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Comportamento

Boneca virou bebê da família de dona Vileda e diminuiu sofrimento com Alzheimer

Paula Maciulevicius | 05/09/2016 06:10
Érica, a filha que Vileda adotou depois do Alzheimer. (Foto: Fernando Antunes)
Érica, a filha que Vileda adotou depois do Alzheimer. (Foto: Fernando Antunes)

"Érica, porque era o nome da minha mãe, da mamãe. Olha lá, pega ela. Ela é minha filhota sim, a mais novinha"

Dona Vileda apresenta sua caçula, Érica, de apenas quatro meses. Nascida em maio, a boneca foi presente da filha, que nunca imaginou que o Alzheimer fosse fazer com que a mãe assumisse o brinquedo como bebê e que isso amenizasse o sofrimento de uma doença tão devastadora. 

"Quantos filhos eu tenho? Ai, ai ai... três. O nome deles?" Ajudada pela filha, dona Vileda consegue dizer: "Lui, o Luís, você o conhece? E a Liane. Espera, espera tem mais gente. A, a, a.." Érica? Digo eu, "sim a Érica", responde.

Até a fala reproduzida pela senhorinha sai como se ela falasse para um bebê. (Foto: Fernando Antunes)
Até a fala reproduzida pela senhorinha sai como se ela falasse para um bebê. (Foto: Fernando Antunes)

A rotina, mesmo que tenha voltado à infância, de dar mamadeira e trocar fraldas de uma boneca, precisa ser descrita com ajuda. "À noite ela vai para onde mesmo mãe?" pergunta a filha, Liane Junges Filiú. "Para a creche, mas olha como ela olha tão bonitinho?", mostra a mãe.

Érica foi comprada numa loja de brinquedos pela filha, depois que Liane viu a mãe brincar de boneca com a fotografia da neta bebê. Para a família, foi um "santo remédio", que devolveu até o sono da senhorinha.

"Eu fiquei com muita pena quando eu vi ela brincar com a foto. É de cortar o coração. Quando dei a boneca, achei que ela fosse brincar igual na foto, mas não. Virou filha", conta a professora Liane.

De imediato, Vileda estendeu os braços para o bebê, chorou muito e disse a todos que tinha recebido de "uma mulher" e que ela e o marido cuidariam, por ter a mesma cor de olhos do marido. "E ela não dá trabalho, nem nada", acrescenta o marido. Ela emenda dizendo que Érica é queridinha demais, não é manhosa e nem chora.

Norberto, o marido de 75 anos que cuida da esposa e da "filha". (Foto: Fernando Antunes)
Norberto, o marido de 75 anos que cuida da esposa e da "filha". (Foto: Fernando Antunes)

A pequena senhorinha de voz doce tem 73 anos e trouxe para a vida da família o diagnóstico de Alzheimer. Nos últimos dois anos, o declínio foi tamanho a ponto de ela tomar a boneca como filha, e se esquecer de Liane, a real.

"A Liane? É, ela é sim a minha filha", diz, e na próxima linha da conversa a mãe já passa a falar da boneca. São flashes que voltam à memória com a história que ela viveu, mas que logo são tomados pelo que a imaginação criou.

"Ela dá beijinho na vó. Dá um beijo pra mamãe, dá beijinho. E olha, ela se ajeita direitinho assim e bem devagarinho", diz, enquanto mima a boneca.

À frente está o marido, seu Norberto, com quem ela é casada há 53 anos. A voz dele contrasta não só por ser tão mais grossa que a dela, mas porque ele completa cada frase da esposa. "E ela dá beijo com estalinho". Diálogo que ele trava consigo diariamente, de quem entrou na história de ser pai de uma boneca.

"E pergunta quem é que troca ela? Quem foi, quem foi? O vovô. Hoje ela tomou banho, porque antes estava muito frio, não dava para dar banho direto", justifica Norberto.

E quando menos se espera, é para o latido dos cachorros da rua, que dona Vileda chama a atenção da boneca.

A cena desperta sensações. Ora de choro, ora de riso.(Foto: Fernando Antunes)
A cena desperta sensações. Ora de choro, ora de riso.(Foto: Fernando Antunes)

As cenas despertam sensações. Ora de choro, ora de riso. As lágrimas, por ver que a mãe e avó se perdem quando a Vileda senhora encontra a Vileda criança, que volta a brincar de casinha. 

Na cabecinha da mãe, Érica ainda é uma bebê, mas o fato de as mãozinhas não se abrirem já começa a causar estranheza. Como tudo ao redor dela se contorna mais fácil com a boneca, a filha tratou de falar que não era nada, era só uma limitação por ela ser pequenina.

"Ela melhorou bastante, era pior sem. E não tem o que fazer, agora ela dorme a noite inteira e você sabe que é uma maneira de, quando acontece alguma coisa, de contornar o desespero. Colocar ela no meio para distrair", ameniza Liane.

A creche, onde Érica fica nas horas em que Vileda precisa sair de casa ou à noite, é, segundo ela, bem pertinho e é só chamar que os responsáveis vem buscar ou trazer. "E ela gosta muito de TV, não chama, não quer nem água. Fica olhando o dia todo. Ela tem madrinha também, tinha que batizar e olha que ela já cresceu bastante", narra Norberto.

A família não sabe precisar ao certo quando foi que os médicos apontaram o Alzheimer. "A gente já percebia que tinha alguma coisa acontecendo. Mas é lento, parece que a gente não quer perceber e depois que sabe, se lembra 'mas nossa, teve aquilo' e já era o Alzheimer", relata a filha.

Norberto é alimentado de amor e paciência diariamente, para cuidar da esposa. "Fazer o que não é? Eu que faço a comida, a boneca aliviou a barra, distraiu ela, que antes brincava e conversava com uma foto o dia inteiro... Agora ela diz que a boneca vai cuidar de nós, mas só quando nós ficar velho", ri.

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