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Comportamento

Após lesão na coluna, ver o pôr do sol de cima do morro enterrou limitações

Paula Maciulevicius | 07/09/2016 07:05
O pôr do sol mais que perfeito que Janna descreveu ter fotografado. (Foto: Janna Velasquez)
O pôr do sol mais que perfeito que Janna descreveu ter fotografado. (Foto: Janna Velasquez)

Em março, um acidente impediu que Janna subisse o Pico do Marins na Mantiqueira, às vésperas da viagem. Justamente no dia de um temporal em Campo Grande, na volta da comemoração do aniversário de uma amiga, ela se esqueceu de por o cinto no banco de trás, mesmo sendo hábito. Em cinco minutos do que ela chama de lapso, o carro bateu e ela foi arremessada contra a janela. A partir daí começou a trama de três meses, que terminou sendo enterrada no dia em que ela subiu o morro e recebeu de presente o pôr do sol mais lindo de sua vida.

Pesquisadora pós-doc em Biotecnologia, Jannaína Velasques, começou a fazer trilhas em outubro do ano passado. O tempo foi o suficiente para tornar a atividade viciante a ponto de fazer falta. Muita falta. 

Na sexta-feira, dia da batida, mesmo sendo forte a pancada, ela conta que não se importou muito com a dor de cabeça e voltou para casa. Quando o final de semana chegou, dores na cervical se irradiavam até os braços e na segunda, ela nem sequer levantou da cama. "A dor era absurdamente insuportável e meus bracos formigavam... Imediatamente eu relembrei do acidentei e percebi que não tinha sido tão simples", relembra.

No topo do morro, a canga dançava a alegria de ver tudo do alto, de novo.
No topo do morro, a canga dançava a alegria de ver tudo do alto, de novo.

Junto das dores, vinha a angústia. Já tinha meses que ela se preparava para o Pico do Marins na Mantiqueira com um grupo de amigos, inclusive com investimento pesado em equipamentos para trekking e mais o pacote da viagem. "Eu só pensava em subir aquela montanha e na hora que não levantei na cama, pensei que deveria ir atrás de uma fisioterapeuta, alguém que pudesse me recolocar no eixo para cumprir essa viagem na semana seguinte", conta.

A gravidade do caso fez com que a recomendação fosse para ela procurar um médico ortopedista especialista em cervical. "Quando eu entrei no consultório, olhei pra ele ainda rindo, apesar do pescoço absolutamente imóvel e falei: 'é o seguinte, eu sou montanhista e quero subir o Marins semana que vem com meus amigos e você precisa me tirar dessa, faz alguma coisa mas me libera em uma semana'", narra.

Espantado, o médico explicou que o problema não era tão simples assim e que se ela estava daquele jeito, é porque havia uma lesão relativamente grave. De imediato, pediu uma ressonância antes de qualquer exame e determinou que ela não saísse de casa nem para trabalhar, de forma que evitasse qualquer impacto até que eles tivessem um diagnóstico preciso.

O resultado veio uma semana após o acidente e depois do que Janna narra como o pior sábado e domingo da sua vida. "Dores insuportáveis, eu tomava várias doses de codeína que surtiam efeito apenas nas primeiras horas, ansiedade, expectativas, medo... Fora meus amigos de trekking esperando notícias, precisando saber se eu iria ou não", recorda.

O laudo do exame apontou uma lesão considerável em uma das vértebras, um dos riscos era ficar tetraplégica a qualquer momento. "Foi então que eu desabei, o médico exemplificou com o caso da atleta Laís de Souza, disse que lesionei a C5 como ela e uma lesão nessa altura da cervical, normalmente implicaria na perda total de movimentos do pescoço para baixo", relata Jannaína.

"Foi o pôr do sol mais maravilhoso de minha vida. Quando o sol se pôs eu o saudei e enterrei aquela limitação".
"Foi o pôr do sol mais maravilhoso de minha vida. Quando o sol se pôs eu o saudei e enterrei aquela limitação".

O choro compulsivo trazia consigo a possibilidade do fim de uma vida de aventuras, vivida nas nuvens, subindo montanhas.

