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Comportamento

Com histórias que dariam um livro, garçons comemoram bodas com a bandeja

Thailla Torres | 20/12/2016 08:00
Natalio tem 45 anos de profissão, com muito orgulho da experiência e dos amigos que fez pelo caminho. (Foto: Thailla Torres)
Natalio tem 45 anos de profissão, com muito orgulho da experiência e dos amigos que fez pelo caminho. (Foto: Thailla Torres)

O prazer em servir é paixão em comum entre Natálio, Geraldo e José Antônio. Com tantos anos trabalhando como garçons em Campo Grande, para eles, o tempo de profissão é como um casamento. A habilidade com a bandeja e o atendimento aos clientes renderam uma vida digna e reconhecimento. 

Natálio Malaquias tem no currículo 45 anos de trabalho, já completou Bodas de Rubi com a bandeja. Começou menino, aos 12 anos, quando saiu de casa para enfrentar a vida sozinho. Na época, sem muita informação ou amparo, trabalho infantil nem era questionamento. "Morava no interior, sai de casa muito cedo e fui trabalhar em um restaurante 24 horas. Mesmo sendo uma criança, não tinha as exigências que tem hoje", conta.

Cada detalhe nesse tempo de profissão é contado com orgulho, nota-se pelo sorriso de satisfação. Mas a história sempre tem dois lados e, no amor, a vida de garçom nem sempre trouxe boas respostas. "Tem um lado não muito bom. Enquanto profissionais estão de folga no fim de semana e feriado, são os dias que a gente mais trabalha. Já estou no quarto casamento", conta.

Natálio até se emociona ao falar da profissão. (Foto: Thailla Torres)
Natálio até se emociona ao falar da profissão. (Foto: Thailla Torres)

Separado há três meses, até respira fundo ao falar do assunto, mas conta a história com bom humor. "Teve um cliente que brincou comigo, dizendo que eu estava disputando com o Fábio Junior, quantas vezes eu caso e separo. Acho que é até um pouco por isso, a esposa está em casa e a gente trabalhando, isso desgasta. Então o Fábio Junior que se cuide", brinca.

Apesar da separação recente, na vida profissional o que Natálio nunca pensou foi em deixar de lado as mesas. Já trabalhou em clubes, restaurantes, bares e órgão público na cidade. Se tornou maítre em um restaurante de comida italiana e diz que nada o impede de servir. "Quando enche a casa, pego a bandeja e mato a saudade de ficar andando pelas mesas. É assim que pretendo chegar até os 80 anos trabalhando. Não é algo só pela renda, mas porque tenho saúde e amor a profissão", diz.

O reconhecimento vem ao vencer os desafios da profissão, diz. "O maior desafio de um garçom é no final do expediente sair com uma mente tranquila por ter feito um bom trabalho, deixando clientes satisfeitos". 

Ele dá dica de como ser um profissional bem sucedido. "Precisa ter o poder de percepção. Se percebo que um cliente não gosta muito de conversa, a gente prioriza uma atendimento mais reservado, sem falar muito com ele. Mas se for uma pessoa mais informal e aberta, a gente estica o papo e até brinca", conta.

O jeito do garçom até já fez cliente voltar ao restaurante para conversar. "Isso conquista e faz muitos voltarem só para conversar com o garçom", reforça. 

Mais do que servir, garçom ainda se torna um colecionador de histórias, guardadas a sete chaves. Natálio não revela nenhum caso, mas conta que mesa de bar e restaurante também se tornam um divã para os clientes e ele o ouvinte mais confiável. "São muitas coisas, tem segredos que dariam um livro. Já ouvi história de amor e cliente falando da vida.  Se o garçom tiver disponibilidade é bom que ele ouça,  é uma maneira diferente de ver a vida. Mas depois é preciso fingir ser cego, surdo e mudo", ensina. 

Carismático, Natálio até se emociona ao falar do reconhecimento do patrão e dos cliente. "Não aprendi fazer outra coisa e nem estudei. Por isso, nunca pensei em sair. Talvez só se fosse algo com muita remuneração... Mas pensando bem, acho que não, realmente gosto do que eu faço", afirma.

José Antônio trabalha no mesmo restaurante há 22 anos e gosta de servir até em casa. (Foto: Fernando Antunes)
José Antônio trabalha no mesmo restaurante há 22 anos e gosta de servir até em casa. (Foto: Fernando Antunes)

No caso de José Antônio Costa Barros, de 49 anos, a profissão foi ensinada em família. Ele é o caçula de cinco irmãos em que a maioria trabalha como garçom, desde a juventude. "Quatro são garçons. Aprendi com meu irmão mais velho que abriu um restaurante e me colocou para trabalhar com ele. Fui aprendendo aos poucos, gostei e fiquei até hoje", conta. Tanto, que já são 30 anos atuando na cidade.

