria dos africanos que vem estudar em Mato Grosso do Sul, ela não vê os pais desde que trocou a Nigéria pelo Brasil, há dois anos. Ano passado, quando pensou que voltaria, não teve férias por conta da greve.

No entanto essas idas a casa, pelo menos na Nigéria, são arcadas pelo país de nascimento. Ela tem ajuda de lá para ir e vir, enquanto muitos vivem apenas da bolsa de estudos paga pelo Brasil e só encontram o abraço de casa quando voltam com as malas e o aprendizado daqui.

A primeira pergunta que vem à cabeça é como ela pode deixar o país com uma população muçulmana tão expressiva para vir se aventurar por aqui. De prontidão ela responde “a coisa vem mudando, a mulher pode fazer Engenharia, pode viajar para fora para estudar, ter conhecimento”.

Num calor de mais de 30 graus, ela sempre está de véu, calça e uma blusa que esconda os braços. Força do costume e também uma das condições da religião. “Não é preconceito, mas as pessoas olham sim para as minhas roupas. Elas falam por que ela usa roupa assim? Não sente calor? Eu digo que é a minha religião. As pessoas são muito simpáticas e me tratam muit bem”, explica. Ela garante que nunca sofreu preconceito algum e até atribui ao número de muçulmanos na Capital e a existência da mesquita em Campo Grande.

A janela das aulas ‘casa’ com as cinco orações diárias que ela cumpre.Das 4h30 da manhã ao entardecer, enquanto está fora de casa, ela consegue encerrar as atividades na universidade e correr para casa.

As saudades do que para ela é casa mesmo acabam com um abraço que está por vir. Fim deste ano Nafissa encontra os pais e irmãos. Mas até lá, as conversas entre a diferença de 5h pelo fuso horário, são via internet e pelo WhatsApp.

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