Enfático, o especialista disse que para a recuperação, as únicas atividades seriam fisioterapia e acupuntura. "Ele me explicou o processo de recuperação, que na maioria dos casos (80%) não há necessidade de operação porque o organismo tende a reabsorver o herniamento. E eu me apeguei a esses dados, 80% é um número considerável e eu estou entre eles", dizia para si mesma.

Foram dois meses seguindo à risca as instruções médicas. Sem peso, nada de exercícios, fisioterapia e acupuntura para dor. "Contei com muito amor e dedicação dos alunos da clínica escola da UCDB nesse período. Eles se sensibilizaram, estudaram muito meu caso, chegavam com exercícios diferentes para avançar aos poucos", elogia a pesquisadora.

Só que ao mesmo tempo em que a recuperação física exigia, o psicológico de Janna estava abalado. Pela falta de atividade física, ela se viu depressiva, porque parar bruscamente, também afeta o humor. "Meu mundo desabou, eu deprimi, me tornei agressiva pela falta de aceitação inicial. Me afastei dos amigos, olhava as fotos e chorava muito e tinha muita, muita raiva do acidente".

E foram as amizades das trilhas que se tornaram importantes neste momento até chegar ao perdão. "A Sherry, uma pessoa espetacular, sempre falava do aprendizado espiritual de todo esse processo. Ela dizia, Janna você faz yoga, liberte seu coração e seu corpo acompanhará e eu fiz esse 'self-coach' - se é que posso chamar assim - esse processo de aceitação, enfim aconteceu".

Quando a pesquisadora perdoou o motorista que dirigia naquela noite, sentiu como se tivesse libertado o coração, assim o corpo pode responder positivamente. "Foi mágico, de repente meu corpo respondia melhor à fisioterapia, os movimentos foram voltando... Eu também me estimulava a todos os momentos com muitos movimentos de alongamento, alguns fitoterápicos e muita meditação", diz.

Preocupado com a vida fora do trekking, o guia e amigo de Janna, que sempre conduzia as trilhas, Nilson Young, foi quem fez o primeiro convite da volta para o Morro do Ernesto, no dia 12 de junho. "Um dia ele me ligou, 'Janna, eu montei um trekking diferente. Um 'passeio de poodle', bem de leve, tranquilo. Vem com a gente'". O coração foi a mil, mas a razão trouxe um pouquinho de medo às emoções. A vontade era muita e o apoio vindo do grupo, também. Todos garantiram que ela não despencaria morro abaixo. 

Janna e a amiga Sherry no Morro do Ernesto. (Foto: Antônio Arguello)
Janna e a amiga Sherry no Morro do Ernesto. (Foto: Antônio Arguello)

"Foi meio surpresa, minha amiga Sherry atravessou a cidade para me pegar, ela insistiu muito para eu ir e que me faria bem. Quando cheguei lá e encontrei o Fernandes, a Lili, o Anderson, a Camila, e parecia que na verdade eu nunca tinha me afastado deles, que nunca houve acidente...

Fomos subindo devagar, conversando, aproveitando o percurso. Quando me dei conta estava no topo e comecei a gritar gritar de felicidade. Eu parecia uma criança correndo, pulando e gritando de felicidade.

Foi o pôr do sol mais maravilhoso de minha vida. Quando o sol se pôs eu o saudei e enterrei aquela limitação".

Junto do enterro, veio o compromisso de não deixar que nada mais a impeça de ver o céu mais de perto, lá do alto. O recomeço veio com atividades, não impactantes, porque a retomada precisa ser gradativa. "Aos poucos eu tenho reconquistado as coisas que sempre amei fazer, mas agora é diferente porque eu estou mais presente e nada mais é trivial. Eu agradeço a cada momento a oportunidade de viver, caminhar, correr, mesmo que 'de leve', mas sobretudo eu agradeço pelos meus amigos. Eu sempre afirmo que amigos de verdade despertam o que há de melhor em você".

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Tirada no dia da volta aos trekkings, foto virou símbolo de que amigos de verdade despertam o que há de melhor em você.
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