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Comportamento

Com direito a fuga, polícia e pai bravo, eles celebram mais 1 dia dos namorados

Paula Maciulevicius | 12/06/2014 06:34
Elizabeth e Luiz Antônio 37 anos depois dela fugir pela janela para viver o amor proibido. (Fotos: Marcelo Victor)
Elizabeth e Luiz Antônio 37 anos depois dela fugir pela janela para viver o amor proibido. (Fotos: Marcelo Victor)

A história deles daria uma trama de novela. Casais que há 30 anos desafiaram os pais e fugiram para viver um amor, com direito à Polícia, juiz, exército e umas palmadas. Para este dia 12 de junho, o Lado B procurou velhos enamorados, que nem o tempo mudou tamanho sentimento. Elizabeth e Luiz Antônio; Cida e José Fernando. São eles os protagonistas reais das histórias de amor tanto contadas nos livros e filmes. Se pudessem voltar atrás, ainda assim eles teriam fugido para chegar até aqui juntos.

Elizabeth Nascimento, que há 37 anos assina “Arruda”, lutou e, muito, para viver o amor com o vizinho, Luiz Antônio Gomes de Arruda. Se hoje a década que separa o casal não parece nada, foi justamente este o motivo encontrado para os pais dela determinarem o rompimento do namoro.

Beth e Luiz se conheceram, namoraram e fugiram na mesma região, no bairro Itanhangá, em Campo Grande. “O Luiz veio de Aquidauana e foi meu vizinho. Demorou uns meses, fiz amizade com a irmã dele. Aí quando eu vi, me encantei e ele a mesma coisa, me pediu em namoro para os pais e foi tudo dentro de casa”, conta. Os pais da então moça até deram a ele um prazo para que, dentro de um ano, estabelecesse casa para constituir família.

Em 1 ano e 2 meses de namoro, a história virou. Obra do destino, quiçá um capítulo escrito por Manoel Carlos. No enredo da vida real, a interferência, ainda que tardia, de familiares provocou o rompimento. E a partir daquele instante, os dois estavam proibidos de se amar. Beth tinha 14, Luiz, 24. “Diziam para os meus pais ‘esse namoro não vai dar certo, ele é muito velho. Aí meus pais resolveram que eu tinha que terminar”, descreve. Numa época quando todo mundo tinha arma em casa, a rua ficou pequena e muro nenhum fazia limite. “Briga de família. Deu briga e se usava muita arma naquela época”, conta.

Certidão de casamento comprova a felicidade que eles tiveram. Em um mês, os pais autorizaram o matrimônio.
Certidão de casamento comprova a felicidade que eles tiveram. Em um mês, os pais autorizaram o matrimônio.

Nem a intimidação das balas impediu o casal de ficar junto. Através de amigos, eles mantinham contato por cartas e bilhetes, que, quando descobertos, foram todos queimados. “Eu dormia cadeada, com a janela com cadeado, do medo que meus pais tinham de eu fugir à noite. Para me libertar, eu fingi que tinha esquecido dele”. Beth iludiu os pais que decidiram que ela poderia não dormir mais trancafiada. Mas isso foi até a descoberta de que eles continuavam se comunicando e mais, se amando.

“Então vai ser hoje. Eu fujo de casa ou não dá mais”, impôs a jovem. Aos 15 anos, Elizabeth fugiu de casa pulando a janela às 10h30 da noite. Da rua, foi direto para o vizinho, a casa onde morava Luiz.

“Eu sabia o que queria e tinha certeza que era ele. Eu tinha pouca idade, mas era uma pessoa determinada”, relembra. De imediato os pais sentiram a fuga dela. O sapato de Beth enganchou na janela e para se soltar, ela chacoalhou a ponto de eles perceberem. “Eu ouvi ‘Beth volta, volta, mas eu sabia que se voltasse eles iam me matar”.

Os pais foram logo até a casa de Luiz, que vinha tranquilamente pela rua até ser avisado da situação. “Eu senti uma aflição no peito e falei vou embora. Quando cheguei perto de casa me falaram, entra que a Beth está lá dentro. Ela veio correndo, pulou no meu pescoço e me deu um abraço. Eu falei, sua maluca, vamos embora daqui”, conta Luiz Antônio.

O detalhe é que para despistar a família, o jovem ficou procurando pela rua enquanto a amada vestia roupas e uma toca da cunhada de modo que se disfarçasse de qualquer pessoa, menos àquela que fugia para viver um grande amor.

“Era tão certo, que a gente tá aí até hoje” interrompe Luiz. Em poucos dias, um amigo encontrou o casal que migrou entre a casa da tia, uma pousada e o imóvel de um parente, e avisou da intimação. Por ser maior de idade e fugir com uma adolescente, Luiz havia sido intimado à comparecer ao Fórum. E foi. Ele e ela.

