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Comportamento

Carta de presa chega ao Vaticano e Papa Francisco manda recado de fé

Paula Maciulevicius | 16/07/2016 07:05
Abraço do Papa Francisco sendo entregue pelo padre Hernanni, que levou carta da presa até o Vaticano. (Foto: Agepen)
Abraço do Papa Francisco sendo entregue pelo padre Hernanni, que levou carta da presa até o Vaticano. (Foto: Agepen)

Quando Lara escreveu a própria história na folha em branco, nunca imaginou que a carta chegaria tão longe e seria lida pelo Papa Francisco. Presa desde maio do ano passado, por tráfico de drogas, a prisão, o nascimento do filho e o medo da partida dele, foi o que a mãe resumiu no papel, entregue ao papa em mãos, mês passado, pelo padre Hernanni Pereira da Silva, da Igreja Santo Afonso. 

Lara Bruna Aparecida Beraldo tem 29 anos de idade. Fora do Presídio Feminino Irmã Irma Zorzi, é estudante e estava fazendo curso de cabeleireiro. Dentro, viveu as dores do parto de Arthur Miguel, a quem chama carinhosamente de Arthurzinho e só viu o mundo lá fora quando foi levada às pressas, para a Santa Casa.

Presa no sétimo mês de gestação, Arthurzinho nasceu antes do previsto e a mãe explica que foi a pressão de estar ali. Embora já tivesse ficado presa, em Goiás, a cena aqui era outra. "A boqueta da cela aqui é menor, eram 18 camas e no chão, várias mulheres. Nunca vi também tanta grávida", conta. 

Depois de cumprir a pena, também por tráfico, em Goiás, Lara veio junto do marido e dos dois filhos, para Mato Grosso do Sul tentar uma vida diferente. A gravidez de Arthur foi, inclusive planejada. "A prisão não foi um flagrante, eu já fiz coisa errada sim e estou arrependida. Só que dessa vez eu não estava, era o meu marido, mas eu não podia entregar ele para a Polícia", diz.

Ela então foi levada o presídio e em seguida, o marido também foi preso. Sobre o fato de não entregar o marido, ela reforça que "não se entrega família para a Polícia" e justifica que ele é bom pai e esposo, só envolvido com "coisa errada".

Presa no sétimo mês de gestação, Arthurzinho nasceu e viveu quase 1 ano entre grades. (Foto: Agepen)
Presa no sétimo mês de gestação, Arthurzinho nasceu e viveu quase 1 ano entre grades. (Foto: Agepen)

Durante quase 1 ano, Arthurzinho ficou no presídio com a mãe, até a avó buscá-lo. "Quando meu neném estava aqui, vinha a Pastoral da Criança. Um dia chegaram dizendo que o padre ia até o Papa e se nós não queríamos escrever, que ele ia entregar a carta", conta Lara. A mãe já vivia no peito a angústia dos dias.

Por lei, a criança ficaria até seis meses no presídio, junto de Lara. Arthurzinho ficou um pouco mais. "Escrevi que meu neném ia embora, ele era muito pequenininho e contei minha vida todinha, mas nunca achei que a carta ia ser entregue, acha que sei lá, era só um papel para passar o tempo", explica.

No feriado de Corpus Christi, em maio, as presas tiveram a visita do padre Hernanni, com o Santíssimo, para rezar. Ao passar pelas celas, Lara descreve que as mãozinhas de Arthur saíram pela boqueta - buraco da porta da cela que mede menos que uma folha sulfite - e o padre percebeu. "Ele passou e meu filho deu os bracinhos pra ele dar a benção na gente e ele chamou o padre com a mãozinha. Como ele não vê homem, achou diferente", narra a mãe. 

Foi naquela ocasião que o padre Hernanni conversou, pela primeira vez, com Lara. Era ele quem faria a viagem para o Vaticano, em junho. "Pedi para eu redigir a carta dela de novo e levei para o sacristão do papa. Contei e achei que iríamos só até a sacristia, fomos levando e de repente, quem abre a porta? O Papa", conta Hernanni, de 36 anos, padre há quatro. 

Emocionado, o padre entregou a carta ao Papa Francisco, que leu e todos se emocionaram. A leitura chegou até a ser notícia do jornal local do Vaticano. "Ele pediu que eu falasse para ela e todas, que rezaria por ela, para eu cuidar dela", recorda Hernanni. 

O padre, por tabela, sentiu a emoção e o privilégio que Lara pode ter, do retorno de Francisco. "O Vaticano recebe mais de 6 mil fax todos os dias de pessoas pedindo para ver a missa do Papa e ele mandou eu dar um abraço e cuidar dela, isso renova todo o nosso sentimento de fé", descreve Hernanni.

Lara não sabia onde ficava o Papa e admite que está boquiaberta da dimensão do retorno. (Foto: Marina Pacheco)
Lara não sabia onde ficava o Papa e admite que está boquiaberta da dimensão do retorno. (Foto: Marina Pacheco)

A visita ao Papa foi a semana do dia 13 junho e na volta, no dia 23, Hernanni programou de entregar o abraço e o recado pessoalmente. Lara? Nem se lembrava mais e foi pega de surpresa. "Eu nunca imaginei que ele ia pegar a carta e ler. Ele me mandou dizer para eu ter fé, que eu ia vencer e sair daqui uma mulher digna. Nossa, chorei um monte", narra.

A presa acredita que o Papa se comoveu também com o pedido de perdão dela. "Pedi que ele me perdoasse, porque eu queria muito ir embora daqui". A condenação de Lara é de 15 anos e oito meses. Tempo que ela acredita que vá cumprir, em regime fechado, cinco anos. 

"Eu não quero que ele se lembre desse tempo que ficou aqui dentro, preso comigo. Ele é uma criança doce, não gosta de gritaria, não dava problema. Ficava na creche até 4h da tarde e depois ia comigo para a cela", descreve a rotina. 

O menino está prestes a completar 1 aninho e vai soprar as velinhas longe da mãe. O recado do Papa foi um alento. "Meu maior conforto. Trazer uma benção para mim? Sem olhar nada, classe social, sem ter preconceito. Ninguém sabe o que a gente sente, eu também sou um ser humano", desabafa.

Lara não sabia onde ficava o Papa e admite que até agora está boquiaberta da dimensão do retorno. "Tem dias que eu penso nisso, como será que foi pra ele ler? Ele lá na Itália e eu aqui, presa? Isso é a prova de que a gente não está totalmente esquecido, qualquer que seja o nosso lugar. O afeto dele é a melhor coisa que se pode ter. Isso é amor ao próximo".

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"Isso é a prova de que a gente não está totalmente esquecido, qualquer que seja o nosso lugar. O afeto dele é a melhor coisa que se pode ter. Isso é amor ao próximo", diz Lara. (Foto: Agepen)
"Isso é a prova de que a gente não está totalmente esquecido, qualquer que seja o nosso lugar. O afeto dele é a melhor coisa que se pode ter. Isso é amor ao próximo", diz Lara. (Foto: Agepen)
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