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Comportamento

Afastado após 4 assaltos, ele tem saudade de subir no ônibus gritando "bom dia"

Elverson Cardozo | 27/01/2014 07:00
Sempre com um sorriso no rosto, Joel Motorista lembra com alegria dos "anos de ouro". (Foto: Cleber Gellio)
Sempre com um sorriso no rosto, Joel Motorista lembra com alegria dos "anos de ouro". (Foto: Cleber Gellio)

Em mais de 30 anos trabalhando como motorista, boa parte desse tempo no transporte coletivo em Campo Grande, Joel Arguelho, foi assaltado quatro vezes. O trauma foi tanto que, em 2007, dois anos antes da aposentadoria oficial, ele foi afastado do serviço. Mesmo assim, o idoso de 65 anos sente saudade de percorrer as ruas da Capital, conversar com o povo e espalhar alegria, palavra que ele aprendeu só depois de adulto.

Por aí, em qualquer canto da cidade, ele é lembrado como o motorista que entrava no ônibus desejando bom dia em alto e bom som; como o senhorzinho de bem com a vida, que tratava todos com carinho, e como o funcionário dedicado, sempre disposto a ajudar. É visto, até hoje, como um exemplo a ser seguido.

A “fórmula da felicidade”, que rendeu ao homem tanta popularidade, surgiu de uma história marcada por sofrimento. Joel só queria transmitir aos outros o carinho que não teve na infância e parte da adolescência.

Drama pessoal - Natural de Guia Lopes da Laguna, ele precisou se virar sozinho cedo demais. Como apanhava do padrasto, fugiu de casa aos 16 anos. Em Campo Grande, logo que chegou, foi trabalhar em uma padaria.

“Lavava assadeira de pão doce e limpava a quadra para ganhar uma sardinha. Colocava no meio do pão para comer. Pegava bolsa de trigo, batia nos postes e forrava no chão para dormir porque não tinha cama”, contou.

Foi assim por um bom tempo até que, aos 17 anos, o dono de uma empresa de ônibus soube dele por um colega e resolveu lhe dar uma oportunidade de “lavador”. O garoto retirou a sujeira dos carros, na garagem da "firma", por aproximadamente três meses. Conseguiu uma promoção e virou fiscal.

Cerca de um ano e meio depois, em 30 de janeiro de 1972, o rapaz subiu de cargo. Passou a trabalhar como cobrador. No dia primeiro de novembro de 1980, oito anos mais tarde, Joel já era motorista. Foi nessa função, desempenhada em duas empresas, que ele aprendeu a ver a vida de outra forma.

Bom dia! - A saudade da época em que dirigia é tanta que ele guarda, na casa onde mora, no bairro Tijuca I, o encosto de banco, a marreta que carregava para ver se o pneu do carro estava cheio, as três carteiras de trabalho lotadas de registros e, claro, o crachá da última empresa que trabalhou durante 29 anos.

Joel com um dos seus passageiros. (Foto: Arquivo Pessoal)
Joel com um dos seus passageiros. (Foto: Arquivo Pessoal)

Na memória, armazena os bons momentos vividos atrás do volante. Para se tornar um motorista conhecido, elogiado, Joel desenvolveu um método próprio. Só que a aplicação, na prática, foi barra pesada. Ele precisou “treinar” os campo-grandenses, pelo menos os seus passageiros. Não foi tarefa fácil, é óbvio, mas a insistência venceu.

Toda vez que parava no terminal para embarcar uma nova turma, um “ritual” era cumprido: “Entrava e falava: ‘Bom dia meus passageiros’. Eles não respondiam e eu não me conformava com aquilo e repetia: ‘Bom dia meus passageiros. Responde para eu pedir para Deus abençoar vocês. Tive que forçar a barra. Falei: Vou ensinar esse povo a se amar’”, contou.

O “curso intensivo” teve bons resultados, recorda. Em pouco tempo, todo mundo, ou quase todos, já respondiam ao Bom Dia espontaneamente e Joel explicava: “Sabe por que estou fazendo isso? Porque vocês pagam meu salário. Tenho que tratar bem”.

Motorista ainda guarda apoio de banco e marreta que utilizava no trabalho. (Foto: Cleber Gellio)
Motorista ainda guarda apoio de banco e marreta que utilizava no trabalho. (Foto: Cleber Gellio)

Como profissional humano que foi, o motorista ouviu muitas críticas, inclusive dos próprios companheiros de empresa, mas ele não ligava. Continuava a cumprimentar, a esperar as senhoras sentar para, então, sair com o ônibus e até a cometer pequenos deslizes compreensíveis. “Parava fora de ponto, esperava passageiros, carregava até cimento. Não pode, mas eu fazia”, afirmou.

Os amigos falavam que o carinho era bobeira e ninguém se importava com isso, mas Joel continuou a “treinar” os campo-grandenses porque se sentia bem, queria chegar em casa sorrindo, alegre, e dormir tranquilo. O tempo mostrou, depois, que tudo isso valeu a pena.

“Uma vez encontrei um engenheiro que me abraçou, quase me quebrou, porque eu carreguei ele quando criança e hoje ele é formado. Tem policial, delegado...”, lembra. Joel Motorista, como ficou conhecido, é uma daquelas pessoas que, em uma única conversa, é capaz de nos fazer acreditar que o mundo é maravilho se visto de outro ângulo. “Se você tem amor, você é feliz”, ensina.

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