ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
MARÇO, QUINTA  28    CAMPO GRANDE 23º

Comportamento

Amiga de Vinícius de Moraes, artista uruguaia trouxe para cá acervo de memórias

Paula Maciulevicius | 05/01/2017 06:15
"Diz que alguém disse que eu fui amiga do Vinícius? Isso foi mais 50 anos atrás" sorri Mercedes. (Foto: Alcides Neto)
"Diz que alguém disse que eu fui amiga do Vinícius? Isso foi mais 50 anos atrás" sorri Mercedes. (Foto: Alcides Neto)

Dona Mercedes fala português carregado com um sotaque que revela que a senhorinha é estrangeira. Uruguaia, casada com um peruano, a conexão com o Brasil vem de muito antes da mudança dela para Campo Grande. Amiga de Vinícius de Moraes quando jovem, ela conviveu com o poeta na época em que ele fora diplomata na embaixada brasileira no Uruguai.

Formada em Artes, Mercedes distribuiu seu talento ao longo dos anos no design de joias, no desenho, nas gravuras e até na arte de fazer vidro, além de ter sido professora. Ao conhecê-la, ela já abre um sorriso. "Diz que alguém disse que eu fui amiga do Vinícius? Isso foi mais 50 anos atrás", brinca Mercedes Villa de Isla, de 84 anos.

"O que acontece é que vocês jovens que estão na época das comunicações, não sabem como que foi antes... Vocês se comunicam com as pessoas através do aparelhinho. No nosso tempo, quando você queria conhecer, procurava", compara.

Vinícius de Moraes foi diplomata em Paris e Montevidéu.
Vinícius de Moraes foi diplomata em Paris e Montevidéu.

Jovem, nos anos 50, dona Mercedes tinha 20 e poucos anos quando teve seu primeiro encontro com Vinícius. Amiga da secretária da embaixada, ela já havia pedido para que se surgisse qualquer oportunidade, ela fosse apresentada ao poeta brasileiro. 

Na narrativa dela, Vinícius estava doente e a secretária teve de ir até onde ele morava. Levou Mercedes e juntas as duas bateram à porta. "E eu falei: 'gosto muito da poesia do senhor'. Naquela época, Vinícius era conhecido como um poeta que publicava livros e era diplomata, não porque gostasse, mas porque tinha de manter a família", discorre.

E isso foi, segundo ela, no começo da relação de Vinícius com Tom Jobim. "Eles compuseram pelo telefone, porque o Tom estava no Rio e Vinícius em Montevidéu", conta. Da parceria, Mercedes fala que foi testemunha do trabalho "Orfeu", escrito por Vinícius e musicado por Tom. 

"E a gente fez assim um grupo de amigos e se reunia toda semana, pelo menos sábado ou domingo e às vezes durante a semana. Eram reuniões com violão", recorda. Mercedes e Vinícius conversaram em espanhol e no círculo de amigos estava a secretária da embaixada, outro diplomata e sua esposa, entre conhecidos. 

"Eram pouquinhos, não muitos. Domingo era na casa do Vinícius. Ele fazia o almoço para a gente e amanhecíamos até segunda-feira. Depois passamos também para o apartamento desta secretária que morava perto da universidade onde eu trabalhava", narra.

Uma das lembranças que Mercedes guarda é ter sido levada até a sala de aula por Vinícius. "Eu tinha de trabalhar, lembro um segunda de manhã cedo e ele me acompanhou com o violão até a escada da faculdade. Me deu um beijinho na mão e disse: 'coitadinha'. Eu entrei para trabalhar e ele foi dormir", ri. 

Vinicius, entre os escritores Rubem Braga e Ferreira Gullar, conversa com o poeta chileno Pablo Neruda (D), um dos seus amigos da época em que vivia em Paris como diplomata.
Vinicius, entre os escritores Rubem Braga e Ferreira Gullar, conversa com o poeta chileno Pablo Neruda (D), um dos seus amigos da época em que vivia em Paris como diplomata.

Das reuniões semanais, certa vez até a polícia foi chamada por vizinhos. "Mas o policial olhou para nós, gostou e ficou", recorda.

Em 1960, quando ganhou uam bolsa para estudar gravuras no Brasil, Mercedes deixou o Uruguai. Vinícius ainda ficou. "Nessa época o amor de Vinícius era Lucinha. O Vinícius gravava cartas de amor para ela naquelas gravadoras de fita conosco. Olha o laço da amizade que se fez com o grupo?"

Os anos se passaram e o encontro veio em 1962, num show de Vinícius de Moraes e Tom Jobim, no Rio de Janeiro, onde ela esteve presente e eles conversaram. Em uma outra apresentação, já no Uruguai, dona Mercedes lembra que recebeu a ligação do poeta dizendo que os ingressos para a noite estavam na bilheteria. Por estar com a mãe doente, ela não foi. 

"O que eu aprendi sendo amiga do Vinícius? É difícil dizer... Com amigos você aprende muita coisa. Quando você vive, tem um capital de amigos que vai fazendo com o tempo e quando chega aos 84 anos, como eu, você se lembra daqueles amigos tão queridos.

Me lembro do Vinícius como me lembro de Lito e de tantos outros que eu tive com muito carinho a lembrança do momento em que a gente passou junto. E o fato de que ele tinha ficado famoso depois, não interferiu em nada", pontua.

A artista aguarda a mudança chegar de navio, do Peru, onde morava com o esposo até Santos e de lá ser colocada num navio. O casal teve três filhos, um mora na África, outro no Canadá e a filha em Campo Grande. "Eles chegaram a uma conclusão que para tomar conta dos velhinhos, era melhor Campo Grande", ri. 

Na despedida, Mercedes se coloca à disposição para o artesanato. Ela é um acervo de memórias.

Curta o Lado B no Facebook.

"O que eu aprendi sendo amiga do Vinícius? É difícil dizer... Com amigos você aprende muita coisa", reflete. (Foto: Alcides Neto)
"O que eu aprendi sendo amiga do Vinícius? É difícil dizer... Com amigos você aprende muita coisa", reflete. (Foto: Alcides Neto)
Nos siga no Google Notícias