ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
ABRIL, QUARTA  24    CAMPO GRANDE 22º

Comportamento

Datilografado, pedido de casamento revelou primo apaixonado em 1980

Casal viveu junto por 30 anos e carta é guardada do dia em que foi lida até hoje

Paula Maciulevicius | 02/12/2016 08:02
Carta foi feita na máquina de escrever, em 1980 e fala muito sobre o amor que Cláudio sentia pela prima "Minha".
Carta foi feita na máquina de escrever, em 1980 e fala muito sobre o amor que Cláudio sentia pela prima "Minha".

"Anastácio, 17 de Fevereiro de 1980
Minha: De antemão quero deixar bem claro uma coisa: não se trata de nenhuma brincadeira. Mesmo sem saber qual será a sua decisão, adianto-lhe que tal decisão é espontânea e pensada. Eu quero me casar com você."

Datilografada 36 anos atrás, a carta trazia um pedido de casamento de Cláudio à "Minha", como é conhecida Severina. Primos, eles cresceram juntos e viram as brincadeiras de criança se transformarem em amor. Os dizeres foram encontrados dia desses, pela filha Ana Cláudia e até hoje emocionam quem as recebeu em fevereiro daquele ano. 

Cláudio Valério da Silva morreu aos 55 anos, prefeito de Anastácio, cumpria o quarto mandato quando infartou, em 2010. Viúva, "Minha" é quem conta a história de amor protagonizada pelo casal entre a cidade e a Colônia do Pulador, onde todo mundo era meio parente senão de nascença, por matrimônio.

"Tem seis anos que ele faleceu. Eu guardo essa carta desde o dia que eu recebi", diz Severina Maria do Nascimento Valério, de 62 anos. A frase sai trazendo consigo um passado quase preto e branco. Cenas que se repetem à mente de Minha toda vez que a saudade aperta: a infância e adolescência dela junto de Cláudio.

"Nós somos primos e na época, a gente se comunicava muito, se falava muito. Ele fazia magistério e eu faculdade, a gente morava na frente da casa um do outro e tivemos, como primos, muito contato", resume. A carta apareceu entre as páginas de um livro que ele emprestou para ela. "Comecei a ler para um trabalho que eu tinha, foi quando encontrei a carta. Estava recém datilografada. Li e guardei", conta.

Os dois conversaram depois, mas ela não disse nada e ele também não tocou no assunto. Cláudio jurava para si que Minha pensaria que era só uma brincadeira e que não teria acreditado. Os dias que se seguiram com o silêncio da parte dos dois só reforçava a ideia.

"Ele nunca me perguntava e eu também não dava resposta. Foi um tempo de mais ou menos 15 dias... Aí eu resolvi falar: peguei dentro do livro uma carta e ele me perguntou: 'o que você achou?' Eu disse: tudo bem, 'se você quiser tentar, vamos'", recorda.

Entre achar a carta e subir ao altar passaram-se apenas cinco meses e dia 5 de julho de 1980, de primos, Cláudio e Minha viraram marido e mulher. "Já existia uma grande amizade, primeiro porque eu tinha uma admiração por ele. Era muito inteligente, radialista na época e depois com os dias de namoro, foi chegando um sentimento e aconteceu..." conta Severina.

Cláudio e Minha, como é conhecida Severina.
Cláudio e Minha, como é conhecida Severina.

Romântico, Cláudio era "diferente", não conseguia expressar em voz alta aquilo que a datilografia fazia tão bem por ele. "Gostava de escrever, tem livros publicados, era um poeta", descreve a esposa.

Durante 30 anos, dona Severina foi feliz junto do primo. Sentimento que fora compartilhado com a família. O casal teve três filhos, uma delas foi Ana Cláudia, que encontrou a carta entre as páginas de um livro escrito por Cláudio que não chegara a ser terminado e que a fez voltar num passado que nem era nascida ainda. 

