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Comportamento

Catador, seu Henrique é contratado aos 86 anos por mercado onde pegava papelão

Paula Maciulevicius | 15/12/2016 07:16
Aos 86 anos e depois de catar reciclado por 20, seu Henrique agora empacota compras em mercado. (Foto: Fernando Antunes)
Aos 86 anos e depois de catar reciclado por 20, seu Henrique agora empacota compras em mercado. (Foto: Fernando Antunes)

De boné, camiseta, avental e um sorriso no rosto de satisfação. É assim que seu Henrique trabalha todos os dias, das 7h da manhã às 3h da tarde como empacotador de compras no caixa do mercado onde antes ele ia catar papelão. Aos 86 anos, o estabelecimento ofereceu a ele um emprego, que por vezes o senhorzinho rejeitou, até resolver aceitar e se tornar o mais velho funcionário da empresa.

No bairro Carandá Bosque, em Campo Grande, não tem cliente que não tenha visto seu Henrique pelas ruas da região e agora o reconheça ali. "O senhor está aqui? Que bom, fico feliz!", cumprimenta a fonoaudióloga Valéria Duarte, de 47 anos. 

Cliente e vizinha do Mercado Campos ela conta que sempre o ajudou com roupas e alimentação, como grande parte dos moradores por ali. "Ofereci até de levá-lo para o asilo. Mas ele não queria sair das ruas. Aqui muita gente ajuda, ele tem família, mas parece que são brigados. Uma vez tentei descobrir onde ele morava, é a primeira vez que o vi aqui", comemora. Em retribuição, seu Henrique abre um sorriso.

O expediente já havia acabado quando ele parou para conversar. (Foto: Fernando Antunes)
O expediente já havia acabado quando ele parou para conversar. (Foto: Fernando Antunes)

"Eu moro lá embaixo, no Taquaral. Como eu venho para cá? Agora vindo de ônibus, mas dias atrás eu vinha era com carrinho de catar papelão, latinha e reciclável na rua", conta Henrique Barra Filho.

O expediente já tinha acabado quando ele parou um pouquinho para narrar sua história. Nascido em Tupã, no Estado de São Paulo, o senhorzinho diz que já perdeu as contas de quantos anos está em Mato Grosso do Sul.

De profissão mesmo, sempre trabalhou no campo, na lida com fazenda, gado e leite. Só que quando a idade "pegou", ele sentiu que o serviço para os "mais moço".

"Eu estava meio cansado já. Na lida do gado tem que ser menino novo. Eu trabalhei muito, mas estava achando meio difícil pra mim, porque laçar uma vaca não é fácil", exemplifica. De trabalho regular, ele também chegou a fazer limpeza nas ruas da cidade.

Há 20 anos encontrou o carrinho e na reciclagem um meio de vida. Era uma forma de complementar a aposentadoria pela idade e também não ficar parado. "Eu catava tudo em volta aqui, pegava no mercado e parava aqui, porque a viagem é muito longe", recorda.

Herivaldo, colega de trabalho e amigo que chama Henrique de "vô". (Foto: Fernando Antunes)
Herivaldo, colega de trabalho e amigo que chama Henrique de "vô". (Foto: Fernando Antunes)
Cumprimentado pelos vizinhos do mercado, não tem cliente que não o conheça. (Foto: Fernando Antunes)
Cumprimentado pelos vizinhos do mercado, não tem cliente que não o conheça. (Foto: Fernando Antunes)

Já tinha pelo menos quatro anos que o caminho era o mesmo. Do Taquaral Bosque até o Carandá e a volta. No mercado, ele foi descoberto por um funcionário que ofereceu os papelões e também comida. "Ele catava papelão nos fundos e um dia perguntei se ele já tinha almoçado. Pedi para o patrão que falou para servir uma marmita. A gente comia junto lá no fundo, não é vô?", recorda o conferente Herivaldo Alves Monteiro, de 36 anos.

Por anos eles tiveram essa amizade que se resumia em abrir as caixas e embalá-las no carrinho, até que uma temporada, seu Henrique foi morar com um filho em São Paulo, mas voltou. 

"Um dia meu patrão chamou e ofereceu um emprego, para ele sair do sol, da chuva. Ele não quis. Mas acabou dizendo para mim, no final do dia: 'fala para ele que eu quero, que a vaga é minha e amanhã eu volto'", completa Herivaldo.

O amanhã foi realmente as 6h da manhã do dia seguinte, sem carrinho e pronto para usar o uniforme. Desde então, se passaram duas semanas. "Eu me sinto amarrado aqui", brinca seu Henrique. É que para quem vivia nas ruas, a liberdade só trazia consigo um peso: o do carrinho nos braços, mas ele ganhava o mundo. 

Em contrapartida, o expediente não lhe suga tanto esforço a não ser sorrir. "Felicidade para mim é viver assim, tranquilo, com o que a gente tem e pode fazer". 

*Essa sugestão de pauta veio das vizinhas de comércio do mercado, as irmãs Nina e Zeta.

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"Felicidade para mim é viver assim, tranquilo, com o que a gente tem e pode fazer". (Foto: Fernando Antunes)
"Felicidade para mim é viver assim, tranquilo, com o que a gente tem e pode fazer". (Foto: Fernando Antunes)
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