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Comportamento

Coelhos se proliferam em bairro rico, mas em casa de gente muito simples

Ângela Kempfer | 20/04/2014 07:14
Pai e filho nas mãos dos donos da casa. (Foto: Marcelo Victor)
Pai e filho nas mãos dos donos da casa. (Foto: Marcelo Victor)

Na região do Parque dos Poderes, uma coelha anda solta depois de escapar da casa da família. É só correr atrás dela, que a bichinha volta sempre para o lugar de onde conseguiu fugir. Não fica muito tempo longe dos oito irmãos, nem do pai ou da mãe. Por mais liberdade que tenha, vive ali, no terreno baldio ao lado.

Ela não tem nome, mas o endereço é no Jardim Veraneio, um dos locais de maior valorização nos últimos 10 anos em Campo Grande. No quintal da casa muito simples, ainda no reboco após a substituição da estrutura de madeira, o pai de raça descabelada é como personagem de desenho animado. É o único da comunidade com nome: “Pintado”.

Não tenho nenhuma pretensão ao escrever esta matéria (um alerta para quem espera informações práticas), a não ser falar sobre a família símbolo da Páscoa, que em Campo Grande vive na terra batida e no improviso descartado, em um dos bairros mais cobiçados desta cidade.

Pintado nunca virou almoço porque Marina, de 33 anos, tem dó de matar o que quer que seja. A dona de casa também não vende, por não ter vontade de oferecer o que já faz parte da rotina ao lado dos 4 filhos. “Se algum vier aqui, a gente pode até vender, mas não saio por aí falando não”, reforça, aparentemente sem muitas outras vontades também.

Mãe sem emprego, evangélica e abandonada pelo último marido há 2 meses, ela diz que espera ser chamada por uma empresa para trabalhar como operadora de máquinas de lavoura. “Já passei pelo treinamento”, garante.

Então, vai vivendo com gosto de ver o quintal cheio de bichos, sem a dor na consciência de ter quebrado nem um pescoço sequer também das galinhas que dividem com os coelhos o espaço cercado. “Animal é interessante. Eles se adaptam, vivem bem um com os outros”, comenta Marina.

Os frangos não vão para a mesa nem neste domingo de comemoração. O almoço vai ser como qualquer outro, muito simples.

Casa simples, tem mais de 50 anos, e hoje vale pelo terreno de 12 X 30.
Casa simples, tem mais de 50 anos, e hoje vale pelo terreno de 12 X 30.

A casa foi herança da avó, construída há 50 anos em um terreno que hoje vale cerca de R$ 150 mil. Mesmo assim, a mulher diz que precisa de uma oferta realmente boa para pensar em se afastar do único lugar nesta vida que conheceu como morada. “Nunca sai daqui, não consigo me ver longe. Mas também não tem ninguém que queira pagar o que realmente vale”, lembra.

Nem os vizinhos ricos, com janelas e portas blindex nas fachadas chiques, intimidam Marina. “Eu estava aqui primeiro. A única coisa complicada é que tudo ficou muito caro, não dá para fazer compras aqui. Tenho de ir até o Danúbio Azul”, explica.

Com 4 cômodos e nenhum conforto, o que vai ficando velho lá dentro, é jogado para fora. A cadeira de rodas do ex-companheiro fica ao ar livre, pendurada na parede, no alto, como lembrança de quem não deve voltar mais. A cama de casal também saiu de cena, para dar espaço aos filhos.

De novidade, 5 bicicletas para a família se locomover pelo bairro, compradas com dinheiro da pensão que recebe do pai dos garotos. “Mas eles só usam quando estão juntos comigo, não deixo ninguém sair por ai sozinho não”, avisa a mãe.

Bruno, o caçula de 9 anos, tem olhos grandes e cílios longos. Os coelhos são um passa-tempo para o menino lindo e de fala tímida. Ele sabe de detalhes sobre a personalidade dos bichinhos, que o resto da família desconhece. “Aquele pretinho ali é muito bravo. Não dá para pegar não”, conta.

Durante toda a conversa, Marina sorri apenas quando o filho resolve falar da turma de coelhos. No mais, o olhar é severo e as frases são duras. “Agradeço por meus filhos serem homens. Não queria ter mulher, porque mulher sofre muito, nunca para de sofrer. Homens são independentes”, analisa, sem lembrar que a única que conseguiu fugir de casa até agora foi a coelha, apesar de também ter dificuldade de mudar de endereço.

Coelhos vivem em espaço cercado no quintal.
Coelhos vivem em espaço cercado no quintal.
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