A filha sabia da existência do pedido datilografado e também que os dois eram primos. Mas encontrar as letras do pai ali, foi o mesmo que se sentir abraçada por este amor. "Desde o início eles brincavam juntos, tiveram uma infância muito pobre. Meu pai veio para a cidade estudar, batalhar e conseguiu se erguer na vida". Fora esta a narrativa que Ana Cláudia aprendeu, desde sempre. 

O pai era vergonhoso e não tivera coragem de chegar e falar para Minha o quanto gostava dela. "Através da carta que ele expressou o amor que sentia. Ele tinha 26 e ela, minha mãe, 27, um ano a mais que ele", contextualiza a assistente social, Ana Cláudia do Nascimento Valério, de 34 anos. 

Nascidos já em Colônia do Pulador, região de Anastácio, os dois eram filhos e netos de pernambucanos, que vieram no pau de arara para as bandas de Mato Grosso. "Minha mãe era professora, meu pai fez Letras e também conseguiu passar num concurso para professor do Estado. Ele gostava muito de ajudar e se lançou prefeito, foi prefeito por quatro mandatos", conta Ana. 

Poeta e escritor, Cláudio Valério é autor do livro "Janela", só de poesias e de outros com as história da cidade de Anastácio, desde que fora povoada. "Ele quem fez a Festa da Farinha, é projeto dele, devido a história de vida dele", acrescenta a filha.

A carta, na íntegra.
A carta, na íntegra.

"... Há muito que aprendemos a brincar e a discutir. E entre brincadeiras e discussões, nada falamos que pudesse transparecer qualquer coisa a este respeito. O que acontece é que os dias vão se passando e eu sinto e temo que a rotina possa destruir essa brincadeiras e discussões, que infelizmente não duram a vida inteira.

Sabe, Minha, eu acho que o verdadeiro amor só pode ser encontrado no seio da família. É no dia a dia do casal que se pode provar e comprovar tal sentimento. Todos nós precisamos de alguém. Quando jovem, temos os nossos pais. Mas e depois? É a mulher o orgulho da mocidade do homem e o filho, o orgulho da sua velhice. 

Não sei quais são os seus planos para o futuro. Eu não os tenho. Quem sabe juntos poderíamos tratá-los? Talvez você não acredite no que vou lhe revelar: desde que me entendi por gente, eu vivo só. Mas nunca afastei a ideia de ter um lar. Acho que mesmo o mais medíocre dos homens, por um momento qualquer, pensou nisto: ter uma família, onde ele não fosse os ramos da árvore, mas a raiz. 

Se estou contando isso em carta é porque você não leva a sério a maioria das coisas que lhe digo. Sabendo você que, na maioria das vezes, elas são verdadeiras e incontestáveis. 

É por isso que estou me peguntando neste momento: será que essa carta vai dizer uma coisa e ela vai entender outra? Por favor Minha, se você não quiser entendê-la, tudo bem. Mas uma coisa eu lhe peço: ao ler essa carta você compreenderá o fato: essa carta foi escrita por mim, a história e roteiro foram tirados de mim, portanto ela é parte de mim. 

Ah! Uma outra coisa: se você não for respondê-la, por favor, rasgue-a e queime-a e esqueça de quem a escreveu. Pois ela mais nada representa do que o desejo de um homem que um dia quis ser feliz, casando com sua prima. 

Um beijo - Cláudio Valério."

"É emocionante, porque não existe mais isso. Eu leio sempre e de vez em quando encontro na papelada, como aconteceu ontem. É algo diferente, acontece uma coisa diferente. Eu fui muito, muito, muito feliz com ele e guardo porque é um escrito bonito. Uma recordação, uma lembrança para quando meus netos forem crescidos e entenderem, ver...", explica Minha.

Curta o Lado B no Facebook

A família que cresceu a partir do casamento dos primos.
A família que cresceu a partir do casamento dos primos.
Nos siga no Google Notícias