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Comportamento

Amor chegou e se foi da forma mais trágica que adolescente poderia suportar

Namorada disse que iria tomar banho e já voltava. Uma hora passou e a notícia foi de que ela não voltaria nunca mais

Paula Maciulevicius | 23/11/2016 06:05
O carinho das duas em uma das últimas fotos postadas.
O carinho das duas em uma das últimas fotos postadas.

O primeiro amor da vida dela foi a menina que lhe despertou, num primeiro momento, ódio, para depois vir a paixão, algo bem comum na adolescência. Foram seis meses juntas, até o pedido oficial do namoro acontecer no último dia 8 e a história terminar da forma mais trágica que qualquer pessoa poderia suportar. A namorada se matou, depois de dizer que ia tomar banho e logo voltava para conversar ao telefone. 

As duas, com 17 anos de idade, se conheceram na escola. Por serem adolescentes, os nomes foram trocados e também por consciência de toda dor e culpa que o suicídio traz consigo e deixa em quem fica.

Helena* é a namorada que tenta em lágrimas entender o que aconteceu nas últimas horas. Clara* é a menina que partiu. Abalada, as palavras saíam embargadas pela dor, intensidade e velocidade com que tudo aconteceu. A entrevista acontece na varanda da casa de uma amiga, com muitos colegas das duas buscando consolo. "Todos eram amigos dela, acho que ela não percebeu quantas pessoas tinham ao redor", desaba. 

Em seis meses, Helena viveu o que descreve como descoberta do amor. Assumiu para si e aos familiares que gostava de mulheres, não teve tempo de se despedir de quem esteve ao seu lado e nem tampouco consegue entender o desespero do episódio que levou Clara a morrer. 

O amor de adolescência ganhou outra dimensão. O futuro poderia nem confirmar que fosse ser para sempre, mas a forma como Clara partiu deu proporção para os sentimentos soarem como eternos.

"No começo, quando conheci, eu odiava ela. Tinha essa mania de não gostar das pessoas antes de conhecê-las", conta. O riso volta ao rosto como quem se recorda aquela boa fase de todo começo de relacionamento. Foi só uma amiga de Helena ficar próxima de Clara, para sair até briga. "Eu fiquei brava, mas com o tempo foi entrando o convívio e de ódio eu passei a amá-la em pouco tempo", recorda.

O enredo começou a ser escrito no meio do ano passado, quando Clara entrou na mesma sala de Helena. O romance tem até data de início, pelo menos no coração da adolescente. "Dia 8 de dezembro eu comecei a amar ela de uma outra forma. Era aniversário de uma amiga, a gente foi junto e sei lá, comecei a amar o jeito dela e foi aí que tive interesse por ela".

Sem coragem, foi uma amiga em comum que aproximou as duas. Também havia um interesse da parte de Clara, mas que ficava à sombra da dúvida quanto à sexualidade de Helena. O primeiro beijo foi trocado em abril deste ano. "Ela achava que eu não gostava de mulheres. Tinha interesse, mas nunca tentou nada e esse ano inteiro eu namorava um menino e ela, uma menina. A gente ficava nessa de terminar para ficarmos juntas, mas nenhuma das duas dava a confiança que a outra precisava", conta Helena. 

Postagem do Snap de Clara*, com Helena* e o gato Bob, adotado por elas.
Postagem do Snap de Clara*, com Helena* e o gato Bob, adotado por elas.

Dentro dos seis meses em que estavam apenas ficando, Helena pode contar nos dedos das mãos quantas vezes Clara a pediu em namoro. "Cinco. Eu não aceitava por medo do que podia acontecer". 

Helena não era assumida para si e muito menos em casa e quando decidiu que realmente amava Clara e precisava se aceitar do jeito que era, comprou flores, chocolate e entregou na escola, ajoelhada, com a pergunta: "quer namorar comigo?" "Ela foi a minha primeira em tudo. Me assumi com ela", frisa. 

Ao mesmo tempo em que o compromisso rondava as duas, havia também conturbações. "Ela sempre teve problema com os pais, sempre tive os meus em me aceitar do jeito que sou. A gente tentava conciliar as coisas e fingir que não sentia nada uma pela outra", descreve. 

A conjugação do que ela mais gostava na namorada, não aceita o verbo no passado. É o sorriso de Clara, o jeito dela lidar com as coisas. A menina que, segundo a namorada, engolia as próprias dores para ajudar a curar a dos outros, acumulava sofrimentos ao longo dos anos. "Sempre pelo mesmo motivo e às vezes, juntava com outros. Coisas que ela sempre escondeu de muita gente, era muito fechada e dizia que eu era uma das poucas pessoas com quem ela conseguia se abrir". 

Os problemas eram - em sua maioria - familiares. "Com os pais dela e e ela sempre guardava... Foi guardando, por anos e anos, até que não deu mais para suportar". Se ser homossexual era uma das questões, Helena afirma que sim.

