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Comportamento

Artesanato salvou Cida, que venceu depressão e deixou para trás passado violento

Thailla Torres | 24/01/2017 08:42
Na frente de casa, artesanato e obras de arte são resultados de uma nova vida para Cida. (Foto: André Bittar)
Na frente de casa, artesanato e obras de arte são resultados de uma nova vida para Cida. (Foto: André Bittar)

Uma esquina da Rua Piraputanga, no Jardim Noroeste, ganha cor todos os dias, quando Aparecida da Cunha Menezes, de 52 anos, abre o portão de casa pela manhã. É na rua que ela ganha o sustento ao colocar à venda móveis feitos de paletes e artesanatos. Mesmo em um lugar distante e sem movimento, Aparecida não perde o sorriso, ao ver o trabalho feito por ela, que mudou a vida completamente.

Na frente de casa, o colorido das telas divide espaço com um lindo jardim cultivado por ela. Aparecida, que prefere ser chamada de Cida, pinta panos de pratos, telas, vasos e vende os móveis feitos também pelo marido, Sebastião Pereira da Silva, de 50 anos.

Durante o dia, enquanto ele trabalha em uma construção, ela toma conta das vendas e se dedica à pintura, todos os dias. No fim de semana, os dois vão para frente de casa a espera de movimento.

Durante 22 anos, olhar foi de tristeza pela falta de amor. (Foto: André Bittar)
Durante 22 anos, olhar foi de tristeza pela falta de amor. (Foto: André Bittar)

Animada com a visita do Lado B, enquanto Cida mostra as obras de arte, abre o coração para contar sua história de vida, da reviravolta há três anos, quando finalmente chegou a Campo Grande.

Ela nasceu em Paraíso do Norte (PR), mas viveu durante 45 anos em São Paulo (SP). Antes do atual casamento, tinha uma vida bem diferente, longe do artesanato e da felicidade. Ela conta que foi casada durante 22 anos. O casamento acabou em 2008, depois de anos vivendo um relacionamento opressor e violento.

"Eu sou o exemplo de quem foi do luxo ao lixo. Foi muito sofrimento e muito difícil me separar", lembra. Aparecida tinha dinheiro, status e férias na praia, recorda. Mas o que dinheiro trazia, nunca foi capaz de fazê-la feliz. "Eu era muito infeliz", define.

O marido a deixava sozinha, enquanto ele tinha uma vida regada a outras mulheres fora de casa. “Eu não tinha o amor dele. O nível social fazia com que ele se achasse melhor, era muito apegado a vida material. Fora de casa era só mulher e bebida”, conta.

Quando ele voltava para casa, Cida precisava lidar com a tortura psicológica toda vez que cogitava a separação. Por medo, decidiu ficar, também porque acreditava que tudo poderia mudar. “Tudo que acontecia mexia com a minha estrutura, eu não podia ter amigos e nem conversar com ninguém. Me sentia presa dentro de uma casa cheia de grades. Quando ele saia, trancava a porta e tudo isso ia me desgastando”, conta.

Hoje, Aparecida é uma mulher realizada com o talento herdado da mãe. (Foto: André Bittar)
Hoje, Aparecida é uma mulher realizada com o talento herdado da mãe. (Foto: André Bittar)
Na frente de casa, ela expõe o trabalho que a fez mudar de vida. (Foto: André Bittar)
Na frente de casa, ela expõe o trabalho que a fez mudar de vida. (Foto: André Bittar)

Reflexo do desamor e solidão, Cida passou a conviver com uma depressão profunda. Mãe de dois filhos, na época toda violência só fazia aumentar o medo, que a impedia de reagir e sair da situação. "Lembro de uma vez que ele me bateu na frente do meu filho e fiquei muito machucada. Quando vi o olhar dele pequeno, foi um olhar que eu nunca consegui esquecer, aquele olhar de dó sabe, de ver a mãe apanhando. Isso mexeu muito comigo, até hoje pra falar emociona”, justifica com os olhos cheios de lágrimas.