José já conseguiu ensinar muita gente em um restaurante na Avenida Mato Grosso, onde já está há 22 anos. Ali cresceu na vida, tira o sustento da família e carrega o orgulho de conhecer o cliente pelo nome, seja quem for. "Tem cliente que a gente já sabe tudo que ele gosta sem falar. Pode ser doutor, político ou cidadão comum, todo mundo é bem atendido", frisa. 

José gosta de servir até em casa. Dia de folga é a certeza que tem churrasco para família. "Toda família se orgulha e por eles procuro até hoje fazer o melhor. Eu digo que o restaurante é minha primeira casa, porque foi daqui que eu conquistei tudo e o meu lar", conta.

Sempre sorridente, José Antonio conquistou amigos e até gorjeta bastante generosa. (Foto: Fernando Antunes)
Sempre sorridente, José Antonio conquistou amigos e até gorjeta bastante generosa. (Foto: Fernando Antunes)

Nem tudo foi fácil. José diz que a profissão é feita de detalhes e carisma sempre. "Gosto de atender as pessoas da forma que eu gostaria de ser atendido. Mas tem que tomar cuidado com vários detalhes, como por exemplo, ver que o cliente já terminou ou não deixar ele a espera de um pedido, saber sugerir e estar atento. No começo é difícil, mas com paciência a gente aprende".

O garçom admite que já passou apuros até ganhar habilidade com a bandeja. "Derrubei bandeja e espeto de carne no meio do salão. As vezes, o restaurante está lotado, a gente trompa em alguém e acaba caindo um copo. Acontece, mas com o tempo a gente vai aperfeiçoando até isso".

Sorridente e muito simpático, gratidão é ver o reconhecimento dos clientes. "As vezes até falam para o patrão e te elogiam. O melhor do garçom é um sorriso. Isso é muito gratificante", diz. 

O reconhecimento é tanto que hoje nem os 10% são deixados de lado pelo cliente. "A nossa profissão foi valorizada. Antes o cliente nem queria pagar, hoje tem cliente que faz questão, mesmo não sendo obrigatório. Uma vez o cliente chegou a dar o triplo do valor da conta só em gorjeta".

Se também já pensou em desistir? Jamais, seria como quebrar uma tradição de família. "Cresci nesse meio e não tem nem como sair. Eu posso dizer que amo ser garçom".

Geraldo ganhou apelido por semelhança com ex-governador.
Geraldo ganhou apelido por semelhança com ex-governador.

Tem garçom que até ganha apelido pela semelhante com figura pública na cidade. Geraldo Souza, de 59 anos, diz que já perdeu as contas de quantas vezes foi cumprimentado como político. A brincadeira surgiu de um cliente que jura que ele é parecido com o ex-governador André Puccinelli.

A semelhança é bem leve, mesmo assim, Geraldo sempre levou o apelido na brincadeira e acredita que o ex-governador nem saiba da brincadeira. "Nunca vi ele aqui, mas muitos amigos dele frequentam. É uma brincadeira desde que o primeiro falou e acabou pegando. Mas não me importo".

Prazer em servir faz parte da rotina há 36 anos.
Prazer em servir faz parte da rotina há 36 anos.

Geraldo tem 35 anos de profissão, nasceu m Ponta Porã e passou boa parte da vida trabalhando em fazendas. Garçom foi a única atividade desde que saiu da fazenda. Antes, nem sabia o significado da profissão. "Eu nem imagina o que era. Vivia na fazenda e acompanhava algumas comitivas. Foi em 1980 que tive a oportunidade de conhecer um amigo que era garçom, servia churrasco e fui trabalhar. Depois disso eu nunca mais parei", conta.

Geraldo tem um jeito sereno na hora de falar. Quando chega ao bar e restaurante onde trabalha, não falta cliente dando oi a ele. Faz sucesso no lugar, recebe carinho, abraço e tem até cliente que faz questão de levantar para a conversa. "Vira todo mundo família. Faz parte do meu dia e é isso que eu mais gosto, de conversar com o cliente, descobrir um pouco sobre ele e o que ele gosta só para ver ele saindo satisfeito", diz.

Todo empenho também gera um desgaste, o que para ele é pequeno perto do carinho que ganhou ao longo do tempo. "Você tem que dar um pouco e muito mais de dedicação ao serviço. Mas a gente é a porta do restaurante, se o cliente é bem atendido, temos a chance de ver ele novamente e atender. É o que eu digo, nem sempre a profissão é fácil, mas quando a gente faz o que gosta, nem há o que reclamar", finaliza.

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