O resultado são 38 anos de amor, filhas e netos.
O resultado são 38 anos de amor, filhas e netos.

Perante à família, Beth disse que não voltaria atrás e que até podia voltar para casa por obrigação da justiça, mas que se casaria de qualquer modo. Era Luiz o amor de sua vida. “O juiz deu prazo de 30 dias para os meus pais autorizarem, senão ele autorizaria o casamento”, detalha.

Antes do prazo, o pai da moça mandou chamar o casal que foi preparado para morrer. Ao chegar deram de cara com uma reconciliação. “Era para viver bem, viver em paz. Meu pai foi na feirona de bicicleta aquele dia, comprar um jogo de panela”.

Um mês depois da fuga o casal finalmente se casou. 10 de agosto de 1977. De lá para cá, quatro filhas e oito netos, dois deles ainda estão à caminho. “Eles viram depois que não era nada daquilo que estavam pensando”, observa Luiz. “Com certeza, faria de novo, fugia de novo, casava de novo. Quer dizer, a gente casa todos os dias, não é mesmo?”, diz, olhando para o amado, a moça que pulou a janela 37 anos atrás.

Caso de Polícia? - Desde 2006, casais que fogem para viver um amor, não cometem mais crime. “Antigamente tinha crime, o rapaz namorava a menina, fugiam para casar. Hoje não é considerado mais crime, não chega mais na gente”, observa o delegado Fernando Nogueira.

Entre a procura de pais por casais fugidos, a Polícia dá orientação, no entanto, nem a moça, nem o rapaz podem ir para a cadeia. Nogueira explica que os casos são restritos às relações consensuais e acima dos 14 anos. Abaixo disso, é considerado, diante da lei, estupro de vulnerável.

Hoje aos risos, Cida nem acredita na coragem que teve para fugir. (Fotos: Simão Nogueira)
Hoje aos risos, Cida nem acredita na coragem que teve para fugir. (Fotos: Simão Nogueira)

Hoje Aparecida Passos da Silva, 57 anos, dá risada de contar a fuga. O marido, José Fernando da Silva, já morreu, mas da história de amor ficaram as gargalhadas de quem até hoje não acredita ter tido coragem para fugir. De novo, foi a idade que empatou o romance e levou os dois a tomar a atitude drástica de cair na estrada.

“A gente se conheceu na olaria. Trabalhava eu, meu pai e ele. E ele tinha uma esposa, coincidência era meu nome. Viveu pouco tempo com ela. Passou um bocado de tempo, ele voltou e voltou sozinho. Aí a gente começou a se interessar um pelo outro”, descreve Aparecida, mais conhecida como Cida.

Pela braveza que ela sabia que o pai tinha, o convite para fugir foi aceito. “Ele que falou, vamos fugir? Aquele tempo a gente não sabia de nada. Vida sofrida e ia me libertar. Era à noite do dia 6 de novembro, num sábado eu lembro bem, a gente combinou tudo”, relata.

A cachorra da família, Brigite, acompanhou o casal por boa parte do caminho. À pé, Aparecida e José Fernando andaram por cerca de 1h. Em casa ela deixava a ira do pai, um irmão que servia ao Exército e a avó.

A fuga era de ambos os lados. José Fernando também fugia da sua família. Logo ele, que havia acabado de terminar um casamento, não podia aparecer para os pais com outra moça e 11 anos mais jovem.

Foi no emprego do rapaz, numa fazenda a 2h de Campo Grande, que a notícia chegou. O pai da moça estava a procura do casal. “Eu não sei como ele achou, ele não conhecia o patrão do meu marido. Eu sei que foi um delegado lá e deu parte, avisando que se eu não voltasse, meu irmão viria com o Exército”, conta Cida. Ela voltou, foi à delegacia e deu de cara com o pai.

“Eu pedi benção para o meu pai, ele não me deu, virou de costas e disse para o delegado que não era para eu casar e nem para voltar para a casa, que eu era uma meretriz, que era para me por na zona. O delegado falou que não podia me por lá pela minha idade”, narra.

Na delegacia a decisão foi por Cida voltar para casa até que a segunda via dos documentos pessoais saíssem e ela enfim pudesse se casar. Pelos 15 dias em que esteve na casa dos pais, Cida levou uma surra daquelas. “Mas quando legalizou todos os documentos, a gente foi no cartório e se casou. Quando eu fico lembrando eu dou risada, fico pensando no absurdo. Depois meu pai e meu marido se tornaram compadres. Se acontecesse comigo, com as minhas filhas, os tempos foram mudando, eu aceitaria na mesma hora”, avalia.

A diferença de idade foi vencida, mas depois de muita briga, polícia, exército e surra.
A diferença de idade foi vencida, mas depois de muita briga, polícia, exército e surra.
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