A menina que, segundo a namorada, engolia as próprias dores para ajudar a curar a dos outros, acumulava sofrimentos ao longo dos anos. (Foto: Marina Pacheco)
A menina que, segundo a namorada, engolia as próprias dores para ajudar a curar a dos outros, acumulava sofrimentos ao longo dos anos. (Foto: Marina Pacheco)

Na própria casa, a namorada lembra que contar aos pais não foi tarefa fácil e que uma depressão chegou no meio de toda essa fase de transição da adolescência para a vida adulta. "Eu tive que tomar antidepressivo e tudo mais, mas quem mais me ajudou nisso tudo foi ela. Ninguém melhor do que ela me entendia, sabia exatamente o que falar, porque já tinha passado por isso", justifica.

Clara também tinha depressão e conforme a namorada, fazia acompanhamento com uma psicóloga e das vezes em que mencionou o suicídio, era dizendo que esta não era a solução. "Eu não desconfiei. Ela já tinha passado isso com outras pessoas que diziam que iam se matar e ela sempre dizia que era uma atitude egoísta, porque nós precisávamos das pessoas aqui para apoio, mas acho que ela não pensou nisso..."

A namorada não consegue ver como indícios as frases que ouvia de Clara. "Ela dizia que não aguentava mais, que estava esgotando muito ela. Ela teve uma viagem e não conseguia ficar sozinha, isso foi o que piorou muito, mas ontem, foi tipo perfeito...". Na narrativa de Helena, às vésperas do suicídio, elas passaram uma bela tarde juntas.

"Ela levou o violão, cantamos nossa música juntas no banheiro e ela ficou abraçada, disse que me amava e eu disse que amava ela. A gente adotou um gato junto e colocou o nome de Bob".

A sequência dos fatos não batem, ao ver de Helena, com o desfecho. Clara tinha planos adolescentes, de ficarem o resto da vida juntas. "Ela não tinha intenção de fazer isso. Ela fazia planos para o ano que vem e uma das coisas que mais me dói é pensar que a gente marcou várias coisas, viagens, séries e lugares. Ela não queria fazer isso, fez na hora", acredita. 

Ao mesmo tempo, Clara dizia que nunca era o suficiente. "Ela falava que estragava tudo sempre. Era uma luta, metade com ela mesma e outra com as pessoas que não a compreendiam".

Horas antes da morte, a namorada brigou com os pais, mandou uma mensagem para Helena dizendo que estava passando muito mal, mas que tomaria um banho, porque sempre foi o que "passou", após as discussões. 

"Eu falei pra ela, me ligar quando sair do banho e ela disse que talvez demorasse, porque ia lavar o cabelo". Helena se ofereceu de ir até lá, das duas saírem, mas ouviu da namorada que ir até sua casa só pioraria as coisas. 

"Eu queria dar espaço pra ela, não sabia se ela queria conversar comigo sobre a briga. Não sabia que o espaço ia causar isso... Tentei ligar para ela, quando deu 1h, eu mandava mensagens, chegavam e ela não respondia", se culpa a menina.

Numa das tentativas de falar ao telefone, o irmão de Clara atendeu, já com a notícia. "Só que eles conseguiram reanimá-la e foram para a Santa Casa. Eu tinha esperança e me agarrei a isso".

Entre o ato e a hora da morte, a noite quase virou dia. "Eu só podia mandar boas vibrações pra ela, não podia fazer mais nada. Se eu pudesse, eu faria, sabe?"

De manhã, a notícia veio. Não teve aula na escola. Só lágrimas e rostos desolados passavam a informação adiante. "Eu fazia o máximo e sempre dizia que ia estar lá para o que ela precisasse, sempre. Ela disse 'deixa eu tomar um banho e aí você vem. E eu não fui...'"

O sentimento no peito agora é de um vazio. O futuro sonhado com o primeiro amor ao lado de Clara provavelmente nem aconteceria, mas o desfecho deixou no ar toda a emoção do que poderia ter sido. "Eu pensava, marcava coisas para fazer no futuro. Meus dias seriam com ela e de repente, veio um susto, totalmente do nada", diz.

A esperança era de que tudo não passasse de uma brincadeira, mas Helena sabe quão cruéis são os detalhes que a trazem para a realidade. "Eu fico me colocando no lugar dela, como deve ter sido a dor, imensa, dela", pensa.

Helena resolveu falar com o Lado B como um alerta e a esperança de que a dor dela não seja sentida por outras namoradas.

"Eu espero que quem tenha um problema, não evite. Não esconda. Se você sente alguma coisa, principalmente por uma pessoa do mesmo sexo, não repreenda o sentimento, que isso faz mal pra você. Essa coisa de sentir e guardar e nunca dizer o que está errado... As pessoas têm amigos, tem gente que se preocupa com você. Todo mundo tem alguém que está ali pra você, pra te entender, ouvir e tentar te ajudar. Você não está sozinha nunca e é muito pior para as pessoas em volta, quando você decide fazer algo assim. A dor que as pessoas sentem com você indo e ela ficando é horrível, horrível". 

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