ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUINTA  25    CAMPO GRANDE 27º

Comportamento

Busca por um campo de futebol criou time onde o importante é o passe, não o gol

Paula Maciulevicius | 12/01/2016 06:34
Partida de futebol dos "Billy Idosos", onde o importante não é fazer gol, mas dar o passe. (Fotos: Arquivos Pessoais)
Partida de futebol dos "Billy Idosos", onde o importante não é fazer gol, mas dar o passe. (Fotos: Arquivos Pessoais)

Vinte anos atrás entravam em campo os primeiros jogadores do Billy Idosos, time de futebol fundado em Campo Grande para resolver o impasse da briga de categorias. Formado por médicos, advogados, farmacêuticos, dentistas, engraxate, comerciante e policiais militares, uma associação de classe da saúde não permitia que outros profissionais dividissem o campo e vice e versa, e o resultado encontrado foi procurar o próprio campo para vestirem uma única camisa.

A ideia do time surgiu quando os primeiros impasses começaram, longe dos campos. "Nós tínhamos vários profissionais diferentes e era difícil reunir num campo só. A Associação Médica não aceitava e nós tínhamos farmacêuticos bioquímicos e no sindicato dos farmacêuticos não se aceitava outros profissionais", explica o farmacêutico e um dos fundadores do time, Gilberto Figueiredo, de 62 anos.

Com um grupo heterogêneo, a solução foi estruturar um time e focar num campo onde eles pudessem jogar todos os domingos. "Começou bem informal, a gente fazia joguinhos aos domingos, tomava uma cerveja, fazia um churrasco e foi passando o tempo...", narra Gilberto.

Time em janeiro de 1998.
Time em janeiro de 1998.
E 10 anos depois.
E 10 anos depois.

Billy Idosos é uma brincadeira entre eles. "Billy no futebol seria uma pessoa habilidosa e claro que ninguém aqui é craque. Nossa intenção é distrair, desestressar e todos nós já estamos idosos, de fato. Começamos na média de 30 - 32 anos e há é entre 47 e 50", brinca Gilberto. Ele é um dos sete participantes já na casa dos 60.

As primeiras partidas eram feitas num campo que nem existe mais, "Campo do Saliba", num terreno que ficava próximo à farmácia escola da Uniderp. Depois eles seguiram para outro, do Chiad, na Rui Barbosa, para então chegarem ao terceiro e atual: o Green Hall, na região da UCDB.

Ao longo das duas décadas de jornada, o Billy Idosos chegou a viajar e disputar com times de Sidrolândia, Ponta Porã e Chapadão do Sul. Juntando os anos e as partidas, mais de 100 jogadores amadores já passaram por ali. E alguns deles, também já se despediram dos campos. "Entre o passar pelo grupo, sair e entrar, é em torno disso. Hoje somos 30, três, quatro já faleceram, também tem alguns doentes que não jogam mais", conta Gilberto.

Conhecido como "Cascata", Gilberto controla os ânimos dentro e fora dos campos. Ele é um dos juízes oficiais das partidas. Os jogos são sagrados, todo domingo, exceto quando a chuva vem com força. Por ordem de chegada, eles montam times de sete jogadores com os primeiros 14 que estiverem presentes.

O time é escalado por sorteio. Finalizada a partida, é hora dos outros grupos entrarem em campo. O apito toca às 8h e sinaliza o término dos jogos por volta das 10h30. De lá em diante, é a hora da confraternização. Tão sagrada quanto as regras do Billy Idosos.

Gilberto, o fundador, Paulinho Braga, Guapo, Rogério, Thiago, Eliezer e Gunter, em 2006.
Gilberto, o fundador, Paulinho Braga, Guapo, Rogério, Thiago, Eliezer e Gunter, em 2006.

"Mais importante que fazer gol é você dar o passe para o gol. Não é importante ganhar, o que vale é jogar bonito, fazer um jogo leal", explica Gilberto. Quem entra passa primeiro por três jogos como estágio probatório e ainda por um período de adaptação, para entender as regras e é preciso ser aceito pelo grupo. Só vira jogador do Billy Idosos por indicação de um membro que já está lá dentro.

Fora do futebol, é preciso também impor limites às vezes nas conversas do grupo de WhatsApp. "Quando a gente vê divergência entre um e outro, fala 'não é bem assim, vamos maneirar'. Já mandei parar de falar de política por pelo menos um mês", conta Gilberto.

Se eles imaginavam que a pelada faria aniversário de duas décadas? Não. Ninguém.

Diretor de Ensino, Instrução e Pesquisa da Polícia Militar e escritor, o tenente-coronel Rogério Paulo Rogério de Carvalho Silva, está no time há 15 anos, 12 deles como atacante na linha de frente. Antes e depois das partidas, ele participa das dicussões que vão de política, economia, segurança e educação. "Na época não imaginava que chegaríamos a 20 anos, mas a forma como construímos nossas relações permitiram chegar a este momento unidos e fortalecidos", avalia.

O que é feito em campo reflete na rotina fora dele. É assim que Rogério encara. Sobre o que aprendeu com os amigos? A respeitar.

"Na verdade aprendo sempre como este grupo eclético a manter o respeito, a integrar com todos os demais segmentos da sociedade, aprender a respeitar as opiniões e a ouvir mais. Muitos situações e observações feitas pelo grupo que carrega consigo a aprendizagem da escola da vida me proporciona ensinamentos que transmito aos meus colegas, amigos e familiares", descreve.

Além da rotina do futebol, os amigos colocaram também a família em contato, nas confraternizações de fim de ano, realizadas pelo menos duas vezes.

Conhecido como Carioca, o comerciante José Ribamar Coelho, de 59 anos, conta que só não joga como goleiro, mas que ao longo dos últimos 15 anos de time, já foi escalado para todas as posições. "Aquilo é uma família, é a coisa mais gostosa do mundo, bater papo, a conversa do final. Até na chuva eu vou, me arrumo para ir de qualquer jeito", brinca.

A amizade boa já fez com que eles já segurassem a barra um pelo outro em várias situações. "O grupo se une numa cirurgia, se alguém perde um filho, um pai, vai todo mundo no velório. A gente não imaginava que fosse durar tanto, porque fundamos justamente por não podermos jogar unidos em lugar nenhum, então jamais imaginei", volta a falar o fundador, Gilberto.

Sobre o que as partidas lhe ensinaram? A convivência com o ser humano. "A diferença do ser humano me ensinou muito, fomos convivendo uns com os outros e com o passar do tempo se tornou uma amizade muito grande, como se fosse uma irmandade".

Já com uniforme em azul e amarelo.
Já com uniforme em azul e amarelo.
Nos siga no Google Notícias