Foram 22 anos de casamento, um diagnóstico de depressão, seguido do uso contínuo de ansiolíticos e antidepressivos, que resultaram na perda de auto-estima e até da vontade de viver. Por conta da medicação, Cida chegou a pesar 130 quilos.

Hoje, não se importa em lembrar dos dias tristes, que foram superados, mas faz questão de pontuar que nenhuma mulher apanha porque quer, frase que já perdeu as contas de quantas vezes ouviu. "Sabe o que é medo? Era isso. É fácil falar que só basta querer para sair da situação, mas só quem sofre, só quem apanha, sabe o que é resistir a dor quando se olha para um filho pequeno e pensa no futuro dele. Ou quando vai dormir lembra da ameaça", conta. 

Em situação difícil, foram as lembranças da mãe que trouxeram força para Cida. "Minha mãe era uma mulher guerreira. Ela costurava e eu aprendi muita coisa com ela. Quando eu estava no fundo do poço, eu passei a pensar no quanto ela se orgulharia de me ver lutando. Como eu sempre gostei de criar, lá em SP eu comecei a fazer pinturas", lembra.

Quando o primeiro filho saiu de casa para trabalhar, Cida sentiu-se encorajada a colocar um fim no relacionamento. "Denunciei, pedi a separação e disse que o casamento tinha acabado. Foi em 2008 quando aconteceu. Eu me vi na sarjeta", recorda.

Cida mostrando os panos de prato pintados por ela. (Foto: André Bittar)
Cida mostrando os panos de prato pintados por ela. (Foto: André Bittar)

Ela diz que abriu mão de tudo na separação. Longe do filho e da casa onde morava, nem as pessoas mais próximas lhe ajudaram. Por um tempo, sua única companhia foi a rua. "Pra me manter viva fui embora, sai de casa e não tinha pra onde ir. Não fui protegida e nem amparada por nada. Fiquei 12 dias na região do Brás dormindo na rua. Depois, finalmente consegui um trabalho de empregada doméstica".

Após meses, Cida deixou São Paulo a pedido do filho para viver com ele em Brasília (DF). Lá, ainda convivia com a depressão, mas passou a sentir a mudança na vida ao se realizar trabalhando na cozinha. "Eu fornecia alimentação para uma empresa. Trabalhava todos os dias", diz. 

E foi lá que conheceu Sebastião com quem vive uma união há sete anos. Cida se apaixonou, casou novamente e teve a oportunidade de se mudar para Campo Grande. "A empresa que ele trabalhava fechou a filial por lá e ele foi convidado para morar aqui. Viemos juntos e foi aqui que minha vida mudou completamente".

Sebastião é homem simples que prefere nem dar entrevista. Chega com a roupa do trabalho e sorri para esposa que não mede elogios. Foi ele quem começou o trabalho com os móveis de paletes. Ela, com as lembranças da mãe e o dom para o artesanato, decidiu que seguir adiante com a profissão, a faria uma nova mulher.

"Ele pegou uns pedaços de madeira e fez um poço de decoração. Depois vieram os bancos e eu comecei a ajudar ele na pintura. Foi um ano até a gente conseguir construir nossa casa e pelo nosso trabalho, eu comecei a colocar tudo na rua", resume.

Animada mostrando os cantinhos da casa decorados com paletes, nota-se uma alegria em Cida, hoje ao lado do marido e da filha. "Não tomo mais nenhum remédio. Estou num patamar da minha vida de crescimento espiritual. Não é qualquer coisa que eu deixo de lutar e conseguir. A partir de fevereiro começa uma nova etapa na minha vida e em breve vou ter uma lojinha. Não sinto falta do luxo, era uma vida muito boa, fim de ano sempre passava na praia, meus filhos estudaram em colégios ótimos. Mas nada disso me fazia feliz", descreve.

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